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cronicas-->Navegantes -- 25/10/2016 - 11:30 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Entrei no bar do Moacir. Seu Moacir, um português das antigas, andava lá com seu lápis pendurado como um prolongamento de sua orelha, a conferir o que havia a ser visto. Na parede, um retrato iluminado por uma vela de Nossa Senhora de Aparecida. Em outra, desvela-se o gosto lusitano pelos mares nunca dantes navegados: As caravelas. Seu Moacir diz que descende de uns tais navegadores que aqui aportaram há tempos, porém ele veio depois deles, muito tempo depois, para se estabelecer nas paragens e criar seus filhos.

Seus filhos: Um trabalha direto com ele, meio preguiçoso, meio levado e, pela boniteza, já se engraçou com várias clientes que sempre voltam para atormentar. Seu Moacir diz um chiste chulo que, em respeito a vocês, eu omito, porque é óbvio e porque acho desnecessário dizer o que seja óbvio num tempo chulo. Talvez seja recalque meu, mas o chiste dele tem a ver com uma linguiça que, seca, balança ao vento, lembrando-nos que, um dia, ela irá para alguma barriga: Defumada, deliciosa, vinda direta dos Cascais, diz seu Moacir.

O outro filho dele foi ao Porto: Lá se engraçou com uma guriazinha natural de Moçambique, lá ele está; como tem nacionalidade portuguesa comprovada e rebuscada, por lá mesmo arranjou emprego em navios de carga, de maneira que, a cada seis meses, fica com sua moçambicana que seu Moacir diz, "é uma graça" porém com o rabo maroto do olho e coçando a cabeça, diz dela que seu filho deve abrir os olhos, tal a beleza morena que ela tem.

Seu lápis tem vida própria, seu Moacir a tudo confere e anota, seu sorriso é leve em contraste com grossas sobrancelhas; as imprecações não combinam com a suavidade de seu lápis correndo pelos papeluchos grudados no vidro do caixa. Maços de cigarros com fotografias de sofrimento, balas, baleiros, chocolates de cores diversas e marcas confusas, pirulitos para os moleques e deliciosas balas de mel vindas de Lisboa seduzem marmanjos como eu e crianças que teimam em não comer: Seu Moacir as presenteia coma promessa de que , se obedecerem as mães, ganham o dobro na próxima.

Ah, essa realidade, a realidade que navegou os santos ares, as dificuldades que as ondas engoliram gerações atrás, essa realidade que engolfa os sentidos da gente, bem ali ao sabor dos aromas do pastel, dos pães que ele faz ali, do café moído que a moça de olhos enormes costuma fazer para os mais exigentes, as mesas postas com toalhas coloridas e, na maior parte das vezes, limpas.

Seu Moacir só se anuvia, seu lápis fica penso no espaço, sua boca se contrai num esgar triste, quando se menciona a falta de sua mulher. Seu Moacir pensa então que trocaria as viagens todas que fez, as velas enfunadas num vinte e tantos de abril, há tantos anos atrás, só para poder furtar-se ao beijo de sua companheira. Ah, seu Moacir, até dez da noite, no bar, sempre deixando tudo como ela queria: A perfeição tocando a porta, o torresmo sempre visível, os ovos coloridos indefectíveis, o café coado na hora.

Juro que, se pudesse, seu Moacir jogaria o lápis ao ar, bem para cima, para que dona Manú voltasse daquele limbo em que se vive, no esquecer da aurora, bem à beira de um segredo, quando se morre e se vai do mundo.

 

--Seu Moacir?
--Diga, seu doutoire...
--Tamo Junto!

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