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cronicas-->DON QUIXOTE DE LA MOCRÉIA -- 02/05/2016 - 23:05 (Dirceu Thomaz Rabelo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DON QUIXOTE DE LA MOCRÉIA
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Dirceu Thomaz Rabelo
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"Seu" Virgílio, sapateiro dos bons, lutou para acabar de criar sozinho, os cinco filhos homens. Tinha ficado viúvo cedo e resolveu não se casar mais. Morava na Rua do Barro de Cima e os meninos ajudavam no serviço e estudavam na pequena escola de São Domingos do Rio do Peixe. Era o que ele podia fazer por eles: dar-lhes um lar, educação, alimento, roupas e fazer o máximo para nenhum deles cair em algum vício.
Os meninos estavam indo bem. Francisco, Sebastião, Domingos, Romeu e António eram meninos normais que gostavam de pescar e tomar um banho no Rio Folheta.
Conforme foram crescendo e chegando aos 18 anos, cada um foi caçando seu rumo e só sobrou o Sebastião. Mas ele não gostava de sapataria, não; queria mesmo era fazer coisas novas, criar peças, um inventor! Mas além de inventar coisas, ele gostava da "mardita", da "marvada" da cachaça!
Seu Virgílio morreu pedindo a ele que parasse de beber, mas de nada adiantou; Sebastião, depois da morte do pai danou a beber mais e mais. Depois parava por uns tempos, mas, depois voltava e invernava, enquanto o fígado aguentasse.
Certo dia, ainda não eram 10 horas da manhã e ele já estava pra lá de Bagdá, bebaço, dando vexame perto do prédio do Conselho, construção que ficava bem em frente a Casa Paroquial e onde funcionavam as Escolas Reunidas de São Domingos do Rio do Peixe. Era ali que ele havia estudado junto com os irmãos. Nisso, chega a respeitosa e culta Dona Dolores, nossa querida e venerável Dona Dolores de Almeida e Silva, professora e diretora daquela instituição de ensino, que o encarou de cima em baixo. Sebastião tremeu na base, mas não disse nada; só esperou pelo que viria da nobre mulher.
Dona Dolores tirou de uma grande bolsa de tecido, um livro já meio surrado e lhe deu para ler, com a recomendação de que só começasse a leitura, quando estivesse são da "garapa".
Sebastião suspirou aliviado. Ali mesmo ele já começou a sarar da pinga, tamanha "a carcada" que levou da grande educadora.
Ela, com toda a sua finura e bom senso de pedagoga, simplesmente quis dizer, mas não disse; só pensou: "ao invés de encher a cara seu traste, leia um bom livro"!

Sebastião entendeu direitinho o recado da boa mestra...
Dali, ele foi pra casa e logo que melhorou, leu o tal livro num tapa, ou melhor, num tapão, pois foram dois dias com o focinho enterrado no tal livro de Dona Dolores. Nome do livro? - Don Quixote de la Mancha, do escritor espanhol Miguel de Cervantes Y Saavedra.
Fico pensando, como é que um livraço desses, uma obra prima da literatura mundial, com primeira edição em 1602 veio parar aqui em Dom Joaquim, aliás, à época, São Domingos do Rio do Peixe? Só mesmo pelas mãos da grande mestra Dona Dolores. (Uma salva de palmas para ela!)
Mas, Sebastião ficou de tal modo impressionado com a loucura de Don Quixote lutando contra as pás do moinho de vento, para defender sua amada Dulcinea Del Toposo, que trabalhou sem dormir e comer, por três dias seguidos em sua pequena oficina de consertos de tudo: Panelas, tachos, alambiques, máquinas de moer carne, o escambau! No quarto dia ele terminou o expediente mais cedo e saiu para tomar umas pingas na venda de Ataliba, quase na ponte de Tião Rita, ali perto de onde hoje fica a venda do Zé Inácio. Depois da terceira pinga, começou nele uma mudança já na porta da loja de João de Zica - onde existia o único mirante da cidade (ali ao lado do bar de Fábio Madureira) -Agarrado a um poste de braúna da rede elétrica, ele falou bem alto, para todo mundo ouvir: Agora eu não sou mais Sebastião; sou o famoso Don Quixote de La Mocréia.
Alguém perguntou: - Quem mesmo, Sebastião?
- Dom Quixote de La Mocréia! Eu sou Don Quixote de La Mocréia!!!
E virou "Quixo" para o povo, porque mineiro já adora simplificar as coisas; palavras então?
E o Quixo bebia e gritava que era Don Quixote de La Mocréia e escornava na chuva. Quando sarava do porre, bebia de novo, já na venda de Zé Fróis, ao lado da loja de João de Zica, que ficava ali, onde hoje é o "Boi Gordo" e gritava com sua voz de barítono:
- Ai que vontade de ser mulher!
E a pobre da Dona Dolores morrendo de dó dele. Ela, muito piedosa, pensava que tinha, com o livro, embaralhado a mente do pobre Sebastião, agora Quixo, ou Don Quixote de La Mocréia, como ele mesmo se autodenominava.
O Sebastião era tão inteligente e autocrítico que se colocou como o anti-herói do livro que havia lido: Mocréia - quer dizer tipo da pior estirpe, deselegante, mal ajeitado... E tudo isso, ele fazia na molecagem, mas, seriamente.
Quando ficava sem beber, além de grande profissional numa oficina de consertos, Quixo era grande cozinheiro e foi em sua casa, ainda garoto que eu experimentei pela primeira e única vez, carne de capivara; e acompanhada com ora-pro-nóbis e angu. Era um mestre na cozinha.
Contam que certa vez ele, bêbado, aprontou tanto, que um tal tenente Eugênio que era chefe do destacamento daqui de Dom Joaquim mandou um soldado prende-lo. Na manhã seguinte, o tenente mandou o soldado ir lá na cadeia velha para soltá-lo, mas a cela estava vazia e o cadeado trancado. O homem virou fantasma? Evaporou-se?
Quando chegaram à casa dele, ele estava tranquilo trabalhando na oficina e já curado do porre. O tenente perguntou-lhe como é que ele tinha saído da prisão. Ele calmamente respondeu: abrindo o cadeado e depois fechando ele de novo. O tenente fez questão de levá-lo até o xadrez para que ele repetisse a façanha e ele só com as unhas, um minúsculo canivete e dedos fortes e grandes desmanchou o cadeado antigo e sem tecnologia nenhuma. Depois montou o cadeado e foi-se embora sem esboçar um sorriso.
Quixo era um cara sério, a não ser quando bebia. Aí, queria ser mulher, era Don Quixote...
Ninguém nunca entendeu foi esse negócio do Quixo gritar que tinha vontade de ser mulher. Ele não levava jeito, tanto é que mais tarde se casou com Maria de Seu Bidinho e ainda viveu muitos anos em companhia dela. Quando dava uma recaidazinha nele, ela buscava uma dose da branquinha no Orígenes e dava pra ele. E era só. Ele a chamava de "Mãe" e com razão. Morreu antes dela, motivado pelo seu passado de bebedeiras e sempre brigando com seu moinho de ventos, em delírios que vinham de vez em quando...
Suas últimas palavras foram dirigidas à sua guardiã, protetora e esposa, Maria de Seu Bidinho:
- Obrigado por ter me entendido durante todo este tempo Maria. Você foi sempre minha mãezinha ou até mais... Você foi minha Sancho Pança!
E adormeceu o sono da morte nos braços da protetora.
Maria chorou copiosamente por muitos dias e sofreu muito a falta do amado, numa longa viuvez, mas morreu anos depois sem entender o porquê de ser chamada de Sancho Pança. Seria por causa da sua barriga acentuada? Pensava sozinha.
Qual nada! Quixo, no leito de morte prestava-lhe uma última homenagem, tratando-a de sua "fiel escudeira"...

"Agora eu sou Don Quixote de La Mocréia! Defendendo a sua Dulcinéia... Ai, que vontade de ser mulher!"
Assim foi Sebastião, ou Quixo, mais um personagem da história, da cultura de nossa Dom Joaquim.
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