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Contos-->Fome -- 10/04/2000 - 10:52 (Claudia Modell) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Fome

São 7:00 horas da manhã e o dia e quente e ensolarado.

Os ruídos de pessoas caminhando, adultos confortando crianças, homens chamando ajuda, podem ser ouvidos pela pequena menina. Ela está deitada no chão de areia amarela. Um chão tão árido que a poeira não consegue assentar.

Mas a menina não se importa com a poeira, não se importa com o calor. Não se importa com mais nada além da necessidade básica de respirar mais uma vez. E mais uma vez.

O instinto de sobrevivência, escrito de forma indelével em seu código genético, é o que obriga a criança a fazer o esforço supremo de respirar.

Não é pedir muito, de qualquer forma. Afinal o oxigênio é grátis, existe em todo lugar. E para respirar basta abrir a boca e colocar o ar para dentro.

Logicamente a menina não tem forças nem mesmo para se perguntar o porque da situação. Ela não sabe que seu corpo precisa de energia para que seu coração bombeie sangue e seu pulmão possa se expandir e assim encher-se do precioso ar.

A energia necessária vem dos alimentos, mas a criança não vê alimentos há semanas. Seu corpo minguado sequer se move. Sua temperatura está baixíssima, como se o corpo soubesse que sem o alimento é melhor consumir a energia restante somente para respirar.

Mas de onde está vindo o alimento agora? De onde tem vindo nas últimas semanas?

De seu próprio corpo. Seu organismo vem se alimentando de si mesmo, queimando lentamente cada célula de gordura, depois carne, depois nervos, até que chega o dia 08 de abril de 2000, e não há mais nada a ser queimado no corpo da pequena menina.

Sua pele está flácida, grudenta, como uma luva de borracha envelhecida. Seus ossos podem ser vistos, suas costelas contadas, suas vertebras examinadas a olho nú. A ausência de carne, de músculos, mostra a grotesca figura de um esqueleto vivo, com pele grudada nos ossos.

A menina não pode mais se mover, e já não podia há alguns dias. Não tem mais músculos, as articulações estão secas. As dores que a menina sentem podem ser somente imaginadas, já que a pobre criança é incapaz sequer de formular um pensamento a respeito.

Seus olhos estão indecisos sobre continuar abertos, recebendo a luz do sol, agarrando-se ao resto de vida que isso representa, ou fecharem-se de vez, desistindo de uma vez por todas de achar qualquer sanidade no que existe à sua frente.

A cabeça enorme da criança pende para frente e para os lados, em uma tentativa de retomar um equilíbrio há muito perdido, até que enfim, a criança desiste de se mover.

Fica quietinha, mas ainda respirando, ainda deixando seu corpo consumir o que não mais existe.

Então, de repente, a criança parece ganhar vida. Seu corpo arqueia totalmente, a cabeça para trás, seu torax para o alto. Ela abre a boca seca e respira uma enorme bocada de ar.

E então seu corpo cai estrondosamente no chão. As mãozinhas se abrem, os olhos fitam o céu azul. Mas não há mais vida dentro deles. Não há mais necessidade de ar em volta da pequena criança.

Em minutos um adulto passa por perto e recolhe a menina. Ela é envolta em panos velhos e levada para um buraco, onde outros corpos de crianças aguardam por ela.

São 7:15 da manhã de 08 de abril do ano da graça de 2000.
Muitas outras crianças vão morrer de fome na Etiópia, hoje.

E você? Já tomou seu café da manhã?
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