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Cronicas-->Dois sustos -- 14/12/2015 - 12:29 (Luiz Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Dois sustos

Nunca tive medo de avião e, apesar dos recentes atos terroristas, ainda o considero o segundo meio de transporte mais seguro que há – o primeiro é meu carro, considerado por mim. Apesar disso, já passei por alguns sustos no ar, os dois maiores, por estranha coincidência, na mesma cidade: a belíssima Lisboa.

O primeiro ocorreu em fins de fevereiro de 1962, quando 38 estudantes de aeronáutica e eletrônica do ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica e dois professores regressávamos de uma exaustiva tournée de dois meses pela Europa para visitar indústrias e entidades de pesquisa, com essa finalidade cumprida à risca exceto aos domingos, reservado para o traslado entre países. Estivemos em Portugal, França Inglaterra, Alemanha, Bélgica (os aeronáuticos), Holanda (os eletrônicos) e Suíça. Após alguns dias em Portugal, estávamos de volta ao Brasil em um C 45 da FAB – Força Aérea Brasileira, aeronave consignada para irmos e voltarmos graças aos contatos do então Capitão Ozires Silva, nosso colega de faculdade.

Para deixar claras as ideias, lembro que o C 45 era a versão militar do avião Douglas DC4, um quadrimotor a hélice que teve importância na aviação comercial do seu tempo. Nossa viagem de ida durara três dias do Rio de Janeiro a Lisboa, assim distribuídos: sete horas de vôo até Natal, jantar na base aérea, doze horas de vôo sobre o Atlântico a 2000 m de altitude, sem pressurização, até a Ilha do Sal, pertencente a Cabo Verde, então colônia lusitana, 24 horas de descanso da tripulação na referida ilha, cuja estadia por si só merece uma crônica, mais doze horas de vôo até a capital portuguesa. A volta seria algo semelhante, com escalas em Dakar, Senegal, e Recife.

Ocorre que, durante a viagem, todos os estudantes, viajantes inexperientes, compraram coisas demais, entre novidades, roupas e lembranças. Com isso, pesadas as bagagens, havia mil quilos de excesso, o que representava 25% da carga útil do avião. O comandante exigiu que reduzíssemos esse excesso, mas negamos categoricamente e ele cedeu, com as seguintes palavras: “Tudo bem, seja o que Deus quiser...”

Fomos para a decolagem, na pista relativamente curta do aeroporto lisboeto de Portela de Sacavém, todos certamente um tanto ressabiados. O avião correu na pista, tentou uma inócua levantada de bico ao seu final e, ela acabada, seguiu em perfeita horizontal. No terrível silêncio do barulhão dos motores, pôde-se ouvir a voz trêmula e apavorada do colega Mario Rosenthal: “Maaas este avião não sobe...”. 

Eu estava sentado na janela da primeira fila, tendo o Ozires a meu lado. Olhando para fora, podia ver as cabras e as portuguesas lavando roupa poucos metros abaixo olharem para cima estupefatas, a observar, assustadas, aquele avião que passava rente a suas cabeças. Isso consumiu uma fração de minuto que pareceu um tempo muito maior. Foi então que o aparelho começou a subir lentamente, mas a minha alegria durou pouco, pois, uma curta distância à frente, podia vislumbrar uma colina que precisava ser ultrapassada. Iria dar?

O avião subia devagar e a colina se aproximava. Que torcida! Mas deu! Passamos uns cinco metros acima daquele obstáculo e pudemos ver do outro lado o Rio Tejo! Assim, o avião ganhou altura e nós escapamos dessa.

Findo o momento de tensão, o colega Ozires Silva soltou o cinto de segurança, abriu a porta e penetrou na cabine de comando. Pela porta entreaberta eu pude ver os dois sargentos de bordo se abraçando e se beijando. Quando o Ozires voltou, eu lhe disse, com toda sinceridade: “Ozires, nessa eu me caguei!” e tive, de imediato, a  resposta:  “Eu também! E o comandante também!”

O fato é que sobrevivemos a isso por duas razões. Primeira, o avião, apesar de velho, teve comportamento exemplar. Uma pequena perda de potência em qualquer dos quatro motores exigidos ao máximo ter-nos-ia sido fatal. Segunda, o comandante foi extremamente hábil, manteve a calma e não se esqueceu da fórmula teórica segundo a qual a força de sustentação é proporcional ao quadrado de velocidade. Por isso, manteve o avião tão baixo, para ganhar velocidade, e teve a habilidade de iniciar a subida no momento exato!

O segundo susto ocorreu em novembro de 1989. Eu voltava de Baghdad, Iraque, num Boeing 707 da Iraque Airways. O avião havia tido uma escala em Lárnaca, Chipre, antes de seguir para Lisboa e Rio de Janeiro. Eu estivera pela segunda vez naquela então bela cidade para participar do tradicional Festival Mirbad de poesias em língua árabe, estadias das quais pretendo falar melhor em outra crônica. Aqui lembrarei apenas que voltavam comigo, dentre os membros da delegação brasileira, os escritores Jorge Medauar e João Fagundes de Menezes, que ficaram em Lisboa, e um circunspecto cidadão árabe-brasileiro que eu apenas conhecia por Comendador. Dele sabia apenas que tinha medo quase pânico de viajar em avião.

A chegada a Lisboa foi linda. Era já noite e pudemos ver toda a cidade iluminada na manobra em direção ao pouso. Ocorre, porém, que havia uma neblina de superfície bem na região do aeroporto. O avião mergulhou confiante nessa neblina e, de repente, ouvimos um tremendo estrondo, com tudo a tremer. Não havia pousado, havia sido jogado com violência na pista. Imagino que o comandante viu a pista mas não o seu começo e preferiu essa ariscada manobra a uma preventiva arremetida. Alah nos protegeria.

O avião ricocheteou, quase caiu do aterro da pista, o que seria trágico, mas logo estancou, sendo após conduzido ao local de parada por um veículo com legenda luminosa “follow me”. Ao descer, vimos pessoas examinando o trem de pouso com lanternas, após resistir bravamente a tão violento choque.

Eu pensei que iria dormir na capital portuguesa, com os demais passageiros, por impossibilidade de prosseguir o voo, mas, três horas depois, nos chamaram para o embarque rumo ao Rio de Janeiro. A decolagem na neblina foi normal. Eu estava sentado na janela sobre a asa, tendo ao lado, no corredor, o Comendador, já acalmado do pavoroso susto que tivemos.

Após uma hora de vôo tranqüilo, já sobre o Atlântico, ouvi claramente, na asa embaixo de mim, um rangido forte e claro: Rééééc... “O que foi isso?”, perguntou, apavorado, o Comendador. Durante o segundo de tempo que decorreu entre a pergunta e a minha resposta, pensei o seguinte: “Aquela violenta porrada do pouso, de alguma forma, afetou a asa. Deve ter havido alguma fratura, mas a asa é formada por várias longarinas redundantes e as demais seguirão sustentando o avião. Entretanto, deve ter havido uma acomodação da estrutura, durante a qual produziu-se o rangido. Agora, se eu explicar isto ao Comendador, ele tem um enfarte.” E respondi “Isso não foi nada, Comendador”. Assim, seguimos tranquilo até o destino, eu com a sensação de haver salvo uma vida.

Tempo mais tarde, comentando o episódio com meu colega, amigo e engenheiro aeronáutico de projeto Ozires Silva, ele corroborou o meu raciocínio técnico.

Pedro Luiz de Oliveira Costa Neto

25/11/2015

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