Dia novo! As nuvens correm no céu impelidas pelas brisas do Outono recém-posto. Sim, porque as estações são assim meio que impostas. Se há calor, é verão puro. Se o vento corre, já é Outono. Lá acima, até o Empíreo comanda sem dúvida alguma suas forças alíseas. Se os dias correm mais curtos, é o Inverno. Difícil é definir quando será essa Primavera toda que nos prometem há anos...
Caminho nas ruas. Indivíduos vêm e vão. Melhor ir pela direita porque se o outro vem em velocidade, há risco de uma colisão frontal, tal o ensimesmamento e siso dos transeuntes. Cada qual pensa no próprio umbigo, metido numa barafunda de contas e dívidas que crise nenhuma expõe às abertas; melhor não arriscar. Com minha quase-idade avançada, eu passo ao lado dos postes, ensalsichado e escondido. Passa um bombadinho respirando feito tapir nas horas vagas. Ele só consegue ver o que acha que vê à frente. Melhor não confrontar essa multidão.
Entro na padaria e ponho o pé direito, porque se entrar com o esquerdo, sabe-se lá se sou vigiado; vão dizer que sou revisionista, vão murmurar que tenho pacto com o tinhoso, diz-que-me-diz pode falar com a boquinha torta e adolescentes podem me rasteirar. Nada disso.
Dirijo-me à moça do balcão de pães.
--Por favor!
--Sim?
--Quero dois pães franceses.
Cometi um pecado capital. Pão francês se faz na França; em tempos de Tropicália, faz-se pão é brasileiro! Ela me olha com aquele rosto vigilante, esperando, com o dedo na máquina como se fora um gatilho, que eu diga a frase correta, sem hesitação. Espera que eu fale, paciente ao extremo. Ela espera que eu fale o que ela quer ouvir. Ouvidos compridos a escutam tiquetaquear no teclado.
--...Desculpe; quero dois moreninhos, de preferência quentes!
Abre-se o sorriso no rosto dela! Parece até que o sol hesitante sai lá fora e faz pica-paus chilrearem aliviados, esquilos antes inúteis descem das árvores e melros enfiam seus biquinhos nas frutas expostas na frutaria! Finalmente, eu pedi certo, salve salve!!!
--Obrigado! Algo mais?
Olho em torno. Turvos olhos cansados observam xícaras de cafés requentados, uma velha corcunda olha de soslaio o suco que teima em sugar de canudinho, dois adolescentes vestidos patrioticamente fazem algazarra, munidos de seus livrinhos vermelhos, escoteiras estouram em risadas na mesa da frente e eu gostaria, sim, de algo mais.
Só não sei ainda o que é.