Por que escrever?
Porque desejo ser conhecido e admirado por todos.
É triste, mas não deixa de ser a realidade,
profundamente humana:
eu simplesmente eu.
Agora, enquanto escrevo, é sempre a mesma a intenção.
Bem disse Pessoa, que era poeta,
que “o poeta é um fingidor”.
Entretanto, eu não finjo nenhuma dor,
apenas desejo fazer-me conhecido,
quer desvendando os segredos da matéria,
quer conversando com Deus fora da existência,
quer revelando a alma do homem e a minha,
quer tentando fazer-se superar a si mesmo o que sofre.
E assim caminho pela vida,
ou a vida por mim, morto antecipadamente.
O pior de tudo é que sou racionalista e pelo raciocínio destruí o racionalismo.
Onde fico? Não sei.
A imaginação talvez possa iludir-me.
Era uma noite de vento frio.
Aos lábios uma prece me veio
que dizia: Senhor, que mandas tudo,
faze com que eu tenha o que desejo,
faze-me conhecer a verdade,
revela-te na augusta presença de tua eternidade.
Deus, Deus. Estarei sendo egoísta?
Serei um farsante?
Deus, livra-me da dúvida.;
Deus, tira-me o medo.;
Deus, leva-me contigo.;
Deus, faze-me repousar no nada!
Que sou?
De onde vim?
Para onde vou?
Por que pergunto?
Jamais poderei responder.
Jamais se poderá responder.
Apenas Deus o faria,
mas Deus não sabe perguntar,
pois seu conhecimento está integrado em sua essência.
Se Deus existisse...
ter-me-ia fulminado com seus raios de fogo,
pois duvidei
e ainda não creio.
Tudo me leva a ser agnóstico,
mesmo sabendo que a inteligência é matéria
e que tudo o que possa saber é matéria,
porque os meios de conhecimento que tenho são materiais
e minha inteligência é apenas esforço da matéria para a organização dos seres que os sentidos percebem e para a equação dos problemas de subsistência.
É somente por analogia que posso libertar-me.
Deus existe apenas por analogia
e o homem, apenas por definição.
Fria era aquela noite
e torturava-me a idéia de Deus,
Sim, Deus é apenas uma idéia
e tudo deve ser encarado por esse prisma.
Na distância, ouvia-se o relinchar do cavalo que lutava pela liberdade perdida.
E as portas batiam impelidas pelo vento, a repetir o enlouquecimento de mim.
E o navio a perder-se no horizonte, levando consigo as esperanças dos que ficaram.
E o choro da criança a relembrar-me ensurdecedoramente o tempo perdido.
E eu a desfazer-me, perdendo-me no vácuo, levado pelo sopro rude da saudade, tentando buscar os valores, não sei se perdidos.
Sou poeta. Sou fingidor. Vou dormir.
19.05.58.
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