Quase quase nos sessenta, estou lendo um comunicado recebido do Detran.SP, ensinando a renovar a ce ene agá, a carta mesmo, aquela que vale como identidade também. Ela vence três dias depois do meu aniversário, ou niver, como dito por aí. Segundo o formulário, é a coisa mais fácil do mundo. Só acessar, agendar, imprimir o protocolo gerado, comparecer; é, presença é requisito. São quatro itens e sete pontos a serem atendidos. Que bom que vão me ajudar, mas pelo tempo que tenho de carteira de habilitação, já poderia ser remido. O que impede, talvez, é que nunca aprendemos a dirigir de fato, temos só o direito, renovável.
Domingo passado, saí do shopping, onde almocei e distraído estava, quando fui chamado de Zé Ruela. Olha que dois ou três segundos de distração, querendo mostrar a fachada pro Guilherme, senti uma alteração da Edna. Não ouvi, senti a tempo de parar e perceber outro carro, quase nos batendo. Ele desviou, olhou feio e soltou o seu... seu Zé Ruela. Quis ir atrás dele, mas fui impedido. Nos dias de hoje, altercações de rua não acabam bem. Quem sabe, em meu subconsciente, eu não quisesse apenas exercer o meu novo status, de quase idoso, dizendo para o elemento nervoso. Poderia, ao menos, me xingar de Seu José Ruela...
Aliás, o trânsito já me fez xingar e ser xingado, dúzias, arrobas, dezenas, centenas, por que não dizer milhares de vezes. É seu daqui, filha dali, vai e vai também, vá você, palhaço e outros dizeres, politicamente corretos e incorretos, fora o buzinaço todo. Sempre me pergunto pra que, porém assim vai. A meu favor, nunca parei brigar ou desci do carro, no máximo umas fechadas. Uma engraçada é que o cara entrou tão inadvertidamente na minha frente, que tive de buzinar um pam pam. Ele, respondendo, pam pam ra pam. Eu acompanhei e deu até samba: pam, pam; pamrapam, pamrapam, pam pam pam ra pam. Restou que paramos, nos apresentamos, só risadas e fomos felizes embora.
Querem saber o significado de Zé Ruela: pessoa sem ação, incapaz, o mesmo que bunda mole. No Dicionário Informal, são dez as versões, fora os sinônimos e relacionadas – cagão, prego, mané, pateta, abestado, inútil, lerdo, bocó, chinelão, sem noção e muitos outros. Gostei mais desta: “Apesar de tudo, geralmente os zé ruela são gente boa, mas dá nos nervos”. Até amanhã, eu escolho a que melhor se adapta comigo, acho que ficarei com essa última mesmo, afinal sou gente boa e dou nos nervos.
Mais eu queria era falar dos sessenta e menos no tema carta e trânsito, ainda posso me lembrar de como tudo começou, no mesmo banco do cara-chato, com meu pai e acelerando o acelerador. Depois, só girando a direção e dando uma volta pelo quarteirão, coisa errada do Seu Jairo pai. O certo é que ele me ensinou a direção e todo o mais, das ruas nunca disse dos disse-que-me-disses. Aprendi por que quis, até agora, próximo de me tornar Seu Jairo filho.
Por falar na renovação, preciso terminar esta, neste domingo, treze de quatro de quatorze, chamar a Edna e andar o passo a passo indicado, pé por pé, tintim por tintim, pois tenho cinquenta e cinco dias para tanto, porém levarei mais de um ano, pois começo aos cinquenta e nove, só terminando aos, ou já nos sessenta.
Como eu não fui atrás do sujeito, concordei tacitamente em ser zé ruela, com a adaptação acima, a ser escolhida até amanhã. No trânsito de hoje, parece não ter como não ser e a melhor opção é ficar quietinho no seu canto, bem cagão, que não tá fácil não; quanto carro e quanta falta de ruas e estradas. Mais Sessenta Quase, quase e falando sério, quero ainda escrever Cem Quase, precisando renovar a carta. Dona Edna leu e disse que não foi bem tacitamente a minha concordância, fiquei locão, subi na calçada, até gritão. Estou precisando de fósforo, dizem que faz bem pra memória...