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Infanto_Juvenil-->NINGUÉM É LIXO -- 01/01/2008 - 17:51 (Cheila Fernanda Rodrigues) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Betinha, garota de nove anos, veio com os pais para garimparem num lixão. Na verdade, esse local deveria ser apenas para armazenar o lixo, mas como é a céu aberto, atrai catadores cujo pouco sustento vem dali. Infelizmente é uma realidade bastante comum e essa família, mergulhada no desemprego, ainda não encontrara outra saída. A garota, além de ser muito franzina para a empreitada, não tinha muita prática, pois estudava, cuidava da casa (um pequeno barraco), e só acompanhava os pais nos fins de semana.

Naquela montanha de entulho, habitada por ratos, insetos e outros, com um cheiro nojento, Betinha se pôs a buscar algo que servisse a eles. Algo escorregou para suas mãos. Era uma concha linda e pensou que não levaria no carrinho dos pais, até porque não teria serventia. Seria dela. Colocou dentro de sua sacolinha de pano. Foi novamente ao trabalho e duas coisas, que de imediato não detectou o que eram, rolaram e caíram nos seus pés. Levou um susto ao ver os objetos e imediatamente colocou-os também na sacola. Sentou-se longe dos olhos dos pais, pôs seus achados no chão e começou a verificar.

De repente ouviu uma voz e se assustou. Voltou para os lados e não havia ninguém ali, muito menos os pais. Maior ainda foi o susto porque percebeu que a voz estava pertinho dela e se pôs a conversar:
_ Sabe, eu vivia no mar. Nunca nada era igual, tudo era sempre novo. Minha condução, a água, era também minha casa. Eu ia pra lá e pra cá, perto e longe. Viajei muito, até que, numa bela manhã, uma senhora que caminhava pela praia, quando me viu, ficou encantada e me levou embora. Ai que vida sem graça! Virei objeto de decoração numa estante e fiquei uma estátua. A tristeza tomou conta de mim. De vez em quando, a senhora, que nunca me disse nem um bom dia, pegava-me e encostava-me em seu ouvido porque queria ouvir o barulho do mar. Como pode?
_ E ela ouvia mesmo? _ quis saber Betinha.
_ Na verdade, você não ouve o barulho das ondas do mar. Veja, aqui por dentro de mim, há uma espécie de labirinto, isso funciona como uma caixa que concentra e amplia os sons em geral. Se tiver total silêncio, não adianta levar qualquer concha ao ouvido...
_ Oi!
_ Quem é? É você, concha? _ perguntou Betinha.
_ Não!!! Não sou a concha. Olhe aqui! Ótimo, agora está bem! Menina, eu tinha uma família maravilhosa. Vivíamos constantemente juntos. Nossa ligação era forte como pedra e isto porque eu sou uma pedra mesmo, entre tantas outras. Eu era uma das caçulas e, por meu azar, eu coube certinha na mão de uma pessoa que ficou apaixonada por mim. Dizia que eu seria sua pedra de sorte. Toda animada, ela me encaixou numa pequena fonte e vinha me ver quase toda hora. Mas logo foi se esquecendo de mim que ficava recebendo um tiquinho de água. Não sei se dei sorte ou não, porque nada mais me disse, mas para mim foi ruim, conheci a tristeza e solidão. Dia após dia, ficava mais e mais triste, sem companhia, muito menos de minha família.
_ Oh!!! – Betinha estava de queixo caído.
_ Agora eu é que me apresento, então. Eu sou uma bolsa, uma gracinha, não acha? _ Betinha não tinha mais queixo para cair e perdeu a fala _ As fibras naturais foram o material que o meu pai (o meu criador) fez. Ele caprichou muito e fiquei linda e delicada. Meu pai me explicou que meu caminho seria ficar nos braços de uma senhora que ficaria muito feliz comigo. Ela me levaria a todos os lugares onde fosse e eu haveria de gostar muito. E um belo dia, uma senhora chegou. Era jovem ainda, muito bonita, roupas elegantes e se encantou comigo e me levou no braço. Ah, que sensação boa! Todo dia nós saíamos passear. Ela estava feliz comigo, como meu pai havia dito. Porém, uma semana depois, de repente, ela me jogou sobre a cama. Abriu um pacote cheio de laços, de onde tirou uma bolsa nova. De início pensei que seríamos amigas, que ela poderia passear com as duas. Que engano! Ela jogou-me no alto de um armário embutido e eu fiquei numa escuridão profunda. E numa tristeza mais profunda ainda.

Betinha estava altamente impressionada, não falava e apenas arregalava os olhos de tanta surpresa.

_ Olá, companheiros de sacola! Que bom estar com vocês! Eu adoro movimento! Acho que é minha vez de contar um pouco de mim. Eu sou o responsável por propagar músicas. Onde eu estava, era difícil uma festa começar sem mim. Afinal um microfone faz todos ouvirem um som de qualidade. Minha vida era de pura animação. Todo tipo de música fluía através de mim. Eu já me considerava um craque, pois sabia tudo e ficava feliz. Um dia, do nada, alguém foi me pegar para cantar, mas o responsável disse que não. “Agora temos uma grande novidade”. Em desespero ouvi o que ele falou: “Está vendo isto aqui? É um novo microfone!” Fiquei doido: “Novo microfone, como? É só um fiozinho com uma espécie de botãozinho perto da boca! Deve ser brincadeira!” Mas não era; largaram-me numa caixa, completamente esquecido, afundado na maior tristeza.

Betinha pensou estar sonhando. Com a fome que estava, achou que dormira para não ouvir o ronco da barriga e sonhou isso tudo. Mas não era sonho não. Olhou bem, e os falantes objetos estavam no chão e ainda tagarelando um com o outro, sabendo mais detalhes do que aconteceu a cada um.

_ Como que vocês quatro vieram parar aqui no lixão? _ ela quis saber.
_ Eu não sei! – concha, pedra e bolsa responderam ao mesmo tempo.
_ Mas eu sei. _ falou firme o microfone. _ É que muita gente tem o costume de usar o que tem, geralmente por muito pouco tempo, enjoar e jogar fora. Assim, fomos mandados para o lixo e nós quatro viemos parar aqui no lixão. E chegamos juntos porque, coincidentemente, morávamos perto e acho que fomos jogados no mesmo dia.
_ Eu nunca que ia jogar vocês, sempre tive tão pouco e tudo que me vem é bom demais! _ diz Betinha emocionada.
_ Mas o pior você não sabe_ continua o microfone, o mais falante da turma. _ Antes de chegarmos aqui, nós ficamos tão fragilizados, perdidos de nossa própria vida, insatisfeitos e, então, a tristeza nos pegou. Ninguém pode arrancar ninguém de seu lugar e não lhe dar alternativas e ainda jogá-lo na tristeza. É um crime contra os sentimentos e isso vai corroendo por dentro. Desse jeito, viramos, literalmente, um lixo, expostos a toda sorte de coisas terríveis. Porém, Betinha, você acabou libertando todos nós.
_ Que bom! Eu gostaria de levar vocês para minha casa. Já podemos dizer que somos amigos e eu nunca vou jogar vocês.

Os quatro ficaram mudos, até mesmo o microfone.

_ E então, aceitam meu convite?
_ Eu... eu... quero dizer... _ gaguejava a concha.
Parece que ninguém encontrava o que dizer. Ainda bem que o microfone falou:
_ Querida menina, você me devolveu a vida e a alegria, mas, por isso mesmo, quero voltar para o meu lugar. Tenho impressão que as colegas parecem sentir a mesma coisa, não é?
_ Sim! – disseram as três ao mesmo tempo.
_ Sei que vou sentir a ausência de vocês, mas entendo. Vocês me deram uma lição maravilhosa e vou usar na minha vida, mesmo que eu ainda fique um tempo trabalhando no lixão, ninguém vai me transformar num lixo. Ninguém vai me paralisar na tristeza. Parece que ficamos tanto tempo juntos, parece que somos amigos desde sempre. Não estaremos fisicamente juntos, mas a nossa ligação não se partirá. Sigam o caminho de vocês! – Betinha disse essas palavras chorando.
_ Betinha, o que está fazendo sentada aí no chão, filha? Por que está chorando? Será que é porque não garimpou nada? Isso não é motivo para choro.
_ Não, pai, é só de emoção por saber que a vida é um dom maravilhoso e temos que cuidar dela, sem que ninguém nos jogue no lixo.

Pai e filha se abraçaram e voltaram ao trabalho.
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