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cronicas-->A Formiga -- 13/06/2014 - 19:53 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Não sei o que significa tudo isso. Veja, do ponto de vista de uma formiga, existe só um mundo para ela, que é aquele em que ela rasteja. Nesse mundo, ela existe e só essa sensação a preenche dessa certeza. A partir de quando existe a vida? A partir da matéria, da consciência? Ou seria ela uma condensação de elementos mais sutis, que existem previamente como que armazenados em algum lugar, em alguma parte que não é só a parte onde rasteja a formiga, mas algo muito maior? Para a formiga, nosso pé é apenas um obstáculo a ser vencido; ela sequer imagina que ali há um ser maior que ela, imensamente mais capacitado. Como uma partícula, ela apenas rasteja. Sobrevive pelos instintos, rasteja, obedece ao "espírito do formigueiro"; morre se for preciso para defender aquilo que nem por direito é seu.

Assim somos nós: Apenas raspamos com nossos dedos a superfície da Terra; apenas tocamos os nós infinitos da sabedoria que se nos escapa. Do ponto de vista do cosmo, somos formigas. E podemos rastejar até onde quisermos, topando com obstáculos que não nos parecem ser nada mais do que intransponíveis. Tenho a impressão de que somos observados, assim como observo com a lente a formiga que, com seus olhos multifacetados olha a lente e não registra seu significado e nem a chama que produz o sol que a atormenta. O problema do ser humano é que ele se acha muito mais que a formiga. Não vou negar os progressos, a fantástica determinação do homem que o faz chegar até a lua. O que nos faz formigas rastejantes é essa pobre perspectiva de que, num instante, tudo se apaga. Oitenta anos perante um multiverso? Um brilho, nada mais, como a lente que, concentrando a chama num ponto, ameaça a pobre formiga que larga sua folha, pressentindo talvez que aquele calor é bem mais do que um obstáculo.

Vocês talvez me achem cruel, submetendo a formiga a essa tortura e como um deus incorpóreo tendo todo esse poder sobre esse ser desprezível, inerme e talvez frágil. Mas não vou fazer o óbvio, que é o que todos vocês pensam. Como sou benévolo, poupo-a a pedidos, livro-a do mal e ela pode carregar sua folha, não sem antes olhar para trás e com seus minúsculos olhos, fitar o que poderia ter sido o seu fim numa abrasadora tarde de janeiro. Não, não o fiz. Embora ache que nós sejamos piores que formigas, porque submetemos a esses terrores semelhantes a nós, com muito mais maldade e refino. E isso não nos aproxima um pouco da divindade que nos olha, ou apenas nos vê sem nos olhar, ou apenas se ri de nossa cultura toda e com um dedo, espanta nossa vitalidade.


Talvez as formigas devessem sorrir então diante de tanto peso que carregam; elas não reclamam de sobretrabalho,nem tentam o suicídio por falta dele. As formigas apenas labutam de sol a sol, o mesmo que se transforma em nuvens geladas nos dias em que a geada banha os campos de um véu branco, onde elas repousam sob a terra, perto dos túmulos e das raízes de plantas vindouras ou de tubérculos que um dia serão flores abertas. Digo, talvez, porque elas também sofrem nos dias de hoje, encapsuladas em seus infindáveis corredores escuros e de ar viciado, elas também se comprimem como habitantes do Abismo. Se há algo parecido ao inferno de Dante, talvez seja a imagem de seus formigueiros cheios de folhas mofadas, fungos fosforescentes e soldados espicaçando os preguiçosos.

Digo novamente, do mundo delas, digo delas somente, o que há conosco que não difere de seus túneis erráticos? O que procuramos em vida que elas já não conheçam em sua plena escuridão perfeita? Seremos nós as formigas mais evoluídas, oito bilhões de humanos desejos, miríades de redes neurais, milhões fumando crack e alguns milhares de pensamentos soltos? Ah, do ponto de vista de uma tal divindade, risíveis são nossos esforços, mecânicas nossas vertigens, medíocres nossas bravatas contra a morte vindoura. Apenas sentimos o bafejo da felicidade, bate alguém à nossa porta: É Ela, a desalmada. A falange de sonos. O Medo.

 

Disso, dessa pele toda que se nos desapega, salvam-nos os músicos, os artistas e os poetas. Eles nos recitam em sonhos a dimensão mais elevada, infinitamente bela, que é a nossa vertigem. Com essa lente, enfim, deixo a vocês a herança, a ciência e o compasso da espera. Que esse pedaço de vidro refaça em cores o mundo, do micro ao macro. Do infinitamente pequeno ao absurdamente cósmico!

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