Usina de Letras
Usina de Letras
214 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62152 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10448)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10339)

Erótico (13567)

Frases (50554)

Humor (20023)

Infantil (5418)

Infanto Juvenil (4750)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140785)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6176)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->7. O DIA DE DOLORES -- 30/05/2002 - 07:30 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A esposa de Fernando, como vimos, desejava contar os sonhos daquela noite às amigas (“comadres”, como o marido as tratava de si para consigo). Mas a turbulência dos acontecimentos oníricos estava fora dos padrões habituais.

Dolores refletiu bastante sobre as perseguições lúbricas e sobre sua figura no caixãozinho branco e resolveu que aqueles não seriam temas com que se divertissem. Parecia-lhe mais apropriado voltar a buscar o auxílio do analista que freqüentava, intermitentemente, há tempos. Os assédios sexuais, certamente, Freud explicaria.

Não querendo almoçar sozinha, ligou para Maria, sua companheira de bridge (esposa de Jeremias):

Dolores: — Disposta a receber mais alguém para o almoço?

Maria: — Venha que temos muito o que conversar.

Dolores: — Os pelintras estão aprontando das deles...

Maria: — Foi o que descobri em relação ao meu. Acho que está sozinho, mas me informou que iria almoçar com o seu...

Dolores: — Sem-vergonha! Ele me disse que tinha contas e balancetes atrasados.

Maria: — Pois é.

Dolores: — Precisamos tomar providências, pois o caso é sério.

Maria: — O Padre Timóteo vai almoçar amanhã aí?

Dolores: — Vai. A oportunidade será ótima para pormos tudo em pratos limpos.

Maria: — Venha almoçar que eu te conto tudo.

Dolores passou o restante da manhã preocupada. Ligou finalmente para a loja, mas Fernando tinha saído. Era quase a hora do almoço e fingiu que não tinha importância. Pediu para Joaquim que não avisasse do telefonema. Havia um toque de cumplicidade que agradou ao subalterno.

À mesa, não pôde conversar com Maria sobre o palpitante assunto. Estavam os filhos presentes. Voltavam da faculdade e sairiam para o esporte. Não atrapalhariam as conversas. Mas, durante o almoço, açambarcavam os assuntos.

Dolores gostava muito deles. Se pudesse, levaria os dois para uma temporada em casa. Eram os filhos que lhe faltaram. Não gostava do jeito que Maria tratava deles, com ar sempre desgostoso. Tinham feito algumas, por certo. Mas eram tão bonitos, tão vivazes e não davam mostras de serem viciados. Pessoas assim logo ficam macambúzias, respondonas, malcriadas. Eles partilhavam das reuniões familiares com muito boa vontade. Prometeram voltar à noite, mas não para o jantar. Haveriam de sair do clube para irem encontrar-se com os colegas. Precisavam aprestar certos trabalhos universitários...

Dolores reparou que estavam enganando a mãe. Esta, porém, parecia muito contente que não voltassem cedo. Ficaria melhor sem eles.

A sós, na sala de estar, Maria se lamuriava do casamento à amiga:

— Jeremias não quer saber de ficar em casa. Quer de volta a antiga independência. É mais livre que os filhos, de quem não cuida. E está fugindo da religião. Não bastasse o caso do terreiro, agora está indo a um centro de mesa branca.

— Santo Deus! Que quer ele com os demônios? Não bastou a raspança do reverendo?

— Aí que está! Parece que o efeito foi o contrário. Foge do padre como o diabo da cruz. Na última vez que Timóteo veio almoçar, ele não compareceu. E nem desculpa deu. Simplesmente não veio. E depois disse que esqueceu.

— Eu acho que existe alguma coisa mais...

— Existe mesmo, mas eu não me incomodo com os rabos de saia. O que não queria era a vergonha da separação depois de vinte e tantos anos. Já estou calejada com os desgostos que me deu durante todo esse tempo. Agora está se jogando diretamente nas chamas do Inferno.

— E que é que o Fernando está fazendo que não lhe chama a atenção?

— Pois eu acho que ele não sabe de nada. Faz tempo que os dois não se encontram. Eu tenho controlado as saídas de Jeremias. Sei quem é que o tem desviado do bom caminho. Sei que livros andou lendo às escondidas. Tenho os meus informantes na loja e na fábrica. E sei até que o Fernando anda meio transtornado...

— Que é que você está dizendo?

Dolores estava impressionada com os conhecimentos da amiga. Como poderia saber tanto?

— Você conhece o Joaquim, não é verdade?

— Claro! É com ele que converso quando Fernando não está...

— Pois ele está de olho no seu marido. Quando nos encontramos na saída da igreja, me dá conta do que se passou na semana. Eu queria saber se o Jeremias estava implicando o Fernando. Mas a verdade é que o seu marido tem estado atarantado. Falando e gesticulando sozinho, como se tratasse com fantasmas. Se o Padre Timóteo não achar que se trata de caso para exorcismo, vou sugerir que procuremos outro padre. O Timóteo, às vezes, me parece muito moleirão.

Maria conseguira deixar Dolores calada. Estava estupefacta. Como é que a outra sabia mais do que ela? Quanto ao mulherio de Jeremias, era coisa muito antiga. Fernando, ela tinha certeza, se sujava nas calças de medo do pecado. Disso estava segura. Depois dos disparates dos primeiros tempos, não dera mais no coro. É verdade que ela não se oferecia...

— Que pode estar acontecendo?

— Dolores, querida. Só pode ser influência dos do terreiro. Deve estar havendo perseguição, pois os dois prometeram ajudar e nada deram. Desapareceram sem agradecer e sem dar satisfação. Os espíritos das trevas (que Deus me perdoe!) devem estar atrás deles.

— Amanhã, você vai almoçar lá em casa. E vai levar o Jeremias. E os rapazes.

— O Jeremias só irá se você prometer comida sem carne. Virou vegetariano. Tem sido o maior sacrifício aqui em casa. Hoje foi almoçar comida naturalista, macrobiótica — que sei eu! Tem sido sempre assim nos últimos tempos. E é muito bom para a saúde. Perdeu quinze quilos e parece que vai emagrecer mais. Se continuar assim, vou mandar que faça exame de sangue. E se estiver com AIDS?

— Vira essa boca pra lá, mulher! Onde já se viu pensar numa coisa dessas...

— Pois dele eu posso esperar tudo.

No meio da tarde, tilintou o telefone. Maria veio com as novas:

— Fernando está no escritório, reunido com Jeremias e com João, o do centro espírita. Eu não falei que aí tem?

Daí para frente, foi um nunca acabar de queixas e confidências.

Bem de tardezinha, Dolores resolveu que contaria os sonhos, pelo menos na parte em que o marido ficava observando os monstros atacarem-na. Mas arrepiou caminho, preferindo falar do rio que subia a montanha, da mãe que chorava, do pai que lhe era indiferente. Ouviu de Maria que era bom voltar ao analista. E a conversa morreu.



Em casa, preparava-se para providenciar o jantar com as empregadas, quando chegou o marido acompanhado de Jeremias.

Não se preocupasse com a comida. Iriam ao Jóquei Clube.

Dolores não estranhou a patranha. Sabia agora de muitas coisas, mas se reservaria para falar na presença do Padre Timóteo. Ele não ia perder nada por esperar. Capadócio...

Imaginou que as amigas iriam reunir-se para o bridge. Ver novela na televisão fazia tempo que não via. Quando muito, punha uns filmes no vídeo. Mas preferia a companhia das amigas. Ficar sozinha deprimia, se bem que Fernando, nos últimos tempos, estava parando mais em casa. Transformações havia. Precisava entendê-las.

Positivo. Podia ir jogar naquela noite. Que se dane o safardana!

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui