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Artigos-->Bergman e os rituais de passagem -- 20/07/2001 - 07:20 (Georgina Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"Ingmar Bergman , na primeira cena do “O sétimo selo”, introduz um personagem pálido como um cadáver, vestindo um manto preto de amplas mangas e com as mãos ocultas sob suas dobras. Do encontro deste personagem com uma cavaleiro resulta o seguinte diálogo:





O Cavaleiro: - Quem é você ?

A Morte: - Eu sou a Morte.

O Cavaleiro: - Veio me procurar ?

A Morte: - Tenho caminhado a seu lado há muito tempo.

O Cavaleiro: - Eu sei.

A Morte: - Está pronto ?

O Cavaleiro: - Meu corpo tem medo. Eu não.

A Morte: - Bem, não tem de que se envergonhar (...).

O Cavaleiro: - Você joga xadrez, não ? (...) Eu vi nos quadros (...). Você certamente não joga melhor do que eu (e rapidamente dispõe sobre as peças sobre um tabuleiro de xadrez). Minhas condições são as seguintes: você me deixa vivo enquanto eu resistir a você. Se eu conseguir um xeque- mate, você me poupa. De acordo ?





Ao interromperem a partida para dar prosseguimento no dia seguinte, o cavaleiro vai a uma igreja se confessar. Ali estando, questiona o padre quanto à existência de Deus e quanto ao sentido da vida, dizendo que a vida é um horror absurdo e que ninguém pode viver com a morte diante de seus olhos e sabendo que tudo é coisa nenhuma. Questiona-se também, quanto ao que fez de sua vida, dizendo que seu coração está vazio e que, por ser indiferente à humanidade, dela se afastou e se fechou num mundo de sonhos. Revela ao confessor que a Morte veio visitá-lo naquela manhã e que o prolongamento de sua vida lhe daria a oportunidade de realizar uma missão urgente. O padre diz, então, que este é o motivo de ter proposto uma partida de xadrez à Morte.

O cavaleiro, instigado pela observação do padre e animado com o desenrolar da partida, diz que seu adversário é temível, mas que ele ainda não perdeu nenhuma peça e revela a tática com que pretende prosseguir a partida a derrotar a Morte. O padre responde:





O Padre: - Eu me lembrarei disto. ( E mostra seu rosto ao cavaleiro por um instante. É a própria Morte.)

O Cavaleiro: - Você é um traidor! Mas nos reencontraremos. E eu acharei uma saída (...). Eis aqui minha mão. Eu posso movê-la, meu sangue corre em minhas veias. O Sol ainda está alto e eu, Antonius Block , jogo xadrez com a Morte."



(Zaidhaft,Sérgio. Morte e Formação Médica. Francisco Alves Editora, 1990 )



*Diálogo entre a Morte e o Cavaleiro traduzido de "Le septième sceau" – roteiro do filme realizado em 1956 . Ingmar Bergman , Oeuvres , Paris, Robert Laffont .



***********************************



Após breve leitura sobre os rituais de passagem, passei a refletir sobre a correlação entre estes e o jogo de xadrez do filme de Bergman. Do esforço da busca do primeiro emprego à perda significativa, as novas situações equivalem-se a uma grande disputa, na qual é vital a manutenção da vida. Evidentemente, isso decorre da consciência de uma realidade que até então era desconhecida ou apenas vislumbrada como algo distante. A Morte afirma que vinha ao lado do Cavaleiro há muito tempo, mas isso só passou a tornar-se uma grande aflição a partir da sua iminência.



Certa vez assisti a uma entrevista concedida por Cristiane Torloni, na qual a atriz mencionava sua ida para Portugal após a perda do filho, vítima de acidente. Segundo ela, estava sendo impossível vivenciar por aqui a sua dor, visto que os rituais de passagem estão cada vez mais coibidos. Com o intuito de auxiliar, as pessoas proferiam frases como: –“Você tem que se ajudar! ...Não adianta ficar em casa, vamos sair um pouco!...Faça um esforço!..." etc. E a atriz considerava impossível que a perda de alguém tão significativo não pudesse ser vivida, com tudo aquilo que ela viesse a representar.



A verdade é que a nossa sociedade não tem permitido a existência de uma maior densidade interior, em nome de uma crescente e valorizada postura de extroversão. Tem estado ausente o vislumbre de que as partidas de xadrez possam ser importantes, ou seja, de que a prática subjetiva exercida sobre um tabuleiro cujo fundo represente alguma transição fronteiriça seja algo fundamental. Muitas vezes os adversários somos nós mesmos, querendo abafar, ou até mesmo eliminar, a nossa ânsia por maior compreensão e sentido de vida. Como o falso padre, ainda que conhecedores de nossos desejos e propósitos mais íntimos, passamos a nos boicotar. E isso Freud explica muito bem! Mas fica para uma outra partida...









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contato: mgalbuquerque@ig.com.br















































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