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Cronicas-->Um Cliente Ilustre -- 25/02/2015 - 13:59 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Estou em meu posto, visto que esta é minha obrigação que faço com gosto e prazer. Se trabalho com o que gosto, com certeza tento fazer o meu melhor e na hora certa.

E não é que, num momento destes, me aparece um senhor assim vestido de maneira estranha, com uma espécie de túnica, sandálias de couro e um cabelo branco meio que despenteado, cacheado e de olhos assim turvos de dor?

--Boa tarde!
--Se boa fosse, estaria em outras paragens, mas cá estou.
--Maneira de falar. A tarde pode ser boa, muito embora nas tardes tenham ocorrido coisas que realmente me impressionam.
--Não estou aqui para discutir algo que aconteça de tarde.
--Então, que mal lhe pergunte, o que lhe trouxe a estas paragens?

O senhor, de olhos turvos, parece não acreditar que eu não saiba; decerto não sabe se expressar direito ou o que lhe vai na cabeça é tão imenso que ele, sem palavras, se afunda no lodaçal do silêncio.

--Algo aqui vai mal, meu caro.
--Aonde, exatamente?

Ele faz um gesto que abarca toda sua cabeça.

--Talvez não seja só de um lado?
--Não, pega-me de todos os lados. Parece-me assim que algo me fende de dentro para fora o crânio.
--Uma pressão?
--Não, a sensação soa a ferragens soltas, como se armas e escudo ribombassem dentro de minha cabeça, meu cérebro uma caixa de altissonante sonoridade metálica. Sinos, sim, um ribombar de sinos. Uma batalha de igrejas, dentro de uma cabeça tão pequena....Simplesmente não aguento.
--Não querendo ser chato, talvez de maneira algo insolente..Sinos repicam, ora pois?
--Bimbalham, repicam, o que for! De fato, sua insolência beira o inusitado. Só faça o que for capacitado a fazer, mas livra-me desta dor que me acomete a alma, esta dor que me oprime as têmporas; essas garras de chumbo que pesam feito pinças de Vulcano em meus olhos; que tal medicar-me?

Arrepios me percorreram a nuca; seria minha impressão ou cheguei a ver fogos-de-santelmo brotarem nos altos dos ventiladores que remexiam o ar açulado de calor inutilmente para cá e para lá? Não sei se também fora minha impressão, mas lá fora um certo vento emanava o característico odor que precede as tempestades.

--Raios me partam; a dor que sinto não me ultrapassa em tamanho porque ainda tenho certa nobreza, pois senão estaria aos urros...
--Deixe-me examiná-lo.

Os olhos sombrios me faiscaram, muito embora não tenha medo de certos sinais que as pessoas emitem quando muito contrariadas; fiz o que é certo, pois é assim que ensino e faço. Examinei o senhor de tal forma que não detectei ali nenhum sinal suspeito de algo mais sério que uma prosaica enxaqueca.

Ele me olhou de maneira tal que pensei ouvir talvez alguma ninfa oculta nos cantos ( talvez uma Ninfa-Dos-Cantos) dando uma pequena risadinha, como se dissesse " eu não lhe disse", ao que ele reagiu de forma ainda mais grosseira.

--Enxaqueca? 
--Sim, Migrânea. Hemicrania. Migraine. Uma cefaléia.
--Não me diga. Estou com cefaleia!
--Com certeza, mas uma cefaleia do tamanho de um elefante. Imagino seu sofrimento. De qualquer forma, vamos medicá-lo.
--Por Hades, venho aqui, a esta hora, com uma tremenda dor e você me diz que é...
--Uma enxaqueca.

Um trovão me advertiu que talvez a ironia estivesse passando dos limites, pelo menos na cabeça do garboso senhor de túnica. Pois lá veio dele o velho refrão, a que já me acostumei há anos.

--Você sabe com quem fala, moço?
--Dar-me-ia muito prazer saber seu nome.
--Sabe ler?
--Não entendo estas letras daqui. 
--Fui eu que escrevi; será que vocês, nesta maldita civilização que criaram, não aprenderam que o respeito é bom? Fui promovido de divindade máxima a um reles subalterno de outra divindade maior que a minha, de um portentoso Olimpo me sobrou um cajado e um molhe de chaves, mal pendurado em minha cintura para que eu faça entrar aqueles que se dizem eleitos...E sou nada mais que...

Ele me disse seu nome; confesso que fiquei deveras impressionado. Porém, o tempo era escasso. Ele precisava dar sua vez a outro, e mais outro, mais um outro, de maneira que lhe dei a ficha escrita em letras que lembravam o grego e o mandei à sala de medicação.

E haja raios lá fora; folhas e galhos voavam, numa súbita tempestade à qual pareciam atraídos todos os terrores, remoinhos, gorgolejos e granizos; eu pensava nos que chegavam fustigados por tais pedras de gelo e os via esfolados e assustados.

Súbito, a calma!

Como um olho de furacão, tudo silenciou e o sol se viu através de cinzentas nuvens pesadas; um facho de luz alumiava o salão pprincipal de nosso humilde hospital. Lá de dentro da sala de medicação, entrementes, emergiu uma dama de bela face, já ornada de escudo e flechas, botas de couro e elmo refulgente. Minutos depois saiu o senhor aliviado. Veio me agradecer; eu, que o imaginava longe, muito surpreso fiquei porque, do nada, ele entrou na sala espantando o outro que lá havia, um coxo que se dizia ferreiro e que fugiu espavorido. Ele, então, me agradeceu de mãos juntas.

--Não sei o que havia ali naquele medicamento, moço, mas agradeço; saiu-me de dentro aquela que tanto me oprimia.

E saiu, acompanhado de lufadas de ar fresco e pétalas feitas de nuvens, enquanto que a moça que lhe ministrara a tal milagrosa injeção saía de lá encantada:

--Bonito, ele; tão aliviado ficou que prometeu-me mundos e fundos. Deixou-me o endereço, que fica num monte não muito longe daqui...

A moça de elmo chamava um táxi. O que lhe atrapalhou muito foi o tamanho do escudo e a cara do chofer enquanto ela dizia seu rumo em um grego lento e estudado. Ia com ela o tal coxo.

Sobre minha mesa, duas cobras douradas enlaçaram-se como por encanto sobre minha caneta safada.

Milagres sempre acontecem, enfim.

 

--Próximo!

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