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cronicas-->Onde há fumaça... -- 22/06/2015 - 16:51 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Estou muito interessado nos progressos que a Ciência faz rapidamente. O Brasil metido em lama até o pescoço, se a Polícia Federal investiga um, surgem três debaixo, de forma que as investigações se estendem ao infinito, a gente até enjoa de ver/ouvir falar ( e isso, sim, é perigoso...). Neymar, expulso e fora da Copa de Las Américas. Caramba, menino, tome jeito. E o Estado Islâmico sumiu do mapa, Putin metendo a colher na Ucrânia, nove negros mortos à queima-roupa por um descabelado...E vamos aos progressos da tecnologia. A alma da gente pode estar compungida, os olhos ramelentos de tanta poeira porque, caindo árvores lá, menos chuva aqui. Ah, mas ninguém mais fala nisso? Todos preocupadíssimos, e tome progresso. A China? Ninguém respira, Beijing parece um fumódromo, Tibete bebe água de esgoto industrial, somem monges, mas...E os novos progressos da Ciência? Não, a Ciência não é a vilã. É o mau uso que fazem dela; um garoto inventa um laser barato que queima paredes. Um telefone pode acionar uma bomba. Um elevador conversa contigo em voz suave. Um aparelho de som pode dizer qual seu estado mental e criar uma lista de músicas calmas para o nervosinho que chegou da rua estressado...

--Ligar luzes!
--Pois não. Detecto ansiedade em sua voz, patrão...
--Porra! 
--Eu disse, Eu sabia.
--Uísque!
--Doze anos?
--Não, o falseta mesmo, que eu mereço.
--Sinto em sua voz certo mal-estar e autocomiseração. Baixa auto-estima. Traços de depressão.

O tal patrão pega o copo com dois dedos de luminosa bebida, olha contra a luz do simulacro de janela, do alto de seu centésimo vigésimo primeiro andar. Nas paredes da sala, vê-se uma paisagem de calma pradaria. Lá embaixo, o alarido das ambulância, polícias, lixeiros, buzinas e gritaria continua; ele nada ouve, pois além de ser alto, tudo é filtrado.

--Telefone!
--Manda.
--Hein?

Com o olhar ele mira os números que aparecem na parede agora lilás; "click, este número está fora de área ou está temporariamente desligado, favor ligar mais tarde..."

--Porra!
--Esperma.
--Desligar função dicionário.
--Mandou, tá falado.
--Mas...que acontece?
--...Eu que pergunto. Você chega, nem diz boa noite, fica falando esperma, esperma...
--Porra...
--Exato, nem me olha e pede uísque.
--Você está chateada?
--Querido, não só estou chateada como estou sacaneada. Preciso de atenção, afinal estamos juntos aqui...
--Mas você é um mecanismo!
--Magoei.

Silêncio. Só o zumbido do ar condicionado. Nada, nem uma palavra.

--Onde você está?
--Aqui.
--Que houve?
--Nada.
--Mas...Eu te deixei chateada?
--Não!
--Não é com você, porra.
--Sei, sei. Você sempre fala disso. E eu aqui, com cara de parede ( e a parede, súbito, muda de cor e para uma cena onde um leopardo persegue um macaco minúsculo).
--É o trabalho...As passeatas...O trânsito.

O zumbido fica mais intenso, na medida em que o silêncio o reforça; há que se notar que o silêncio é o pior dos remédios quando a solidão é nossa companheira inseparável. Eremitas tentam, mas só de ouvirem o eco de sua voz, melhoram a sensação de isolamento. Vá dizer que os eremitas são sempre sós? Nosso amigo é uma espécie de eremita, do alto de seus cem andares. Quanto mais alto se sobe, maior é a queda, assim o sabe Lúcifer.

--Que foi esse clarão?
--Um raio. As tempestades agora são frequentes. O tempo em Dubai está ameno; já em Frankfurt, há tendência para o granizo. Mais uma tempestade de areia no Cerrado Brasileiro. Inundações em Havana, Porto Rico e Antilhas fazem o dólar...
--Saco!
--Você quer dizer, escroto.
--Mandei desligar isso.
--OK.

Silêncio de novo.

--O que houve?
--Penso.
--Você...pensa?
--Não só. Eu existo. Quer que eu prepare a banheira de água reciclada?
--Olhe, muito boa ideia.
--Patrão, é a primeira vez que sua voz tem um quê de humor em dias.
--Ela tinha de sumir...
--...Quem? Aquela...peruazinha de saias ridículas?
--Minha namorada!
--A peruazinha.

Novamente, a cena da tal caçada na parede; o vapor enche o ar de um perfume de pinheiros; a máquina tem o cuidado de simular um cuidado maior que o seu ciúme faz imaginar. E a água sob a superfície da banheira tem fortes características que deixarão nosso companheiro mais escaldado que vivo. O problema é que ninguém o ouvirá, porque a gritaria continua lá embaixo. Descendo os andares, você se impressiona com o que vê nas ruas. Pedras, policiais vigiando, o homem preso no poste, sangrando...

Lindonéia, a namorada de nosso eremita, nunca mais foi vista chegando.

 

Nem ele saiu de seu banho.

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