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Cronicas-->Zelite vai à Praia -- 21/09/2015 - 13:18 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Dona Zelite e sua família foram à praia. Tinha lá um genro muito bondoso, tinha sua filha, seus netinhos. Um era pequenino, ainda engatinhava. O outro adorava fazer castelinhos na areia. Já o mais velho era muito perguntadeiro, cheio de inquisições e muita curiosidade. Dona Zelite tinha já avançado em anos, porém o que mudara nela fora seu jeito de falar; do tartamudeio passara à fala destravada, solta mesmo. Ela não media palavras ao falar umas verdades quando devia falar. Falava mesmo, porque emudecera a vida toda enquanto seu marido a esmagara com o palavrório prolixo que usava sempre. Ele morrera faz alguns anos, ela soltara a tramela...E tome verdade na lata.



Dona Zelite vai à praia porque nunca fora; pelo menos que se lembrasse, nunca fora a uma praia assim...Tão cheia de gentes de todos os tipos. Ali, ao lado, estava uma família supimpa e corria solto um churrascão de dar inveja nos pampas, regado a cerveja e com uma morena escultural dançando sei-lá-o-quê.



--Maria ( sua filha), o que é aquilo?
--Aquilo o quê, mamãe?
--Aquela moça ombruda dançando sei lá o quê.
--A morena? Ricardo!



Seu genro, Ricardo, já dera uma olhada, sabe como é, olho de homem parece o de certos dirigentes, um no peixe, outro na pescaria. Ricardo ajudava o menor no castelinho mas o castelão o deixara embasbacado.



--Ricardo?
--Diga, dona Zelite!
--Vai que é falseta, vira festival de mandarim!
--Mamãe!
--Que é?
--Olha as crianças!



Ela, bondosa em seu olhar, cabelos brancos de tanta experiência e com tons ainda prateados pelo sol coruscante, dá um meneio de cabeça.



Passa um policial perto. Como eles aguentam tanto calor com esta roupa pesada? Passam perto das barracas. Dona Zelite olha um deles, matreira:



--Tá podendo, hein?
--Mamãeeee!
--Ué, se uns olham umas eu não posso olhar outros? Sou velha mas de cega não tenho nada.
--Ricardo, compre um refrigerante.



O mais velho já dispara a primeira bateria de perguntas de seu repertório.



--Como eles sobrevivem? Será que suas roupas são refrigeradas por dentro? Aquela moça está bêbada? Ela dança feito um pião. E futebol, podemos jogar? Trouxe a bola, mãe? Depois joga comigo, pai?



É tanta pergunta que o pai, zonzo de calor e meio tonto de se levantar rápido, ouve um zunzum ao longe. Levanta-se e pega o mais velho para, juntos, irem comprar um refrigerante.



--Olha a água! Gente, água da serra, geladinha!
--Essa água é da serra?
--Não tomaria não, filho.
--Por quê?
--Porque não.
--Porque não não é resposta.
--Pega seu refrigerante que eu levo os outros.



O zunzum aumenta e já chega a um alarido. Ele pensa que vê um moleque meio correndo, meio driblando. Acha até que o menino tem ginga, se fosse jogador já estava no time A ou se corresse era medalhista; Não, ele apenas corre, se desvencilha,suado, de garras que se dirigem a ele. Nas mãos carrega um relógio dourado e na outra uma espécie de estilete.



--Pega, pega.
--Pega ladrão!
--Ele roubou meu relógio, pega esse bostinha!!!



O menino pula feito gazela no meio de um covil de leões. Fez a escolha errada, correu entre hostis; um e outro lhe passa uma pernada, ele dribla a primeira, a segunda mas, como sempre, é traído pela terceira. O número três nunca foi seu amigo. Ele cai, em meio a gritos de júbilo, gritos terríveis, gritos de morte.



Renato, desta vez um olho na areia, outro na caçada, tropeça com a morena escultural perto de sua barraca; a moça lhe olha com desprezo do alto de sua indestrutível carapaça.



--Otário, veja por onde anda.
--Desculpe!
--Ricaaaaardo!
--Estou indo!



Sua musa deixou de sê-la porque, de musculosa que era, lembrou-lhe a testosterona que podia ser seu mote, além de um avantajado bíceps que inibiria até Schwarzernerger. Nada disto! Ricardo ia agora a passo solto para seu abrigo, vendo primeiro a cabeleira branca da sogra, com o pescoço esticado ouvindo a gritaria; também via os olhares de alarme de Maria e acabara de ver seu filho mais velho se sentar, o que aliviara suas tensões naquele momento.



Musa à parte, todas as atenções se concentravam na caçada e em seu final. Teve pontapé bem dado, uns e outros imobilizaram o braço do finório. Jazia no chão, por baixo de uns fortões que lhe davam sopapos nas orelhas.



--Sai daí agora, malaco.
--Safado do caralho, sai debaixo, sai!
--Tióoo, na moral, tióoo!



Dona Zelite, incomodada, já proferia uma de suas sentenças:



--Ah, agora quer estar na moral.
--Mamãe!
--E não é que ele está por baixo mesmo??



Olhando um policial que passava, grita com ele.



--E o senhor, que tá podendo, não pode fazer alguma coisa?



O meganha, irado, responde na lata:



--Olha, coroa, faz o seu que eu faço o meu.
--Então vai lá e prende o bastardinho!
--Mamãe!!! Olha as crianças!
--Pai, o que é bastardinho?
--Filho, quer dizer que o moleque não é filho de...deixa pra lá.
--Vamos embora?



Dona Zelite não quer, quer é ficar e ver o circo pegar fogo. Quer reparar. Quer achincalhar, porque seu marido era bruto, era enorme e bruto. E ela odiava ter de tartamudear enquanto ele rouco dizia as mentiras mais possantes que ela ouvira; dona Zelite queria só a verdade, agora, de tanto que fora esmagada.



--Vai lá, então, meu filho! Pega o moleque porque senão ele vira churrasco de gato. Olha o tamanho dos grandões em cima dele!



O policial viu que a coisa era séria e já chegou espalhando areia!



--Circulando, circulando! Você está apreendido, moleque!



E toca mais tapa na orelha, desta vez da autoridade. Alguém precisava fazer alguma coisa!



--Tem mais é de matar esses porcarias mesmo!



Quem falara fora uma mocinha que estava ao lado da barraca da família Zelite. Dona Zelite, empertigadíssima e com os olhos cheios de fúria, voltou-se e proferiu sua sentença final:



--Sabe a diferença entre este moleque e você, filhinha de papai?
--Não!
--Oportunidade, mocinha, oportunidade.



Dali saíram, pegaram as coisas e foram almoçar em casa; dona Zelite pegou o vinho do Porto, tomou um gole e dormiu o resto da tarde, não sem antes dar um beijo nos netos.



--Vai dormir, vovó?
--Não, meu netinho. Temos todos de acordar enquanto ainda é tempo.

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