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Cartas-->O passeio socrático de Frei Beto. -- 15/06/2008 - 09:11 (Elpídio de Toledo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
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PASSEIO SOCRÁTICO
 
Por Frei Beto
 
Ao visitar em agosto a admirável obra social de Carlinhos Brown, no Candeal, em Salvador, ouvi-o contar que na infância, vivida ali na pobreza, ele não  conheceu a fome. Havia sempre um pouco de farinha, feijão, frutas e  hortaliças. "Quem trouxe a fome foi a geladeira", disse. O eletrodoméstico impôs à família a necessidade do supérfluo: refrigerantes, sorvetes, etc. A economia de mercado, centrada no lucro e não nos direitos da população, nos submete ao consumo de símbolos. O valor simbólico da mercadoria figura acima de sua utilidade. Assim, a fome a que se refere Carlinhos Brown é inelutavelmente insaciável.
É próprio do humano - e nisso também nos diferenciamos dos animais - manipular o alimento que ingere. A refeição exige preparo,criatividade, e  a  cozinha é laboratório culinário, como a mesa é missa, no sentido  litúrgico.
A ingestão de alimentos por um gato ou cachorro é um atavismo desprovido de  arte. Entre humanos, comer exige um mínimo de cerimônia: sentar à mesa coberta pela toalha, usar talheres, apresentar os pratos com esmero e, sobretudo, desfrutar da companhia de outros comensais. Trata-se de um ritual que possui rubricas indeléveis. Parece-me desumano comer de pé ou sozinho, retirando o alimento diretamente da panela.
Marx já havia se dado conta do peso da geladeira. Nos "Manuscritos econômicos e filosóficos" (1844), ele constata que "o valor que cada um possui aos olhos do outro é o valor de seus respectivos bens. Portanto, em si o homem não tem valor para nós." O capitalismo de tal modo desumaniza que já não somos apenas consumidores, somos também consumidos.
As  mercadorias que me revestem e os bens simbólicos que me cercam é que determinam meu valor social. Desprovido ou despojado deles, perco o valor, condenado ao mundo ignaro da  pobreza e à cultura da exclusão.
Para o povo maori da Nova Zelândia cada coisa, e não apenas as pessoas, tem  alma. Em comunidades tradicionais de África também se encontra essa interação matéria-espírito. Ora, se dizem a nós que um aborígene cultua uma  árvore ou pedra, um totem ou ave, com certeza faremos um olhar de desdém. Mas quantos de nós não cultuam o próprio carro, um determinado vinho guardado na adega, uma jóia?
Assim como um objeto se associa a seu dono nas comunidades tribais, na sociedade de consumo o mesmo ocorre sob a sofisticada égide da grife. Não se compra um vestido, compra-se um Gaultier; não se adquire um carro, e  sim uma Ferrari; não se bebe um vinho, mas um Château Margaux. A roupa pode  ser a mais horrorosa possível, porém se traz a assinatura de um famoso estilista a gata borralheira transforma-se em cinderela...
Somos consumidos pelas mercadorias na medida em que essa cultura neoliberal  nos faz acreditar que delas emana uma energia que nos cobre como uma  bendita  unção, a de que pertencemos ao mundo dos eleitos, dos ricos, do poder.
Pois  a avassaladora indústria do consumismo imprime aos objetos uma aura, um  espírito, que nos transfigura quando neles tocamos. E se somos privados desse privilégio, o sentimento de exclusão causa frustração, depressão, infelicidade.
Não importa que a pessoa seja imbecil. Revestida de objetos cobiçados, é alçada ao altar dos incensados pela inveja alheia. Ela se torna também objeto, confundida com seus apetrechos e tudo mais que carrega nela mas não  é ela: bens, cifrões, cargos etc.
Comércio deriva de "com mercê", com troca. Hoje as relações de consumo são desprovidas de troca, impessoais, não mais mediatizadas pelas pessoas.
Outrora, a quitanda, o boteco, a mercearia, criavam vínculos entre o vendedor e o comprador, e também constituíam o espaço das relações de  vizinhança, como ainda ocorre na feira.
Agora o supermercado suprime a presença humana. Lá está a gôndola abarrotada  de produtos sedutoramente embalados. Ali, a frustração da falta de  convívio  é compensada pelo consumo supérfluo. "Nada poderia ser maior que a  sedução" - diz Jean Baudrillard - "nem mesmo a ordem que a destrói." E a sedução ganha seu supremo canal na compra pela internet. Sem sair da cadeira o consumidor faz chegar à sua casa todos os produtos que deseja.
Vou com freqüência a livrarias de shoppings. Ao passar diante das lojas e  contemplar os veneráveis objetos de consumo, vendedores se acercam  indagando se necessito algo. "Não, obrigado. Estou apenas fazendo um passeio socrático", respondo. Olham-me intrigados. Então explico: Sócrates era um filósofo grego que viveu séculos antes de Cristo. Também gostava de passear pelas ruas comerciais de Atenas. Quando assediado por vendedores como vocês, respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz".
 

Fonte:e-mail de terceiros.
 
 
 
 
 

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