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Artigos-->Desperdício -- 02/04/2000 - 15:44 (Malva Barros Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Desperdício

Malva Barros Oliveira



Wagner não teve lá muita licença dos céus para nascer. Com menos de quinze dias de gestação, jogou a mãe numa cama de onde a pobre só conseguiu sair, depois que ele já estava gritando no mundo há mais de dez dias. Pois é, a gravidez de Wagner esteve sempre por um fio, com abortamento iminente. Ou a mãe guardava repouso ou ele já era.

E assim foi que a mãe extremosa, resolveu que seu filho nasceria, contra as determinações até do médico, que para piorar lhe receitou um medicamento abortivo. Se tivesse tomado, de Wagner não teríamos mais notícias. Parece que a própria vida estava de conluio para evitar que ele vingasse.

Contrariando tudo, suportando a alergia que seu organismo desenvolvera ao feto, vendo suas pernas entortarem de tanta cama, comendo só o arroz na água e sal, alface e lá de vez em quando algumas batatas, foi que a mãe de Wagner conseguiu vencer os oito meses e quinze dias daquela gravidez que mais parecia uma lista de pecados a pagar. Ficou a pobre mãe, só no coro e nos ossos, olhos encovados, uma tristeza!

E Wagner finalmente nasceu, de uma cesariana, na noite de um vinte e cinco de setembro do ano de um mil novecentos e setenta e cinco. Uma criaturinha linda, de cinqüenta centímetros e um quilo e novecentos gramas. Era tão lindo que nunca saiu da primeira fila do berçário durante os dez dias que ficou por lá. Enquanto isso, a mãe se recuperava, pois estava fraca demais. As enfermeiras disputavam para trocar as roupinhas dele, cada conjuntinho mais lindo que o outro.

Na hora de mamar é que a coisa pegava. Wagner não podia acordar no berçário, e quando acontecia, não ficava um só bebê dormindo. Assim que ele dava sinais de que iria acordar, uma enfermeira passava a mão naquela trouxinha de gente e corria pelo corredor, com ele já iniciando os berros que durariam o percurso inteiro. Os outros bebês iam calmamente, alojados no carrinho, sendo entregues cada um na sua vez. Mas Wagner tinha que ser diferente.

A mãe lá no quarto, antes mesmo de ouvir seus primeiros gritos, já sentia os bicos dos peitos se intumescerem, sabia que era o filho que estava com fome. E começava a fazer a higiene, pois assim que Wagner adentrava o quarto, já o colocava logo de boca no peito, para abafar os gritos, que ecoavam pelo corredor. Wagner nunca chorou quando bebê, só gritou, aquele grito de birra, de desafio. Gritava até ver sua vontade satisfeita.

Mas era uma criança sadia, cresceu rapidamente, muito inteligente, muito bonito, muito terrível. Ficou um rapagão enorme, namorador, puteiro, farrista, beberrão, indisciplinado, questionador, enrolador, trambiqueiro, oportunista, desavergonhado, aproveitador... Eram estes alguns dos “qualificativos” de Wagner.

O pai desistiu dele, acho que Deus também, pois não dá mostras de ouvir as orações intercessoras a respeito dele. A mãe demorou mais um pouco, mas acabou desistindo também, sucumbindo às evidências. Empregava todo seu esforço e seus parcos vencimentos, para tentar endireitá-lo. Pagava cursos que ele mal freqüentava, mas conseguiu que ele terminasse o segundo grau, o curso de informática e o de manutenção de micros também. Outros como de inglês, hotelaria, etc., foram deixados pela metade.

Mesmo assim Wagner se viu um designer gráfico excelente, mas sem persistência. Vários menos aquinhoados que ele, se firmavam no mercado. E Wagner não conseguia nem mesmo um emprego. Vivia de expedientes, de bicos, e a mãe se desesperava. Como é que pode, pensava, uma pessoa tão capacitada e tão sem sorte! Distribuiu dezenas de currículos e rapazes menos preparados que ele ficavam com as vagas. É como se Deus desviasse os olhos dele.

E Wagner segue sua vida. O que consegue ganhar, torra na farra. As roupas, os calçados, tudo presentes da mãe, estão se acabando e ele não repõe nada com o que consegue ganhar. Nem um único pé de meia, já que em se tratando de Wagner, falar em um par de meias, seria querer demais. A única vestimenta que ainda compra, é camisinha e mais nada.

Um colega de Wagner, lá do curso de manutenção, com o produto de seu trabalho, conseguiu compor uma senhora pasta de ferramentas. Tinha todo material próprio para realizar a manutenção de micro computadores. Ali se via um HD para preservar os arquivos dos clientes, um drive de CD, outro de disquete, uma caixa térmica contendo CD’s para instalação de programas, pequenas peças, cabos, disquetes, ferramentas, etc. Era praticamente uma CPU desmontada.

E quando a mãe de Wagner comparou com a pasta de seu filho, uma tristeza imensa invadiu sua alma. A pasta que dera a ele, tinha mal e parcamente, uma caixinha que ela mesma preparou com uns poucos CD’s para a instalação de programas, quatro disquetes, um frasco de guaraná em pó e várias camisinhas coloridas.

É assim que Wagner quer viver, farreando, e se tiver que atender a algum cliente, que seja de preferência após o almoço, porque ele precisa dormir para se recuperar. O pior é que ele acha que está certo. Que é assim que deve viver e que a mãe deve aceitar e não falar nada, para não contrariar. Ela deve ficar ali, à espera de que ele precise do dinheiro para a condução, ou até para almoçar na cidade, e quem sabe sair com alguma gata que pintar.

Wagner nunca se preocupa em ajudar nas despesas da casa, acha que todos devem viver cuidando para que as necessidades dele sejam satisfeitas, sem que ele precise nem ao menos pensar no assunto. O xampu deve ser o que ele quer, o sabonete, o papel higiênico, a comida. E de preferência que a roupa esteja sempre limpa, e bem passada e que a mãe esteja disponível e satisfeita para repor o que for perdendo o brilho.

Foi um grande desperdício, colocar uma capacidade tão grande em quem não a exercita, nem mesmo a valoriza. Acho que é por isso que ele quase não vinga, Deus que sabe de todas as coisas, antes mesmo que elas aconteçam, deve ter resolvido que ele não valeria o sacrifício da família.

Se foi assim, Ele não contou com o amor de mãe, que mesmo que soubesse que o filho seria um Wagner, meio bandido, não deixaria de sofrer o que sofreu para lhe dar a vida. O que será dele quando ela se for? O que o futuro lhe reserva? Como será sua velhice? E se adoecer, como ele cuidará de si mesmo?

São as perguntas que martelam na cabeça de sua mãe. Mas ele nem pensa nisso, pois na hora, segundo ele, sempre pinta um jeito de resolver. Será? Não sei não, as pessoas já estão cansadas dele e de suas loucuras e irresponsabilidades. Não vejo ninguém de braços estendidos para acolhê-lo. Nem a mãe, que parece que tomou jeito e começou a olhar para si mesma. Wagner me parece que ainda não compreendeu que agora, é mais um maior abandonado.







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