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Erotico-->Terremoto -- 11/03/2011 - 17:48 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Eu tomava um drinque. Nada dessas coisas fortes, não sou acostumado a isto. Nunca fui nem serei: talvez minha própria conformação de caráter ou a sensibilidade de meu corpo não permitam. Houve vezes em que eu bebi e as conseqüências desastrosas nada me agradaram. A televisão ligada, preguiçosa. Suas ondas matutinas iluminavam um prato fumegante, típico das manhãs de quarta-feira. Dia de feijoada, o prato de nosso povo de ascendência africana; Nada pode ser mais delicioso que logo de manhã observar a cor da couve, a pérola negra dos grãos de feijão, o molho de cheiro acre da pimenta que cozinha línguas incautas. Um olho na televisão e outro...

--Oi!

Não, não pode ser. Sim, pode ser: ela está aqui. Bem na minha frente, as pequenas mãos que me lembram pequenas esculturas, as unhas recém-pintadas, o sorriso no rosto; cabelos em cachos, pele reluzente de satisfação ao me ver. Eu não esperava encontrá-la tão cedo!

--Carla?
--Talvez, ou uma dama misteriosa de dia...

Tive vontade de abraçá-la, ali mesmo. De sentar com ela num canto, conversar sobre as novidades que ela esculpia em pratos diferentes. Artista a mocinha, tinha um peso diferente para cada prato diferente. Uns ela dizia que eram gordos. Outros ela classificava como magros e outros, inexistentes.

--Xuxu? Água sólida. Será que existe? Tem gosto?

Seu riso, de tão gostoso, contagiava. Mas ali, tudo era só na imaginação, enquanto eu a olhava, ela de olhos fixos, solícita, com uma ponta de sorriso, conhecedora dos meus limites humilhantes ali, dona da situação. Pois sim, que mais tarde os papéis se inverteriam...

--Você me paga...
--...Mais tarde?
--Por ora, o que você recomenda?
--O prato do dia. Uma gorda, sonora e suculenta...

...Feijoada. Ah, daqueles pratos que escorrem de generosa magnificência. O paio, a lingüiça, o arroz branco e solto (alvo como seus dentes) e o molho ardido que faz qualquer olho lacrimejar. Impossível não suar abundantemente... à mínima menção de apanhar um torresmo, lá vinha seu olhar de censura. Não, decididamente, não. É uma concessão muito grande, talvez uma única porção. Fazia questão de desafiá-la em público, ela que sempre me aconselhava tanto. Talvez restos de meu espírito infantil... Eu saboreava um pedaço enorme do veneno quando ela passou por perto e num sussurro sensual, disse entre os dentes...

--Você me paga...!

Estes pequenos momentos a excitavam. Isso a fazia me olhar de modo quase ausente, como num êxtase. Eu terminava a refeição e sabia que haveria o troco depois. Sabia que tudo me seria cobrado em dobro.  Não foi uma vez só que ela me voltou as costas, num movimento apocalíptico e num revoluteio que só eu via--porque sabia o que se escondia por trás dele--e num pequeno piscar de olhos, sugeria mais do que se fazia entender, e só para mim. Muito privilégio para pouca carne, como eu dizia e ela, em um constante gingado, num bailado atroz, me dizia que ali eu pagava o desafio, era ali que eu devia me corrigir, até o suculento final, num longo beijo, na farta refeição, eu limpando os lábios, pagando a conta e ao passar por ela, por trás, num tom baixo que a arrepiava (ela me dizia depois) e dizer...

--Até mais tarde!...
--Você me paga...!  

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