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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->4. MEDITAÇÕES -- 27/05/2002 - 06:33 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Fernando não queria ceder às evidências. Estava, inevitavelmente, envolvido em problemas cuja natureza desconhecia, mas tinha medo de consultar quem pudesse decifrar-lhe os mistérios.

Repetia, inconsciente, como aquela musiquinha que fica a martelar o ouvido: “Que João, que nada! Que João, que nada!”

Duas ou três vezes fez menção de pegar o telefone. Será que estaria disponível o contador de Jeremias? Mas firmou a idéia em que deveria obter outras confirmações de que as visões eram positivamente provocadas pelas pessoas de que se recordava em vida.

Lembrou-se da mãezinha querida. E se ela lhe aparecesse e lhe dissesse o que fazer? Seguiria a recomendação ou julgaria artes do demo? Precisaria saber que conselhos daria esse espírito. Espírito ou fantasma? Ou reprodução enganosa de imagens, para aluciná-lo, para enlouquecê-lo?

Se firmasse o pensamento, seria atendido em sua vontade? Pelo menos, começava a habituar-se com os fenômenos. Se tivesse certeza de ter visto mesmo o amigo Roque no restaurante, teria sobressaltado? Por que essa reação tão violenta, quando nada parecia estar ameaçando-o, a não ser psicologicamente?

Olhou para a rua, pela vitrina em frente. Havia uma senhora observando o interior da loja de louças sanitárias e quejandos. Que estranha criatura! Se não estivesse produzindo longa sombra no interior do estabelecimento, diria que era um fantasma.

A mulher demonstrou estar reconhecendo-o e lhe fez leve aceno com a mão. Parecia querer conversar.

Fernando tinha a sensação de ter visto aquele semblante alhures. Onde? Era imagem fugidia na memória.

Atencioso, dirigiu-se para a porta, fazendo gestos para que a pessoa adentrasse. Que viesse conversar. Não era preciso comprar nada.

Quando chegou à porta, num momento em que a figura lhe ficou distante dos olhos pela interposição do batente e da coluna da parede, já não viu mais ninguém.

Um dos balconistas estranhou que o patrão estivesse convidando alguém a entrar, não havendo ninguém lá fora.

Fernando não reparou estar sendo seguido. Apenas deu com os calcanhares e retornou para sua mesa, no fundo do salão. Sabia que tivera outra daquelas visões. Mas quis confirmação:

— Ó Joaquim, por que não atendeu à senhora?

O coitado, chamado à atenção na frente dos demais, não quis contrariar:

— Quando vi que o Senhor ia atender, fiquei na minha...

— É freguesa? Eu nunca a vi por aqui.

— Eu também não, não Senhor.

Fernando não percebeu a oportuna mentira do empregado e julgou estar tendo alucinações até com a realidade. Diabos, o que não entendia é para onde teria ido a mulher.

Voltou a pensar na mãe. Aquela senhora tinha alguns traços dela. Filho temporão, mal conviveu com a genitora durante doze anos. Lembrava-se dela com tristezas de púbere. E com saudades de enteado, que o pai se casou logo depois que enviuvou. Aliás, a madrasta também se fora, pouco tempo atrás.

Guardaram-se todas as fotografias e os álbuns ficaram esquecidos. Em casa, procuraria as fotos. Gostaria de reconhecer a mãe na figura que lhe aparecera. Mas, se era de carne e osso... Não foi assim que o Joaquim fizera crer?

Pensou em enganar o balconista, dizendo que fingira estar vendo gente. Mas isso não teria sentido, reconheceu bem a tempo de cair em descrédito. E se não houvesse e o Joaquim estivesse realmente mentindo? Não seria o caso de supor que o patrão estivesse delirando? E o que pensariam os outros? Na verdade, tudo ficou meio camuflado pela movimentação da freguesia e pelo barulho da rua.

Fernando compreendeu que estava preocupando-se além da conta. Se existissem os seres que lhe apareciam, deveriam produzir efeitos mais concretos. Do jeito que faziam, serviam só para lhe pôr medo no coração. Não contaria nada para o Padre Timóteo.

Recordou-se de que ele iria almoçar em sua casa, no dia seguinte. Não poderia faltar. Dolores não o perdoaria. Um homem em casa, sem a presença do marido... Impraticável!

E se acontecer de aparecer alguma imagem justamente naquele momento? Fingiria não ver. Observaria só de soslaio. Não daria nenhuma demonstração. Com a presença do padre, o fantasma não poderia vir diretamente do Inferno. Aquele santo homem, ungido pelos santos óleos da Igreja, afastaria qualquer tentativa do Maligno. Afinal de contas, não tinha ele o poder divino da expulsão dos demônios?! E não carregava a cruz dependurada no rosário, que fazia questão de retirar do bolso para dar a beijar?

Ia por aí nas reflexões, quando viu a mesma figura do outro lado da vitrina. Não titubeou:

— Joaquim, vá ver o que a senhora quer!

O pobre homem não podia dar demonstração de que acreditava o patrão doido. Imediatamente, foi até a calçada e, não tendo encontrado ninguém, fingiu estar a conversar com alguém escondido pela parede. Sabia que Fernando não poderia ver que gesticulava a esmo.

— Patrão, a senhora queria saber onde fica a loja de armarinhos.

— Tudo bem, Joaquim. Obrigado.

Acontece, porém, que a mulher não se afastara um milímetro do local em que estava, prosseguindo a acenar-lhe, sorridente. Joaquim, sem querer, confirmava-lhe a existência do fantasma.

Fernando, disfarçadamente, como que percorrendo a loja no interesse das vendas, cumprimentando um ou outro freguês, dirigiu-se à porta. Queria interpelar a visitante. Mas não deu demonstração alguma e parou junto ao limiar, mãos nos bolsos, a apreciar o movimento da rua.

A criatura não mais estava lá. Mas viu o Roque lá na esquina, fumando o indefectível charuto, alcatrão e nicotina que o ajudaram a empacotar.

Fernando resolveu encará-lo, para ver até onde as coisas iam.

Nisto o chamaram de dentro. O telefone exigia sua presença. Era Jeremias:

— O João está aqui. Você não quer vir falar com ele?

Não havia o que ver. O momento era o mais oportuno.

— Fale pra ele me esperar que já estou indo.

Chamou o gerente, passou algumas instruções e saiu, agigantando os passos na direção em que vira o Roque. Que Padre Timóteo, que nada!

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