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Cronicas-->RIO DE JANEIRO ( 1980 ) -- 26/05/2001 - 13:33 (Gabriel de Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ONDE SE FALA DO PAPA E DE VINICIUS ...

Na praia de Copacabana, o vendedor de sorvetes, correndo pela areia, deixa de lançar seu pregão. A voz rouca, ecoa estranhamente por entre corpos bronzeados, estendidos languidamente, ao sol doce-quente do Inverno carioca : « O Brasil inteiro está de luto ! Morreu o poeta Vinicius de Moraes! » - Assim me chegou a notícia da morte do inesquecível e fabuloso Vinicius, ocorrida duas horas antes. Triste recordação de umas curtas férias no Rio de Janeiro que, curiosamente, haviam começado também com outro acontecimento notável : - a visita do Papa.
Durante dias, nos vários canais de televisão, na rádio e nos jornais, ouviu-se falar dos trabalhadores, dos seus problemas e da sua força; dos oprimidos e da necessidade de acabar com a opressão; dos índios e do genocídio que os vai extinguindo («O Brasil não foi descoberto, foi conquistado. Nós já cá estávamos»); dos favelados e da necessidade de habitações condignas.
Visita histórica e necessária, pois o povo brasileiro pareceu-me imensamente crente, crente em tudo, desde religiões a espiritismo, passando por todos os seus derivados. Talvez não acredite por enquanto em si próprio, mas esse tempo virá e a igreja progressista brasileira parece estar do lado certo, do lado dos oprimidos. É pena que não seja assim em todas as latitudes ...
Porém não nos iludamos. Aquilo não será sempre assim ... Refiro-me à liberdade de expressão. O Papa com a sua visita, fez o milagre ... Milagre decerto incómodo para os «senhores» lá do sítio. Algumas observações, embora apressadas, parecem prová-lo:
- Tendo perguntado numa banca, qual era o jornal progressista que se vendia mais, o «cara» olhou-me com ar desconfiado mas sempre foi dizendo : -«aqueles (e apontou) são os mais apreendidos». Elucidativo ?
- No dia seguinte, chegou-me às mãos uma circular não assinada e deixada por mãos misteriosas nas bancas dos jornais : «Senhor jornaleiro, talvez sem saber, vem colaborando para o aumento da propaganda comunista em nosso País, vendendo algum, ou até mesmo todos os jornais abaixo relacionados. Para o bem da nossa Pátria, exigimos que o senhor, e seus colegas, parem de vender os seguintes jornais : (segue lista de 11 títulos). Certos da sua colaboração, desde já agradecemos; caso contrário, seremos obrigados a tomar atitudes drásticas». Abertura ?
- Li no «Pasquim», órgão oposicionista : «De agora em diante, vai ser difícil apreender-nos. Todas as nossas matérias começarão assim : Como dizia João Paulo II ...». Censura ?
- Insolitamente, a visita do Papa transformou-se numa lufada revolucionária que varreu todo o Brasil. Esperança ?

Mas voltemos a Vinicius que, a seu modo, também optou pelo lado certo, pela defesa da Liberdade e dos Oprimidos. Quando lhe perguntaram um dia se era feliz, teve esta resposta lapidar : «Se me pergunta se sou feliz com a minha mulher digo de imediato que sim, muito. Mas se me pergunta sobre a minha felicidade como ser humano , a resposta é negativa. Como se pode ser feliz numa sociedade tão injusta ?».
Vinicius expirou após uma hora de esforços desesperados para arranjar um médico e uma ambulància. Quando esta última chegou, o coração de Vinicius parara há 10 minutos. Dez horas mais tarde, o seu corpo descia à sepultura, enquanto os acompanhantes entoavam em sua homenagem a «Garota de Ipanema» e «Está chegando a hora». Tudo se passou muito rápido. Demasiado rápido. Num abrir e fechar de olhos, o Mundo ficara mais pobre. À noite, em Ipanema, paradoxalmente sentia-se ainda mais viva a sua presença. No barzito, onde Vinicius se costumava reunir com a roda de amigos para construir os poemas e as letras das suas canções, podia ver-se uma vela a arder numa mesa abandonada ...Não muito longe, o letreiro de um outro bar - o seu - vinha lembrar-nos que ele decerto não temia a morte. Ironicamente o baptizara : Bar Cirrose ... Só morrem verdadeiramente, no entanto, aqueles que são esquecidos. Vinicius não o será.
Mal regresso a Lisboa, releio um dos seus livros e dou comigo a soletrar, letra a letra, sílaba a sílaba, verso a verso, um dos seus poemas. Será um poema já por demais conhecido, mas é sempre útil relê-lo; será sempre útil ver como se pode transformar «Em operário construído», o operário em construção . Saravah Vinicius de Moraes !


(Julho de 1980)
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