O Príncipe Encantado
No inverno, quando ia para o colégio bem cedinho, a manhã paulistana me transportava para outras terras. Então eu ficava me imaginando na Itália, de casacão, luvas e cachecol, indo para a faculdade em Florença. Lá encontrava moças e rapazes da minha idade que falavam italiano,viviam uma outra realidade. E eu queria saber como era a vida deles.
De vez em quando o frio me levava a Paris ou a Londres. Então aqueles sonhos aconteciam em francês, em inglês e chegaram até a ser “falados” em espanhol.
Confesso que no meio de tantas imagens, sempre aparecia um vulto meio nebuloso, de um rapaz. Às vezes moreno, às vezes aloirado, mas sempre de olhos claros. Eu não seria capaz de definir seu rosto, mas posso garantir que era bonito, simpático e, sobretudo, meigo. Ele estava em todas, ora me dizendo “I love you”, “je t´aime” ou “yo te quiero mucho”. E eu me emocionava. Era, na certa, o meu Príncipe Encantado...
Às vezes, essa “coisa” acontecia no colégio. Minha carteira ficava perto da janela e, se tivesse que estudar matemática,era certo: ao primeiro número complicado, parece que uma força virava meu pescoço, levando meus olhos fatalmente para o lado de fora, focando o gramado verdinho. Dois minutos depois, “ele” aparecia. Eu corria ao seu encontro e rapidinho estávamos em frente à Torre Eiffel. Passeávamos de mãos dadas às margens do Sena, admirávamos a Catedral de Notre Dame. Eu queria andar de metrô, mas nunca consegui...
Em Roma, era de lambreta que circulávamos, igualzinho num filme que eu tinha visto, “O Candelabro Italiano”. Dávamos umas voltinhas pela praça São Pedro, rodeávamos o Coliseu em alta velocidade.
Se o dia estivesse realmente frio, íamos para Londres e andávamos por ruas escuras, em meio ao fog. Nessas horas eu ficava mais perto dele. Quando estávamos bem pertinho e eu podia sentir o calor do seu rosto próximo ao meu, o sinal tocava e a voz esganiçada da freira me acordava.
Mas aquela sensação estranha ainda permanecia algum tempo comigo e me deixava feliz. Eu tinha um segredo que as outras meninas nunca iriam descobrir. Só eu sabia: o amor era uma gostosura.
Beatriz Cruz
escrito em 1994
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