Querida mamãe,
Escrevo para dar notícias de casa. Imagino que nem tenha dado tempo da senhora sentir saudades, a farra deve estar boa aí com Tia Zezé, que é a alegria em pessoa. Comida, sei que a senhora deve estar adorando a distância das peripécias da Rose. Já lhe vejo devorando galinha no bar da Fernanda e do Luis Carlos, saboreando o tempero da Tia Helena e das meninas. Não vou lhe pedir para trazer um bode ensopado, porque dá trabalho e a graça é comer aí na frente do boteco, tomando uma fresca. Ai, que água na boca!
Se o Guia 4 Rodas descobrisse a portinha da Helena, ia ser um Deus nos acuda.
Tá certo que sairia no Viajar Bem e Barato, mas seria por pouco tempo. A tia é esperta, logo comprava o quarteirão inteiro. Ou se mudava pro Olho Dágua, porque ia fazer fila de dobrar a rua para comer omelete de camarão, aquele mocotó de ajoelhar e a carne assada douradinha, que desmancha na boca, com a salada fresca perfumada de coentro... ai, e a farofinha na manteiga... Jesus Cristinho...
Mas escrevo para dar notícias, ia esquecendo.
Uma das cadelinhas de Lua já foi adotada, aquela mais sonsa, do rabinho com a ponta branca. Ficou a outra, danada, que está ocupando mais espaco do que um pastor alemão. Ô cachorrinha terrível. Puxou à mãe o parentesco com sapo, vive engolindo qualquer coisa que voar na sua frente. Tomou o primeiro banho hoje, continua mamando e conseguiu se tornar brincante, com a Lua. Se divertem muito. Agora mesmo tá lambendo meu pé. Tudo armação. Lambe e quando a gente gosta, se distrai, ela taca a mordida.
Eu desconfio que ela acabe ficando por aqui mesmo
Falta uma, para termos a casa das sete mulheres, com a saída da sonsinha.
Mais novidades: o jasmin manga floriu de dar gosto. Essas chuvinhas já fizeram tudo se espevitar, Brasília enverdeceu. O ipê amarelo grande já deu flor e cobriu de sementes lá perto da cerca. O irmão mais novo deu umas florzinhas agorinha, acho que de inveja do outro. Fora de hora.
Ah , a melhor noticia é o cajueiro – seu cuidado valeu, está cheinho de castanhas e acho que teremos uma boa safra. O café também floriu e descobri umas duas flores rosadas, lindas, numa das árvores que plantei depois do pé de laranja trepadeira que se esvaiu e perdeu a briga pro porta enxerto. Lotou de limão bravo e algum bicho anda se fartando por lá, deixando o chão coberto de cascas amarelinhas.
Descobri hoje que o sabiá canta o dia inteiro. De manhã, aqui pro lado da thumbérgia, mas no final da tarde vai pro fundo do quintal. Cheguei bem perto hoje, ele estava distraído cantando, nem ligou pra mim.
A goiabeira floriu também e o pé de macaúba deu um filhote.
Aquelas mangueiras do lado da cerca finalmente botaram, acho que uma é maçã ou peito de moça. A outra parece manga espada.
Mãe, vexame total – não conseguimos pegar nem um capote daquela centena que anda por aí. Depois que o pedreiro fez a armadilha, não tem milho que faça eles aparecerem, acredita? São sabidos demais. Ou mais que o pedreiro.
Hoje botei toalha embaixo e sacudi os pés de amora. Vou fazer geléia e levar pra Socorro domingo. Ela continua muito triste por causa do dente. Semana passada veio almoçar aqui, assei umas coisinhas, fiz tutu de feijão no fogão de lenha, tomamos umas cervejas. Ah, teve uma coisa: esqueci de por a peneirinha na cafeteira e ela espirrou café pela cozinha inteira, coitado do Ivã, quase morreu de susto.
Nem te conto... comi a primeira uvaia, o pé vai dar poucas, esse ano. A lichia também tá fraquinha. Mas o coqueiro ali perto do canil parece que vai segurar uns dois frutos, não tive coragem de afastar as abelhas e formiguinhas. Sinal de fungo, vai cair quase tudo.
O reboco acabou, ainda bem. Rose estava para me enlouquecer com aqueles dois marmanjos aqui, sabe? Nem fiz questão das limpezas, acabamentos, paguei, dei o serviço por feito e se foram. Nossa, só stress.
Mais noticia ruim? O pé de louro morreu, as acerolas definharam com essa seca prolongada, as laranjeiras eu vou ter de arrancar mesmo, aquele limoeiro só dá folha.
Mas olha só – nasceu um pé do jasmin estrela que a senhora me deu, no vaso da jibóia. E a muda da parreira está com três uvinhas. Tem ventado muito, a bichinha caiu e elas murcharam. Rose hoje botou água, eu fiz carinho, mas não parece que vão chegar a crescer, não. Vai ficar pra próxima.
Mãe, nem te conto – Vanilza descobriu uns containers na Asa Norte com tacos novinhos. Já consegui quase 8m2, de grátis. E comprei 4 janelas de ipê no ferro velho por uma pechincha. De novo, a Vanilza. O moço lá de Minas ligou e disse que conseguiu uns 30 postes de aroreira em bom estado, mas o frete vai ficar salgado. Não posso voltar atrás, vou ter que trazer a madeira. Tomara que esteja boa mesmo. Se não estiver, vai ser eucalipto tratado, que está pela hora de morte o preço.
Léo está bem, Cristina já voltou para o Paraná. Ele prometeu me mostrar o projeto da casa nova na terça de manhã. Estou contando os dias.
E o namorado da Fefê disse que tem muito material de construção usado, em bom estado. Domingo vou levar a geléia e aproveito para olhar.
É provável que lá pela terça a gente já tenha luz na Armação. Nossa, terça vai ser um dia legal. Água, ainda não. Tem que pegar autorização e também não achei preço que eu possa pagar.
Nem digo quanto estão pedindo para abrir um poço numa chácara. Acho que foi a onda de condomínios que encareceu tanto.
Que mais tenho pra contar? Tô com saudade da senhora. Já sabe quando volta?
Demora não que agora, com a chuva, logo tem caju madurinho, jaboticaba. Aquele pézinho de mamão perto das roseiras e do hortelã também floriu.
Ah, mas a novidade melhor – os pequizeiros da Armação estão dando... pequi. Juro. Já tem uns do tamanho de um ovo de galinha. Garnizé.
Outra novidade – cortei o cabelo bem curtinho. Nem sei que lua era, mas bateu vontade, fui lá no Alessandro e... crau. Levei até as fotos da minha viagem de março, para São Luis, eu queria o cabelo igual. Ele enfezou, eu acho, cortou ainda menor. Mas cresce.
Ah, dá notícia. E diz pra todo mundo que eu mandei um abração. Não posso ir por agora, mas se pintar promoção eu apareço aí num fim de semana, tá? Posso aproveitar para comprar sua passagem de volta?
Com amor, sua filha
Tânia
PS – fiz um faxina... guardei as dezenas de pratos, talheres, copos, taças. Agora só tem meia dúzia de cada... que coisa boa. Fica tudo limpinho, porque a gente usa, né? E seu bambuzinho da sorte está lindo, vou colocar uns dias na varanda para ficar bem verdinho pra lhe esperar.
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