Trabalho no “Jornal da Cidade” e organizo as notas de falecimento. Mas hoje, talvez por relação até com esses óbitos que atravessam a minha mesa, meditei sobre as vítimas da primeira pácute;gina do jornal: “Dez pessoas morrem em razão de bomba no Iraque”. Li a notícia e pensei na vida destas dez criaturas ontem, quando não eram as dez noticiadas, quando simplesmente escovavam os dentes... Depois conclui: ser um padecente de uma tragédia jornalística definido por um número é como a lousa em um cácute;lculo matemácute;tico, ou melhor, qual a utilidade do negro do quadro, mesmo que haja a solução do problema?
Notas de falecimento, ao contrácute;rio, são sólidas como um mausoléu. A família repara e o morto parece cumprir sua obrigação de um jeito intacto... Vítimas da primeira pácute;gina dos jornais não... são muriçocas, voltam iguais a muriçocas, principalmente em noticiácute;rios da tevê.
Fui para o almoço e imaginei que dois dos dez mortos da manchete de hoje queriam estar entre os quinze mortos da tragédia de amanhã. Mas o dezessete de amanhã não combinariam com os índices de programação da tevê sempre repassados em números redondos.
Tal cácute;lculo me deixou sintonizado e pensei diferente: notas de falecimento são até mais do que um mausoléu, porque jamais podem ser ambíguas. Eu não quero mais complicações iguais aquela, quando quase fui demitido porque confundi o sobrenome de um finado: GOMEZ com “z” foi publicado GOMES com “s”. A família do morto não gostou.
Um dia morrerão dez ponto três pessoas em um acidente de ônibus na rodovia Dutra e assim serácute; noticiado porque três das vítimas serão crianças e o mundo digitalizado não validarácute; mais o informe de vítimas não exibidas de um modo fracionado.
Foi difícil afastar-me do inteiro.
INÍCIO DO LIVRO: "TOUROS EM COPACABANA"
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