Quando um filho se mostra terno para com sua mãe ou dela fala com ternura, já sobe às alturas na escala de meu conceito. Talvez porque tive a sorte de ter convivido gostosamente, mesmo que por cinco anos apenas, com a melhor mãe do mundo _ a minha _ vejo a figura materna com tamanha benevolência que não compreendo como pode haver filhos tão desnaturados que só se lembram de homenagear a sua no segundo domingo de maio, e porque a cultura assim impôs. Talvez minha admiração por essa figura se tenha estabelecido nem tanto pela convivência feliz que tive com a minha, mas pela falta que ela me fez ou faz até hoje. Mas isso não importa. Importa que tive a sorte de crescer acreditando que existe no mundo um amor comparável, de alguma forma, com aquele que as Escrituras definem como o amor especial de Deus para com a humanidade. A mãe, é verdade, ama muitas coisas durante sua existência, mas ao filho ama mais, sempre mais, a ponto de, se necessário, dar a própria vida em prol da dele.
Talvez a evocação do condicional acima (se necessário) seja injusta para com elas, das mais dondocas às mais escravas, visto que, por um ângulo mais equilibrado, dar a vida em prol do outro não é um fato que só ocorre num momento único, não reiterável, como de uma enunciação (na visão benvenistiana). Amiúde, a mãe mata-se a cada dia um pouquinho, a fim de que os filhos se estabeleçam. Se estes ponderassem que uma dor de dente, uma enxaqueca, um mal-estar momentâneo _ tão incomôdos, tão desagradáveis _ são segundos se considerados os vários dias (meses) em que a mãe, grávida, padece as agonias próprias da regra que mantém a renovação dos humanos, decerto seriam menos indiferentes à necessidade de compreensão que elas têm quando parecem umas chatas querendo aconselhar, orientar, superproteger as crias que tanto enfado sublimado lhes custou. Pense-se na hora D, quando delas as entranhas parecem dilacerar-se a fim de que eles “partam” do aconchego uterino para o inusitado! Essa dor medonha refletiria a dificuldade que elas sempre terão para separa-se deles, mesmo quando adultos e experimentados na vivência cotidiana? E os seios doloridos (de algumas, os mamilos quase a sangrar) durante o início da amamentação, chegando a extrair lágrimas de muitas? E o corre-corre do dia-a-dia para vê-los crescer saudáveis, felizes e preparados para os embates da vida, quando muitas sacrificam sua vaidade de mulher? E as noites mal-dormidas quando eles adoecem? E quando não há o apoio de um pai provedor para ajudar na alimentação e na criação deles? E as preocupações com os perigos do mundo, quando eles crescem?
Sei: há mães e mães, como há filhos e filhos! Assim como há filho que já se sentiu preterido pela sua, nem toda mãe foi investida da completude dessa armadura que a faria singular; mas suspeitar os motivos de um e de outro aqui não cabe.
Talvez esse texto pareça um apelo patético de uma mãe em favor de outras mães. Talvez seja mesmo isso, se considerarmos que o escritor é um tipo de performer para o seu parceiro (o leitor). Mas não sou mãe nem falo com a autoridade do lugar próprio dela: ela certamente falaria de outro modo e outras coisas, muito mais agradáveis, provavelmente tematizando e exaltando o(a) filho(a) e não a si mesma. Falo mais precisamente do lugar de um(a) filho(a) grato(a). Todavia, sendo mulher, penso saber também interpretar ângulos da complexa maternidade. Talvez se tivesse a minha até hoje, esse texto, que homenageia essa figura, nem fosse por mim escrito, ou o fosse em outro gênero ou em outro tom, noutro suporte. Fato é que, como é maio _ mês das mães _, outro alguém aqui seria compungido ou solicitado a discorrer sobre elas, mesmo um filho desnaturado ou ausente. E por que não aqueles que partilham desse sentimento tão humano quanto a consciência que pensamos ter de nós mesmos?
Então, por falar em mãe, talvez seja esse um momento oportuno de você, leitor(a), pensar e também escrever sobre sua relação com essa figura mágica e chata, com todo o respeito e carinho que ela merece, é claro!