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Artigos-->Fundadores do Pensamento Estratégico -- 31/08/2003 - 17:43 (Carlos Frederico Pereira da Silva Gama) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eugênio Diniz e Domício Proença Jr. situam no século XIX o surgimento dos primeiros escritos sobre a Guerra que tinham, por assim dizer, pretensão de validade científica. A influência da obra (ou melhor dizendo, das sucessivas interpretações, nem sempre coerentes com os escritos originais) de dois autores desse período – Jomini e Clausewitz – fez com que estes passassem a ser reconhecidos como os fundadores do pensamento estratégico. Seus propósitos, entretanto, diferiam em muito, bem como seus escritos são díspares em forma e conteúdo.



Jomini construiu um corpo doutrinário para sustentar uma determinada visão de mundo acerca do fenômeno bélico – visão essa que se julgava científica, mesmo não o sendo. Sua obra, carente de rigor científico, não foi entretanto incoerente com o propósito de seu autor. Jomini não era um cientista (mesmo pretendendo sê-lo de fato); seu propósito sempre foi o de ser tido como descobridor e divulgador de uma “teoria da vitória” infalível, atemporal e universal, autorizada pela sabedoria da História e pelos feitos definitivos de Napoleão, que ainda ecoavam fortemente nas mentes de seus contemporâneos. Jomini buscava, assim, não a verdadeira Ciência mas um certo “verniz científico” que conferisse maior legitimidade a seus escritos. Nesse sentido, sua obra mais famosa, “Précis de L’art de la Guèrre” (1837-38) não está muito distante da literatura de “auto-ajuda” dos dias atuais. Trata-se de um pretenso manual da vitória, no seio do qual verdades (secretas até então) infalíveis sobre a arte da Guerra seriam reveladas facilmente a todos os que se dispusessem a lê-lo. Jomini trabalhava com dogmas – supostamente correspondendo a lições históricas inevitáveis e recorrentes – os quais, uma vez formulados, conduziam o raciocínio (melhor, a persuasão) do autor, sempre tendo em vista a necessidade de justificar a inevitabilidade da vitória em tais condições. Um edifício reducionista é o produto desse trabalho – a Guerra como algo simples e facilmente “decifrável”.



Muito do prestígio da obra de Jomini deriva de alguns fatos que nada ou pouco tem a ver com o conhecimento científico – o autor viveu muitos anos e dedicou boa parte deles a divulgar seus escritos (e a detratar escritos de outrem, incluindo os de Clausewitz); o enfoque histórico colocava Jomini como herdeiro de sólida e reputada tradição de autores da Guerra, bem como possibilitava o entendimento de que, de fato, a Guerra não havia sofrido modificações significativas ao longo da História. Ademais, Jomini mantinha forte uma mitologia associada à atividade da Guerra que era parte integrante do trabalho dos autores que o precederam, tornando seu trabalho, assim, a “culminância” de estudos sobre a Guerra de cunho milenar;



A obra de Jomini apresenta algumas características peculiares. Demonstrando desinteresse por questões logísticas (no sentido dado por Clausewitz – criação, manutenção e movimentação da força) e políticas, e analisando o mundo militar como descolado das demais esferas da sociedade, Jomini considera que a Guerra é vencida no campo de batalha, enfatizando o papel do comandante de campo. A chave para a vitória (o propósito fundamental da obra desse autor) se encontraria na Estratégia, controlada pelos chamados “Princípios Universais da Guerra”. A vitória decorreria de ação ofensiva que concentrasse forças contra o inimigo no ponto decisivo. O caráter reducionista e restaurador da obra de Jomini apresentava a Guerra como algo constante no tempo, de fácil entendimento e que pouco dependia dos desequilíbrios do mundo da política. Uma vez assumidas tais premissas, tudo o que havia a ser feito limitava-se ao estudo das alternativas e formas da ofensiva, da concentração de forças e da seleção do ponto decisivo no contexto do teatro de operações. Ademais, este autor apontou diversas características que permitiriam caracterizar um exército como “perfeito”, ou seja, capaz de obter a vitória com facilidade. Diante do “exército perfeito” (um conceito que não admitia críticas, pois não era falseável) os avanços tecnológicos da época em que Jomini escreveu sua principal obra não teriam qualquer valor.



A idéia de concentração da força nacional, à semelhança do “Grand Armée” napoleônico, organizado por profissionais (não por nobres “amadores” ou civis “despreparados”) versados no cânone jominiano acabaria por se tornar um dos dínamos do processo de nacionalização dos exércitos profissionais no século XIX.

Não obstante esses fatos, Jomini possui seus méritos – cunhou uma terminologia da Guerra que, apesar de sofrer mudança nos conteúdos, continua a ser adotada; a ele pode-se atribuir, igualmente, o prestígio das forças armadas nacionais de sua época em diante.



Clausewitz, por sua vez, empreendeu rigorosa reflexão acerca do caráter essencial do fenômeno bélico – não bastasse isso, erigiu sobre sólidas bases científicas uma verdadeira Teoria da Guerra. Submetendo suas hipóteses a um constante e atento “teste de realidade”, Clausewitz obteve princípios de inegável robustez científica, a partir dos quais pode construir sua argumentação plena de densidade, coerência e coesão. Esse autor, dessa forma, realizou no campo dos fenômenos bélicos aquilo que Copérnico havia feito no campo da Astronomia, Descartes na Teoria do Conhecimento e Newton, na Física – uma verdadeira revolução, cujo fruto máximo, “Da Guerra” (180_), continua a ser reconhecido como o marco fundador de uma abordagem científica do fenômeno bélico, do qual constitui ainda sua maior e mais completa expressão (mesmo não tendo sido revisado de forma completa dada a morte de seu autor). Sua influência foi obstaculizada pelo prestígio de Jomini durante todo o século XIX e começo do século XX; mesmo depois disso, Clausewitz teve muitos de seus escritos confusamente mesclados ao edifício jominiano, levando á diluição de muitos de seus conceitos. Todo o moderno estudo da Estratégia baseia-se sobre os escritos de Clausewitz, ainda que influência residual dos escritos jominianos continue a existir em escritos que fundem a obra de ambos. Dessa obra o fenômeno bélico emerge em toda a sua complexidade e riqueza de possibilidades intrínsecas, as quais não permitem autorizar respostas infalíveis, atemporais ou universais. A Guerra, vista não como um fim em si mesmo, mas como continuação da Política, torna-se dependente dos meios disponibilizados pela Política para sua realização e dos objetivos que busca-se atingir.



Clausewitz inicia sua reflexão de forma visivelmente oposta à de Jomini; ao invés de assumir uma pretensa verdade (escudada em fatos hiostóricos) que levaria à inevitável vitória na Guerra, o autor alemão buscou compreender a essência da Guerra e qual seria a sua utilidade. Sua reflexão seria sempre rigorosamente delimitada pelo confronto com os fatos. A reflexão de Clausewitz se inicia com a idéia de que a Guerra seria o locus da violência em estado absoluto; percebendo que tal idéia não encontrava correlato na realidade, o autor aceita a sanção dos fatos, reestruturando seus pontos de partida de forma lógica e pertinente. O método científico do autor alemão se apresentava, portanto da seguinte forma:



· Definição de um conceito

· Extração de todas as suas consequências lógicas

· Verificação das consequencias lógicas no confronto com a realidade (critério de validade)

· Incorporação das diferenças com a realidade à formulação teórica



A Guerra, entendida como um “ato de violência destinado a dobrar o inimigo à nossa vontade”, potencialmente conduz à violência absoluta – isso, porém, jamais se verifica, dado que ela apresenta-se como uma continuação da Política. A vinculação entre Guerra e Sociedade, a presença do acaso e da incerteza (fricção), a influência de fatores morais impedem que as guerras atinjam um nível absoluto de violência; o desarmamento total do inimigo (que, assim, submete-o inteiramente à nossa vontade) é algo jamais atingido, seja pela limitação dos meios disponíveis para a Guerra, seja pela existência do chamado “ponto culminante do ataque” – ponto a partir do qual a continuidade do ataque coloca em risco a manutenção das conquistas obtidas. A Guerra, caracterizada como sendo uma “trindade patronal” compreendendo o Governo, o Povo e o Exército, tem no combate sua atividade essencial (no combate a Defesa possui uma série de vantagens em relação aos atacantes); pode ser limitada ou ilimitada quanto aos objetivos colocados pela Política, enquanto que haverá sempre limitação de recursos disponíveis para a Guerra.



A idéia que emerge da leitura da obra-prima de Clausewitz é a da Guerra como atividade humana infinitamente complexa, intimamente dependente da configuração da sociedade que se propõe a fazê-la e jamais suscetível a admitir fórmulas mágicas ou reducionismos capazes de garantir a vitória. Graças a esse este fato, entre outros, o autor alemão tornou-se influente entre os planejadores estrategicos somente na segunda metade do século XX – Jomini dominou o pensamento no campo durante o século XIX. Uma leitura equivocada no final do século XIX (quando da vitória prussiana sobre os franceses em 1871) fez com que “Da Guerra” passasse a ser visto da mesma forma como o “Precis de l’art de la Guèrre” de Jomini – um manual para a vitória. Diversas interpretações da obra do autor alemão, igualmente, realizam uma fusão temerária da obra deste com a de Jomini, prejudicando a riqueza conceitual de “Da Guerra” em benefício de uma diluição capaz de revelar “fórmulas mágicas” para a vitória, de uma tentativa de tornar o edifício clausewitziano mais acessível e de uma interpretação errônea do que Clausewitz denominava o “gênio militar” – colocando esse elemento como ponto central de uma pretensa teoria da vitória e não compreendendo-o como parte de um “framework” muito mais elaborado e complexo. Não obstante esses obstáculos, a obra magistral de Clausewitz, graças a seus colossais méritos, logrou tornar-se a mais influente obra sobre o fenômeno bélico na atualidade, deitando por terra o prestígio adquirido anteriormente pela obra de Jomini.



BIBLIOGRAFIA



PROENÇA JR, Domício; DINIZ, Eugenio; RAZA, Salvador G. Guia de Estudos de Estratégia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

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