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Contos-->O poder do Invisível -- 10/10/2001 - 11:21 (Marise Borges Melero de Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Provavelmelmente era verão e eu tinha uns 9 anos. Andava na garupa de meu pai, que montava seu cavalo de nome Alazão, mas que de alazão não tinha nada.
Morávamos num rancho na beira da mata, naquela fazenda de alemães recém fugidos da guerra. O carreador era estreito, a água da chuva esculpira seu leito, as carroças e o trator deram um acabamento polido à terra roxa, que agora estava seca e rachava, formando mapas estranhos.
Um sol inabalável fazia com que víssemos ondular o horizonte.
Meu pai ia num trotar leve, calado, e eu comecei a me sentir sonolenta. Ele deve ter notado e começou com suas histórias que animavam nossas vidas. Nosso lazer preferido era ouvi-lo, abandonávamos o rádio quando ele se assentava na porta do rancho à noitinha.
Sua voz grave modulava-se perfeitamente aos momentos de sua narrativa, o bom humor estava sempre presente, mas adorávamos as histórias "de medo".O suspense era perfeito e o nosso pavor legítimo, quando abaixava o volume da voz, o olhar enviesava-se, e sentíamos que algo terrivel ia acontecer.
Eu não poderia imaginar que a história daquele dia ficaria tão presente em mim, que poderia lembrá-la em detalhes cinco décadas depois. E saber cada emoção que tive, sentir novamente meu coração bater muito forte, quase a romper de encontro às costas de meu pai.
- Minha filha, disse ele, sabe que a gente tem um poder que não se explica, e que não se sabe usar direito?
Minha mudez respeitosa respondeu, e ele continuou:
- Desde rapazinho eu sei o que tenho, mas sei também que não se deve usar à torto e à direita, tem que saber a hora certa para valer.
Mudez minha, novamente.
- Não pense que você não pode aprender, é uma força que a gente tem, tão grande, mas tão grande, e que ninguém pode tirar. Nosso pensamento é a maior força nesse mundo de Deus, e foi Ele que ficou com pena da gente, e deu prá todo mundo, rico e pobre, estudado e analfabeto.
E eu vou ensinar você a usar essa força, você quer?
- Quero, sim senhor. Falei baixinho, a voz quase não saiu.
- Então veja, estamos agora perto do roçado de Compadre Gabriel, não estamos?
- Sim, pai.
- Pois bem, já se sabe que a essa hora ele está merendando, que a comadre Elóia está sentada no tôco de peroba esperando a vasilha.
- Senhor que sabe, pai, mas deve ser.
- E é. Se sabe que ele termina a merenda, entrega a vasilha a ela, que embrulha no pano, faz a trouxa e desce o carreador. Que então o Compadre
continua ali, acocorado, fazendo seu cigarro, fumando, prá só depois voltar prá enxada.
- É.
- Se sabe , também, que somos amigos, camaradas, que temos amizade de verdade, ele tendo me ajudado colher o feijão antes da chuva, eu que ajudei a erguer o rancho novo deles. Que somos gente correta, de educação e reparo, que se respeita e se faz as cortesias de sempre.
- Sei, meu pai.
- Pois então, estamos aqui nessa reta e já já vamos avistar o Compadre. Se sabe que ele vai escutar o trote do Alazão antes de olhar e conhecer a gente, então vai ficar em pé, e quando a gente passar, vai tirar o chapéu como se deve, e dar "boa-tarde, Compadre, como foi de viagem o senhor e a menina?"
- Sei de tudo, pai, onde está a história, cobrei, já impaciente.
- Acontece que vou fazer uma força com meu pensamento e o Compadre não vai ver a gente!
- Como é que pode isso, pai? Disse-o já assustada diante de tal acontecer, seria terrível!
- Eu vou fazer esse pensamento de ele não ver a gente e pronto, já estou fazendo.
Mudez e apavoramento meus. Se o Compadre não se levantasse para o cumprimento, era então porque estava brigado com a gente, e isso não era possível porque ele era a pessoa que vimos por último aqui mesmo, há dois dias, de caminho para a cidade, e nos tratou como sempre.
Continuamos no trote, eu nada via da estrada à frente mas sabia que estávamos chegando até o Compadre, passamos as três mangueiras e a caixa d agua, eu sabia que iria ver o amigo de meu pai nos próximos metros.
O casco do cavalo batia no ritmo do meu coração,e então passamos pelo Compadre acocorado , fumando, olhando para o vazio. Olhei abismada, apertei a cintura de meu pai, agora meu coração passou da medida do trote, descompassou-se, quase gritei.
Meu pai soltou uma mão da rédea e segurou minha mãozinha, fria e trêmula.
Apenas muito depois, falou comigo.
- Muito bem, se lembre então que somos mais fortes do que parece. Então riu, riu muito, desceu do cavalo e olhou para mim, avermelhou-se todo de rir.
- Só quero ver a cara do Compadre quando eu contar o acontecido!
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