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Contos-->Um dia na cidade. -- 03/10/2001 - 13:36 (Alexandre Grolla Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
UM DIA NA CIDADE

Mesmo sem querer, ela abre os olhos. Apesar do frio, raios de sol penetram pelas frestas entre as tábuas, juntamente com o vento frio e o barulho ensurdecedor dos carros que passam pela avenida.
Ela pensa em levantar da cama, mas percebe que esta no chão e joga para o lado o imenso papelão que servia-lhe de cobertor. Ao colocar a mão sobre o corpo, nota que suas roupas estão úmidas, porém não se preocupa com isso pois, por várias vezes, já acordara molhada por causa da chuva que escorre pelo chão do barracão.
Do seu lado outra pessoa ainda dorme, totalmente coberta por um cobertor marrom. Próximo a essa pessoa há uma bolsa jeans suja e, projetando-se para fora da bolsa, ela vê um espelho que deve ter pertencido ao retrovisor de um carro. Sorrateiramente, ela apanha o objeto e olha a sua imagem na superfície espelhada. Todavia, o que sua mente distorcida vê não são as pelancas que caem de seu rosto, ou os dentes que faltam em sua boca, ou os cabelos sebosos e sujos. A imagem que ela vê neste momento é a de uma mulher bonita, com cabelos loiros e longos, olhos verdes e batom vermelho, realçando lábios carnudos. Satisfeita com o reflexo imaginário, ela devolve o objeto ao seu companheiro de quarto desconhecido e caminha em direção à porta do barracão, ignorando o fedor de lixo e o cheiro insuportável de urina que impregna o aposento.
Ao empurrar a porta do barracão, uma terrível dor a faz cair de joelhos no chão, uma sensação de queimação no estômago, como se alguma coisa estivesse rasgando-lhe de dentro para fora. Suas mãos tremem e o mundo ao seu redor começa a girar. De repente, assim como começou, a dor desaparece e ela consegue continuar a andar.
Ela tenta se lembrar da última vez que comeu... três dias, uma semana. Que diferença faz. Tenta se lembrar de seu nome, sua idade, de como foi parar naquele barraco debaixo da ponte, mas também não consegue.
Depois de muito andar, ela para em frente de uma barraca de frutas. Então, sem pensar nas conseqüências, apanha uma maçã e dá uma mordida. De trás da barraca, um homem gordo avança em sua direção com uma vassoura na mão, gritando coisas que ela não consegue entender. O gordo levanta a vassoura no ar e acerta-lhe um violento golpe na cabeça, fazendo-a cair de costas no chão e soltar a maçã que rola até o meio-fio. Várias pessoas se aproximam para segurar o homem gordo. Uma mulher diz para ela ir embora o mais rápido possível. Levantando-se com dificuldade, ela apanha a maçã, agora molhada pela água suja do córrego, e continua sua caminhada.
Um filete de sangue escorre em sua testa, mas ela finge não perceber. Ao passar perto de um prédio abandonado, ela vê duas crianças sentadas próximas de uma árvore. São duas meninas, agarradas uma na outra, tremendo por causa do vento frio. Lembranças desconexas começam a aparecer na sua mente, flashes de memórias de uma outra pessoa, de uma outra vida. Dois meninos correndo na grama, um homem ao seu lado, que ela ama muito, o vento levantando folhas secas. Os meninos crescidos, um deles, o maior, levado a força pela polícia que carrega vários sacos plásticos com pó branco dentro. O outro saindo de casa com uma mochila, deixando-a sozinha com o homem. O homem pálido, deitado em um lugar frio, cheiro de flores misturado com algum produto químico, ela chorando ao seu lado segurando-lhe a mão sem vida...
Um grito histérico e prolongado sai de sua garganta, seus olhos enchem-se de água. Na rua, uma mulher que passava ao seu lado, aperta a bolsa contra o peito e apressa o passo. Um office-boy com uma pasta verde debaixo do braço, aponta para ela e ri. Do outro lado da rua, um policial que está de pé em frente a sua viatura, finge não notar sua existência. As meninas apenas olham assustadas. Ela chega perto delas, entrega-lhes a maçã e continua caminhando.
Ela está andando pelo acostamento de uma grande avenida quando a dor volta, só que desta vez muito mais forte. A tontura a faz cair de cara no asfalto. Sente-se tão fraca que não consegue mover um músculo. Neste momento, ela escuta um helicóptero passar por cima de sua cabeça, tenta olhar para cima mas consegue apenas ver uma intensa luz branca vinda do céu que parece envolver seu corpo inteiro.

De dentro do helicóptero, o assistente do câmera de uma famosa rede de televisão relembra sua última reportagem; um caminhão que colidiu com um ônibus. Havia muito sangue e sofrimento , várias pessoas haviam ficado presas nas ferragens. “Mas afinal, pensa ele, é isso que dá audiência e, apesar de tudo, eu gosto de meu trabalho”.
Ao olhar pela janela do helicóptero, ele vê uma velha vestida com trapos cambalear e cair no acostamento da avenida. Não dá muita atenção e nem se preocupa em comentar com seus companheiros de trabalho. “Afinal, um mendigo a mais ou a menos, que diferença faz?”.
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