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Contos-->TEM CHINÊS NA CHINA -- 23/09/2001 - 12:50 (VITO CESAR FONTANA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TEM CHINÊS NA CHINA


Nesse negócio de entender ou não entender o que se entendeu, mas deixou-se passar por desentendido o que, necessariamente, entenderiam todos os entendidos, lembrei de um “Blues” que fiz para cantar com os meninos no estúdio (aqui de casa), quando eles eram pequeninos... Dizia eu a eles:
- Meninos, o papai passou a madrugada inteira compondo uma bela canção para cantar com vocês, nós vamos ter que decorar a letra por que é muito difícil e vamos cantar juntos porque o papai quer gravar com vocês...
Eles, com olhinhos brilhando (meu filho Danda com seis anos e Pedro com oito), ficaram aguardando enquanto eu, ao violão, com pose e tudo, dava a introdução.
Enquanto isso eu ia dizendo que era um cara muito experiente nessa vida, tinha feito de tudo, viajado muito (principalmente quando fui ajudante de um mestre cuca alemão em um cargueiro... mas isso já é uma oouuttrraa história...) e que eu queria fazer uma música sobre as minhas conclusões filosóficas. Daí ataquei:


Eu não sei...

(dum, dum, dum, dum...) – clímax na introdução bluzística...

Eu não sei,
Eu não sei,
Eu não sei,
Eu não sei,
Eu não sei,
Eu não sei,
Eu não sei... Dum, dum, dum, dum...

(repete-se o refrão umas três vezes... e então vai... enquanto isso um olhava para o outro, imaginando talvez quando eu iria iniciar o tema central da canção...)

Eu já disse que não sei...
Eu não sei,
Eu não sei,
Eu não sei... (o tom na interpretação era incisivo, emocional e contundente).
Se eu soubesse eu diria,
Claro que eu diria,
Mas não sei...
Eu não sei... (dum, dum, dum, dum....)

Eu não sei... (repetindo-se o refrão... a essa altura ambos sentaram-se cada um em uma cadeira, com um certo enfado disfarçado, mas demonstrando alguma esperança...).
Terminei o último “eu não sei...” de forma apoteótica, arpejando as cordas de uma única vez e erguendo o violão como uma guitarra.
- Então? O que é que vocês acharam? Não, não, digam mesmo o que acharam dessa linda canção que eu fiz falando de toda a minha experiência de vida?
Danda, o mais novo, mais sincero, mais dinâmico e mais inocente, aproxima-se de mim e me diz, algo titubeante e conselheiro, carinhoso e paciente:
- Pai, você tem certeza de que passou a noite inteira para compor (daí, tropeçando um pouco na palavra, dando aquela paradinha, mas sem perder o tom da naturalidade que é peculiar em crianças dessa idade) ISSO?

Arregalei os olhos com espanto e pasmo, arriando os lábios como aquelas máscaras tristes do teatro e reclamei:
- Meu filho!!! (levantando da cadeira e abrindo os braços como no último set, do último ato, cena aberta para ao aplauso) Como é que você diz uma coisa dessas para o seu próprio papai!!!! Mas não tem nada não!!!! Eu já sei o que vou fazer!!! Farei uma outra linda canção essa noite!!!! E vocês vão ver só!!!! ( a essa altura, meu filho Pedro, o de 8 – que, diga-se de passagem, sempre me levou a sério e leva até hoje), interrompeu o prolegomeno e disse, conciliador:
- Ela é boa, papai, muito boa mesmo, mas... Sabe, precisa de alguma coisa mais, não sei dizer o que seja (seus olhinhos se emocionavam ao ter que ser tão sincero comigo, seu paizão de tantos anos...).
- Pois bem: eu digo aos dois (apontando o dedo indicador), seus traidores, que amanhã por essas horas vocês irão ouvir a mais bela canção jamais criada! E nós vamos canta-la inteirinha (ameaçador!!)!
Dia seguinte, ambos, ansiosos, sentados à minha frente enquanto eu ligava os equipamentos, ajustava o microfone e afinava o violão, de braços cruzados, já mais inteiros como juízes e íntimos como cúmplices, aguardavam.
Ai eu iniciei a nova e retumbante canção:

Eu já sei

(dum, dum, dum, dum... intróito típico, etc e tal.)

Eu já sei,
Eu já sei,
Eu já sei,
Eu já sei,
Eu já sei (sempre os mesmos três acordes, a mesma levada de mão direita e etc.)
Eu já sei,
Eu já sei,
Eu já sei.... dum, dum, dum, dum.... (eles começando a ficar impacientes....)

Eu disse que sabia,
Eu disse que sabia,
Você não entendia,
Mas já sei...
Já sei....

(então o refrão, a mesma apoteose final, etc. e tal)...

Eles cruzaram os braços e pernas, pezinhos balançando com impaciência, já desconfiando que eu estava de gozação com eles, etc., levantaram-se e, quase como se tivessem ensaiado, vieram pra cima de mim, dizendo coisas e mais coisas, cacofonizando, enfezados, me cutucando com seus dedinhos...
Eu, do alto da minha sabedoria de palhaço, abracei-os e disse:

- Eu já sei o que vocês estão querendo... Meus amores: vocês não gostariam, por exemplo, que o papai cantasse uma música sobre as suas viagens pelo mundo? Que tal? Eu fiz uma bem antiga, que compus enquanto viajava no cargueiro e estava solitário na minha cabine. Vocês querem ouvir?

Ambos, com alívio e dúvida, disseram em uníssono (como a, finalmente, livrarem-se daqueles versos tão, digamos, herméticos que tanto lhes custava a compreensão):

- Sim, papai, isso!... Isso!!!

Daí eu ataquei:


Tem Chinês Na China

Tem chinês na china,
Tem chinês na china,
Tem chinês na china.
Ôôôôôôôôôôô.....

Tem chinês na china,
Tem chinês na china,
Tem chinês na china,
Ôôôôôôôôôôôôôô (esse ôôô, em tom quase melancólico, mão direita arrancando sons orientais...)

E eu interpretava isso de olhos fechados, com riso por dentro.
Quando abri os olhos, ambos estavam no chão, fingindo-se desmaiados.

Rimo-nos muito com isso tudo, muito mais tarde, porque não só as canções monocórdias e repetitivas haviam ficado gravadas em fita, como também nossos diálogos, nosso texto, nossa folia e nossa paixão lá estavam.



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