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Infanto_Juvenil-->A DECISÃO DE FUTRICA -- 08/07/2007 - 00:55 (Hull de la Fuente) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A decisão de futrica




Futrica é uma cadelinha SRD (sem raça definida), como me explicou minha amiga e professora de patchwork, Selma.
Futrica é magra, tem o pelo malhado de preto e branco, orelhas em pé, como as orelhas de raposa, e também tem focinho de raposa.
Eu gosto desse tipo de cães, pois eles são amigos e amam seus donos para sempre.
Ela nasceu numa fazenda em Goiás, mas não é rica, pelo contrário. Apesar de estar perto de pessoas prósperas, Futrica foi criada numa casa de pessoas sem posses.
Ali a comida escassa, mal dava para os filhos dos humanos. Futrica comia, basicamente, os farelos que as crianças deixavam cair ao chão.
Seu Ezequiel, dono da fazenda e também dono do pai de Futrica, penalizado com a extrema magreza da pequena cadela, resolveu levá-la de volta pra fazenda.
De nada adiantaram os latidos de protesto da pequena cadelinha de cara de raposa. Seu Ezequiel estava decidido e ele era muito mais forte do que ela.
Lágrimas escorriam na carinha de raposa de Futrica. Em desespero ela latia chamando os meninos da casa pra que a ajudassem:
Tonico!
Bastião!
Mariinha!
Ajudem-me!
Não deixem “seu” Ezequiel me levar. Por favor, eu amo vocês!
Por mais que protestasse com seus latidos, com tristeza, ela viu o ar de alívio estampado nos rostos dos membros de “sua” família. Nos últimos tempos as coisas haviam piorado na casa, muitas vezes ela ouvira seu Joaquim, o chefe da casa, dizer que ela, Futrica, era mais uma boca pra dar de comer.
Como num filme, Futrica recordou os momentos de felicidade vividos com a gente daquela casa. Como tinha sido bom o dia em que Dona Eunice, mulher de seu Joaquim, ganhara um monte de ossos ainda com alguma carne. Dona Eunice fez um cozidão com inhame e verduras. Tonico, o mais velho dos meninos, deu-lhe alguns ossos bons de roer.
Também teve os dias em que nas fazendas próximas, bois foram abatidos, naquelas ocasiões seu Joaquim levou pra casa, pedaços de vísceras dos animais e por alguns dias, todos comeram pirão com sarapatel.
Ela não censurava seu Joaquim nem dona Eunice por dá-la de volta ao fazendeiro.
Todos na casa eram tão magros, inclusive ela, Futrica. Fazer o quê?
Mas seu coração estava doendo, sua família não podia mais ficar com ela. Ninguém chorou quando o homem a pegou, mas bem que Tonico virara o rosto e olhara pra parede de barro batido. Ele era seu amigo, era ele que a levava ao riacho pra lavá-la, que catava suas pulgas, afagava suas orelhas. Um dia a levou pra caçar pombas no mato. O Tonico era tão magro quanto ela, podia-se contar suas costelas.
A camionete parou no pátio da casa da Fazenda. Ezequiel olhou para Futrica com ar de pena. Em seguida ele a levou pra dentro da casa. Tudo lá era grande, diferente, cheio de lugares bons pra deitar e tirar um cochilo, mas certamente o velho cachorrão que vira ao chegar, não deixaria. Depois, aqueles móveis, deviam ser os tais sofás que dona Eunice dizia que “era bom de se assentar”.
Tímida, Futrica tremia assustada com tudo que via ao seu redor.
Tentando acalmá-la, Ezequiel foi pessoalmente à cozinha e preparou um prato farto pra ela. Mas como comer se havia um nó apertando sua garganta?
Os outros moradores da casa também foram gentis com ela, mas eles não eram de sua família. Até o cheiro deles não era nada parecido com o cheiro da sua gente. Nada ali tinha importância pra ela.
A noite chegou e o prato de comida continuava ali, intacto. Nem a vasilha com água foi tocada. Sua garganta estava como que fechada pela dor da separação.
Amanheceu e a rotina na fazenda começou. Futrica mal dormiu, porque seu corpo era sacudido por soluços, de tempo em tempo. Então seu Ezequiel aproximou-se dela.
Preocupado, o homem falou docemente com ela:
Sinto muito, Futrica! Mas você não podia continuar lá onde você estava. Você terá que se conformar que a sua casa agora é aqui.
Não adianta ficar sem comer. Você está só pele e ossos. Foi por isso que eu tirei você de lá. Vamos, levante-se daí, vamos ao curral. Ta na hora da ordenha.
Obediente, ela o acompanhou sentindo o estômago exigir algo, mas o nó continuava em sua garganta.
O curral fica perto da porteira da fazenda, a porteira por onde ela entrara para aquele mundo novo. Ezequiel conversa o tempo todo com ela. Ele é bom, mas não é da sua gente. Ele ordenhou a primeira vaca e com o leite ainda quente, encheu uma tigela e a depositou diante da cadelinha triste. O cheiro bom do leite é irresistível.
Futrica tomou todo o leite, o que deixou Ezequiel feliz. Depois, enquanto ele prossegue na ordenha, ela afasta-se e vai em direção da porteira que poderia ser a porta de retorno pra sua antiga casa.
Sim, a porteira fica no limite entre a fazenda e o modesto sítio onde ela foi criada. Ela poderia voltar sozinha pra sua gente, mas em sua mente ficou gravada aquela expressão de alívio de sua família. Ela sabe que não será aceita de volta.
Parada diante da porteira, ela decidiu morar ali, entre os dois mundos, o antigo e o novo. Então escolheu um dos mourões da porteira onde a sombra era acolhedora, naquele horário da manhã e deitou-se. Mas, à medida que o sol caminha, a sombra do mourão também muda de lugar. E Futrica também segue o movimento da sombra.
Lá do curral de ordenha, Ezequiel observa o movimento de Futrica, tal qual o ponteiro de um relógio.
Todos que passam perto daquela porteira, podem ver uma cadelinha solitária, que decidiu ter por companhia a sombra de um mourão. Sombra que a obriga a mudar de lugar junto com ela. Mas o pior momento é quando dá meio dia, pois sua amiga desaparece e ela fica só, sob um sol causticante. A sombra só volta depois das três da tarde.
Esta é a real história de Futrica, a cadelinha que dividiu o coração entre o amor da familia que a criou e a gratidão por Ezequiel, que a acolheu, por isso ela fica na metade do caminho, entre as duas casas.

(Hull de La Fuente)












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