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Contos-->O QUE ACONTECEU NA ÁREA DO CENTRAL -- 23/09/2001 - 13:07 (VITO CESAR FONTANA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O QUE ACONTECEU NA ÁREA DO CENTRAL?

Recife, tanto de tanto de dois mil e quanto.


Doutor Bevilaqua,


Pretendo dirigir esta missiva, com a exata estatura que o seu emérito cabedal advocatício exige, embora confesse não ser conhecedor da forma jurisprudente de expressão que o caso em si exige ou recomenda.
Data vênia, como já sabe, sendo o advogado contratado para defender minha causa contra o condomínio que ora é o causador de minhas angustias e espectâncias, tivemos – nós condôminos do dito condomínio – uma reunião na última sexta-feira para definir e eleger as novas propostas para a conclusão do prédio em questão que já conta com 15 meses de atraso, desde o que foi aprazado no contrato original que firmamos com a construtora Prédios & Prédios Ilimitados.
Confesso, inicialmente, que tive uma certa dificuldade para chegar no horário firmado para a reunião, que era o das 19:30 hs, uma vez que fiquei de certa forma encalacrado, poderia até dizer, no trânsito caótico da cidade.
Sem ter tido a oportunidade de participar de um agradável desjejum, no convívio dos meus familiares, que de certa forma aguardavam com ansiedade minha chegada ao seu lar para as devidas definições de atividades impostas pelo fim de semana e também impostas nas disposições do divórcio – especialmente nas figuras de meus filhos mais novos que enunciavam expressões tais como: “Pô, pai!”, quando não outras expressões mais contundentes e menos risíveis pelo telefone móvel do qual sou portador, assim como também a oratória rascante de minha ex-esposa, que num átimo de inesperado ataque viril tomou com veemência o dito equipamento de telefonia das mãos do meu filho mais velho, dos pequenos, referindo-se à minha pessoa com inflexões quase que ininteligíveis, dos quais apenas pude destacar as expressões: “... seu verme!”, e outra, a qual recuso reproduzir por apresentar definições muito precisas, mas equivocadas, sobre a minha origem filial, sendo essa um clássico, infelizmente, nos dizeres. costumeiros entre desafetos.
Como esse processo de comunicação travou-se dentro do meu veículo de locomoção, pude ainda perceber de um lampejo, olhando para o espelho retrovisor do referido veículo, que um dos guardas do departamento de trânsito, que no momento estava a serviço exatamente no segmento de avenida por onde eu circulava, anotava qualquer coisa em um bloquinho, levando-me a crer, sem a menor sombra de dúvidas, que se tratava da placa do meu veículo.
Tomado por um sentimento implacável de revolta, fui forçado a engolir a situação que se impunha.
Trafeguei por incontáveis minutos, dos quais perdi a noção, em meio à lentidão do trânsito, o que muito aumentava o sentimento de revolta e a angústia de ver que estaria perdendo o horário da dita reunião por questões alheias ao meu desejo férreo de lá chegar com a precisão suíça que sempre caracteriza a pontualidade com que me destaco em eventos afins, além do que participei involuntariamente de algumas situações imprevistas que me levaram à troca de expressões chulas com alguns dos outros condutores de veículos que por ali circulavam na mesma direção, o que não vem a ter expressão significativa nesse meu presente relato.
Em lá chegando, deparei-me com a desconfortável impossibilidade de estacionar o meu veículo nas proximidades do local da reunião, pelo que tive de avançar algumas quadras até encontrar um espaço apropriado, algo ermo e de suspeição no que toca a segurança, tendo eu ficado com certo receio de ver roubado o aparelho reprodutor de CD´s que há poucos dias havia adquirido em uma das lojas especializadas do ramo.
Nada tendo a fazer senão ceder à imposição geográfica da situação estacionei-o, mesmo naquele determinado local e impus-me a condição de orar para que nada acontecesse, de encontro aos meus receios.
Ao chegar no local determinado da reunião, pude perceber que a mesma já se destacava pela presença maciça da grande maioria dos condôminos, contando mais de 50 participantes, o que significava mais do que a metade dos mesmos.
Havia-se instituído um presidente de mesa e um secretário para lavrar a ata da reunião, pelo que, pela primeira vez, causou-me sensação de alívio, pois – e disso tenho certeza – na minha condição de azarado tradicional, teria sido o escolhido para essa última incumbência, da qual confesso ter peremptória ojeriza.
No momento da minha chegada pude perceber que os representantes da construtora do condomínio em questão, hora sob suspeitas de fraude orçamentária, desvio de materiais para outros empreendimentos da mesma empresa e outros itens afins, estavam ladeados por dois senhores que identifiquei de imediato como advogados, não somente por sua fenotipícia, como também pela forma como sussurravam aos ouvidos do engenheiro, responsável técnico da obra e dono da empresa em questão.
Naquele momento o presidente da mesa enunciava três propostas que seriam votadas nessa reunião: A primeira era a proposta da empresa construtora que prometia – a custo fechado – entregar-nos a obra dentro de 90 dias ( o que causou um alarido estridente por parte da audiência, com inúmeros apupos que identifiquei serem de ironia rascante), a segunda, uma proposta de um dos condôminos, também construtor e dono de uma empresa, que defendia sua contratação para levar adiante a obra dentro do mesmo prazo, mas com um valor quase que o dobro do proposto pela construtora oficial, alegando que esse valor havia sido dimensionado por uma vistoria feita no prédio que, mesmo contrastando em valores com a proposta primeira, era definitivamente a realista. Por último foi colocada a proposta da comissão de condôminos, que não apresentava valores monetários, não aprazava, mas conclamava aos demais condôminos a pagar as parcelas atrasadas e que ela, a comissão, entenderia de contratar uma outra empresa sob licitação.
Muitos foram os que pediram apartes e eu, um confesso confuso atávico, procurei apenas observar e ouvir o que viria dessas discussões.
Surpreendi-me com a cacofonia de vozes que pediam apartes, ressaltando-se aqui e ali termos como: “Ladrão!!”, “Irresponsável”, “Filho da...”, bem, creio que identifiquei acertadamente que essas expressões eram direcionadas ao engenheiro da obra, pelo que não fiz nenhuma menção de protesto.
Na votação a proposta de número um foi fragorosamente derrotada, sendo a vencedora a proposta de número três.
Orientado por seus advogados, o engenheiro da obra até então, levantou-se e expressou seu ponto de vista dizendo: “... Eu não aceito de forma nenhuma essa ingerência, sou o responsável técnico da obra e posso embarga-la!”.
Seguiu-se então um alarido, com alguns dos condôminos tendo de ser contidos fisicamente para que não deslocassem o punho na direção do rosto do engenheiro supracitado, o qual defendeu-se dando alguns passos para trás, protegendo-se por trás de uma das pilastras da referida obra (a reunião deu-se na obra), infelizmente tendo escorregado em um saco de cimento vazio que ali estava, sendo levado ao chão sob a vaia geral da assistência.
Tomou a palavra um determinado condômino de origem nordestina, que se referia ao engenheiro: “Esse cabra safado tá demorando demais pra entregar a obra porque leva alguma vantagem nisso! Cadê os sacos de cimento que estão faltando? E as lajotas de mármore do hall de entrada?”.
Do fundo da audiência ouviu-se alguém replicar: “Cala boca seu merda, que você não sabe nada do que se passa nessa joça!”, pelo que pude depreender que essa voz era da ala que defendia a permanência do engenheiro diante da obra.
Uma senhora aloirada empertigou-se e, com dedo em riste, apontava-o na direção do engenheiro, balançando-o ameaçadoramente: “Você não sabe com quem está lidando! Meu genro é advogado e vai processar você, seu ladrão!”.
Nesse ínterim acometeu-me a necessidade fisiológica irresistível de urinar, pelo que procurei o local adequado não o encontrando naquele espaço, sendo a única solução, procurar uma das pilastras mais distantes, desfocada e sob lúgubre escuridão, para o fim, deparando-me com outro condômino na mesma situação e lugar. Não nos dissemos nada.
Devo dizer, doutor Bevilaqua, para o resumo da ópera, que deu-se um verdadeiro “cu de boi na área do Central” (expressão essa utilizada para definir a situação, uma vez que o orifício terminal do sistema digestivo do boi apresenta características de pregueamento extremamente confusas).
Apenas a título de esclarecimento, a expressão “Cu de boi na área do central (time do interior pernambucano, cidade de Caruaru)”, foi aqui introduzida para espelhar a extrema confusão gerada, é originária de uma situação real ocorrida na cidade de Caruaru, por ocasião de um jogo entre o time do Central e um outro (que não me ocorre no momento) da capital. Nesse dia o locutor oficial da Rádio difusora de Caruaru havia adoecido e não poderia participar da transmissão do evento, tendo sido escalado para o seu lugar um outro locutor da emissora que era repórter policial, sem grande experiência no ramo. Em um determinado momento, quando o Central tentava defender-se de um contundente ataque do time adversário, causando esforço extremo da sua defesa, que por sinal estava completamente dominada, o locutor, empolgado, referiu-se: “ Ih! Olha lá! Olha lá! Olha lá!... Deu-se um tremendo cu de boi, na área do Central!!!”. Hoje em dia essa expressão é utilizada rotineiramente para definir situações do mesmo jaez.
Anus bovinos à parte, a reunião acabou em, digamos assim, cacete, sendo que muitos dos condôminos tiveram escoriações generalizadas e o engenheiro da obra algumas fraturas de costelas.
Eu, que tive o privilégio de ser apenas um espectador ainda saudável - visto que havia me empoleirado no mezanino do hall de entrada – nada sofri dessa desconfortável situação.
O presidente da mesa, aparvalhado com aquela situação, pegou um megafone que havia sobre a mesa diretora e enunciou que haveria uma outra reunião na próxima semana, no mesmo dia e horário, pelo que volto à premissa informativa da idéia inicial dessa missiva: “E aí, Doutor Beviláqua!? É mole ou quer mais?”
Espero que esta exposição não o assuste ou afugente, como fez com alguns dos outros advogados que procurei contratar.
Atenciosamente...
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