Não sou dessas pipas trabalhadas, enormes e bonitas. Não tenho em meu corpo as varetas de bambu, orgulho de qualquer pipa que se preze. Também não sou feita daqueles papéis finos e coloridos que encontramos por aí. Ao contrário das rabiolas festivas por tamanho e coloração, possuo um pequeno rabicho feito da sobra de uma folha de caderno, recortada para fazer meu corpo.
O nome do meu criador é Paulinho, pois escutei durante uma conversa com seu irmão Miguel. Ele resolveu me deixar mais forte e pronta para receber mais vento ao espetar em meu rosto uma palha de piaçaba. Doeu um pouquinho, mas a vontade de ir passear por aquele céu azul com certeza é maior do que a dor. Agora alguns furinhos foram feitos no centro do meu rosto para passar a linha que vai permitir a ele o total controle dos meus movimentos. Ele está falando com José um outro menino, que o nome dessa linha é cabresto. Puxa que nome feio! Começo a me sentir um cavalo!
Mas agora estou pronta para o meu primeiro vôo. Escutei ele falar que vai amarrar uma linha no tal cabresto para me colocar no alto. Deve ser no céu! Tomara!
Bem eu já estou sentindo um vento soprando o meu rosto e começo a balançar meu corpo. Paulinho sai correndo e me puxa! Opa! O que está acontecendo? Paulinho está ficando pequeno e as coisas estão diminuindo. Que nada, sou eu que estou me afastando dele. E esse vento forte em meu rosto! E esse céu azul! Que gostoso! Puxa! Como as coisas são bonitas vistas aqui de cima. Dá pra ver a casa toda, as ruas e árvores e até as crianças com outras pipas.
Os passarinhos passam bem perto de mim e agora eu já consigo ver mais de perto as outras pipas. Elas são muito bonitas! Mas o que elas estão fazendo?
Ai! Que dor é essa? Por que estou com o rabicho mais curto?
Ah! Foi com certeza algum menino malvado que com a linha de outra pipa cortou um pedaço meu. Que coisa feia e mais sem graça já que somos todas irmãs por que ficar nos empurrando umas contra as outras e nos machucando?
Percebo agora algumas das minhas irmãs presas e abandonadas em árvores, fios, postes e nos telhados das casas. Isso é muita ruindade.
Bom mesmo é ficar rebolando aqui em cima e vendo esse mundão bonito. Tenho também alguns parentes distantes como meu tio papagaio e a minha prima arraia. Claro que alguns são bem mais ricos e coloridos e participam até de festivais, e seus donos não gostam de brigas aqui no céu.
Ah! Agora Paulinho me faz quase ir ao chão com um gesto que ele chama de debicar. Novamente subo, rápida como um foguete e de novo ao chão e de volta ao céu. É uma sensação maravilhosa! E esse vento!
Puxa o que aconteceu? Estou caindo!
Estou indo para muito longe.
Foi outro menino mau que cortou a linha que o Paulinho segurava.
- Pauliiiiiiiiiinnnnnnnhhhhhhoooooo!
- Socorro!
Ele não me escutou e eu acho que vou cair naquele telhado. Aí vem uma árvore, vou me agarrar nela. Ai! Acho que cortei meu rosto nesses galhos. Será que vou ficar aqui o resto da minha vida?
Por que esta árvore está balançando se não há vento?
Olha só! É o Paulinho! Ele está subindo na árvore e vem me pegar! Puxa, vou para casa de novo e ele está muito satisfeito. Diz que vai me consertar.
Amanhã voarei de novo depois que ele voltar da escola.
