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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->3. JEREMIAS SE ESQUIVA -- 26/05/2002 - 06:09 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Pouco conversou Fernando com a mulher naquela manhã. Informou que não viria almoçar. Deu como desculpa certos balancetes atrasados e não quis ouvir as queixas de que não parava em casa, de que só ele tinha distrações, de que era duro ficar presa, sem férias, sem passeios, sem cinemas e sem teatros.

Sabia que eram injustas e não lhes deu atenção. Parecia vacinado contra as afecções de Dolores. Quantas vezes gracejara com esse nome. Como lhe calhava bem! Agora aborrecia-se, apenas.

A verdade é que iria convidar o amigo para almoçarem, quando insistiria nas explicações espíritas. Mordia-lhe a curiosidade a respeito dos pronunciados conhecimentos.

Assim que passou os registros do dia para o gerente, para a responsabilidade pelo movimento da loja na hora do almoço, foi encontrar Jeremias à porta do restaurante. Tinham combinado que iriam comer em casa de comidas naturais, assim chamada porque o paladar exigido era de rusticidade primitiva: tudo cru ou mal cozido, sem sal, sem carnes e em quantidades limitadas. Os dois precisavam perder peso.

— Meu caro Fernando! Como vai? Soube que você está a pique de receber o apoio do Ministro, para o negócio...

— Está quase tudo certo. Só falta combinar o “por fora”. O homem é duro na queda.

E, falando baixinho, em segredo:

— Quer cinqüenta por cento, mas acho que por trinta ou até vinte e cinco aceita. A oferta maior que obteve até agora foi de vinte, e com condições.

A intimidade do tema aproximou os amigos, na cumplicidade dos negócios. Chamaram o garçom e pediram a refeição do dia. A comida era o de menos. Queriam conversar.

— Jeremias, meu amigo do coração!

— Eh! Aí temos...

— Que história foi aquela a respeito de espíritos que pintam e escrevem? Fiquei curioso, pois já vi o Gasparetto na televisão. Se aquilo não é sobrenatural, então o “cara” é bom mesmo!

— Muito mais impressionante, Fernando, é a produção literária do Chico Xavier. Você não sabe, mas ele é capaz de “pegar” verdadeiros calhamaços em dois ou três dias. E tudo muito arrumadinho, com vocabulário, com frases. Só não mostra os rascunhos. Parece que há outras pessoas a ajeitarem os manuscritos.

— E as informações de parentes mortos? As letras, pelo que vi no “Fantástico”, são muito parecidas.

— Nesta época de crendices, qualquer coisa vai parecer do outro mundo. Há muita ilusão.

— Mas onde foi que você aprendeu a respeito dos artistas e dos escritores? Não está freqüentando o terreiro às escondidas...

— Que é isso? Lá não correm esses papos. É tudo muito bronco. Muito “faça o que mando ou vai ver o que acontece...” Sutilezas, nem na hora de estabelecer o preço.

— E...

— É que costumo discutir com o João, aquele meu contador. Você conhece...

Fernando não conhecia.

— Pois é, ele é que vem com essas histórias de espíritos, de Kardec, de sessões, de obsessão. Queria que eu fosse com ele numa dessas reuniões...

Fernando adquiriu a convicção de que Jeremias, fazia tempo, estava acompanhando o contabilista. “Tem é medo que eu vá contar ao padre, no confessionário. O safado deve fazer a mesma coisa com os segredos dos outros. Timóteo agora vai saber do caso do ministro. Santo Deus! Onde fui me meter?!”

As desconfianças pareciam confirmar-se:

— Eu não como mais gordura nem açúcar. E estou muito bem. Já perdi quinze quilos. Você não reparou?

Fernando havia notado, sim. Mas não falara nada. Sentiu uma pontinha de despeito, por não ter emagrecido um grama. Jeremias parecia estar sempre um passo à frente em tudo. Aquela disposição com que comia o prato de verduras (agrião, rúcula, cebola, com um pouquinho de vinagre) até lhe tirava o apetite. Queria ver como reagiria com os pratos quentes. Mas o arroz integral ficou na travessa, quase intocado. Os ovos de codorna e as fatias de peixe grelhado nem foram mexidos. As frutas foram escolhidas entre as mais maduras e Jeremias apenas comeu uma fatia de mamão. Não tocou na água mineral sem gás. E pediu uma chávena de chá.

Envergonhado por ter enchido o prato, Fernando acabou deixando de lado as azeitonas. Não concordava com o critério do restaurante. Só porque cobravam caro, não queria dizer que devessem fazer concessões.

Quando a conversa descambava para as qualidades dos regimes vegetarianos, Fernando, de súbito, segurando com força o braço do amigo, o interrompeu. Estava pálido. Percebeu, sentado no fundo do salão, um sujeito cujo enterro acompanhara há tempos. Era o Roque, com certeza.

— Que foi? Parece que está vendo fantasma...

— Olhe o Roque, lá atrás!

Ao voltar a olhar para o fundo, a cadeira estava vazia.

Jeremias também olhou e nada viu.

— Ora, meu caro, até você! Querendo me passar um trote... Sai dessa... Só porque...

— Ouça com atenção. Eu tenho visto muita gente que já morreu. Há outras coisas mais...

Jeremias não deixou Fernando prosseguir. Se quisesse falar a respeito, procurasse o João. Nessa tarde, estaria lá na loja. Ele sim sabe explicar direitinho esses casos de aparição.

Água fria na fervura, Fernando se arrependeu da iniciativa. Que João, que nada! Precisava era contar tudo ao Padre Timóteo. Se o demo estava por trás disso tudo, se explicava o fato de ter inventado a história do pressentimento da morte. Claro que a bênção do sacerdote não iria fazer efeito. E o arrependimento?

Isso pensava enquanto caminhava sozinho, já chegando ao seu estabelecimento de materiais sanitários. Jeremias tinha sido grossa decepção.

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