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Contos-->SEGREDO É PRA QUATRO PAREDES -- 23/09/2001 - 12:22 (VITO CESAR FONTANA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
SEGREDO É PRA QUATRO PAREDES


Ele entrou pela sala como se fosse desertar da casa.
Calado, olhou paredes já com saudade a mobília. Passou o dedo indicador pelo pó da mesa lentamente e suspirou.
Antes lépido, resoluto, tornou-se lento, como se ao sentir-se na atmosfera daquela sala, tudo se tornasse dúvida. Ela não estava mais lá. O resto não importava.
Essa certeza duvidosa tornava-se seu motivo de ali estar por mais um tempo, rever as imagens que ficaram impressas no ar, os sons gravados em cada quina de parede, as manchas de cortinas velhas e mal lavadas que criavam molduras no reboco, desenhos de quadros marcados, gosto duvidoso que ele sempre questionara, mas que eram dela e ela os habitava.
Sentia o seu hálito matinal persegui-lo pela casa e uma imagem dela sorrindo e mexendo nos cabelos formou-se na tela da consciência.
Sentou-se.
Da mesma forma de antes.
Sentou-se na cadeira do meio, aquela que ficava na frente da janela, porque havia uma brisa leve que sempre estava lá naquela horinha e que ela sempre disputava com ele quando chegavam da rua ao mesmo tempo.
Ao mesmo tempo...
Ela tinha a mania de adivinhar a hora que ele chegaria em casa e, a propósito, deixava-se atrasar ou se adiantava para que, no mesmo momento que ele apontava na esquina sul da rua, ela, com sorriso de musa, apontava na esquina norte. Ele sempre acreditou que ela fazia isso para dar o que falar aos visinhos, porque eles, os visinhos, sempre queriam falar sobre alguma coisa.
Se nada houvesse para se falar, inventava-se um fato qualquer e falava-se.
Ela adorava provoca-los beijando-o na boca bem em frente ao monumental portal de entrada da vila do subúrbio. Ela sempre usava aquelas saias coladas com um talho por trás das coxas, sapato meio-salto, blusa de seda que farfalhava no vento e roçava no bico dos seios deixando-os duros. E quando ela sentia isso, parava na porta de alguma vizinha e procurava dois dedos de prosa.
Sentia o olhar de inveja da vizinha e balançava os ombros para que o atrito fosse maior e os bicos mais acentuados. Ria-se, jogava os cabelos longos e ondulados para trás e despedia-se.
Ele sorriu e sua mão instintivamente procurou na mesa um jornal do dia, que não estava lá.
Nunca imaginaria que o silêncio fosse tão ruidoso, tão físico, quase como se existisse como matéria.
Via-se pegando o silêncio com a mão direita e jogando-o contra a parede, ou melhor, o colocaria num saco plástico e correria até o terreno baldio e o jogaria no meio de tantas outras tralhas silenciosas das outras pessoas.
Para o seu desespero o silêncio era invisível e intenso.
Tamborilou os dedos sobre a mesa para quebrá-lo, mas percebeu-se sem sentido, sem ritmo. Tentou batucar um samba, porque um samba sempre chamava uma certa alegria que trazia guardada dentro do peito. O samba saiu triste, um samba canção.

“Teu mal é comentar o passado/ ninguém precisa saber/ o que houve entre nós dois...”

Peixes nos fundos das redes, segredos em quatro paredes, julgamentos e condenações circulavam ao redor da sua cabeça. Todos os males pequeninos.
Achou engraçado que o infortúnio lhe houvesse batido à porta e a felicidade tivesse saído pela janela com toda a injustiça que coisas que acontecem de repente trazem.
Ela não podia ter ido embora. O vazio da casa era uma mentira.
Talvez ela estivesse atrasada só para brincar com aquele medo idiota de que sempre fora acusado.
Ela era dessas coisas. Levou até as coisas todas, deixando apenas a mesa e as cadeiras de jantar para que ele não ficasse tão desamparado.
Ela era assim, vivia inventando sustos maldosos para vê-lo desesperar um pouco.
Mas dessa vez ele não iria dar o gostinho.
Ele não ia mais correr até o orelhão e disparar chamadas para todos os lados.

“Um mês não é nada. Um mês não é nada...”

O tempo, que sempre lhe faltava para tudo, parecia ser algo inexistente dentro da sua ansiedade.
Procurava arquivos mortos da memória, aqueles em que provava por A+B que o tempo não existia.
Gostava de traçar paralelos filosóficos nas conversas de bar com os amigos, provando teorias que nunca se provariam, para provocar a ira deles. A teoria de que o tempo não existia era uma delas.
Passava saborosos minutos rebuscando idéias e inventando outras, apenas para irrita-los e provocar todas as réplicas e tréplicas.
Mas a hora de provar era essa.
O fato é que não conseguia convencer a si mesmo.
Agora percebia o quanto era arrogante e pretensioso.
Sentiu-se pequenino como uma criança que chora.

“Ela volta. Ela volta...”

A saudade invadia como uma droga. Sentia as veias se enchendo e um latejar longínquo martelando nas têmporas. Os olhos turvaram. As pálpebras cederam. Dormiu.

Acordou sobressaltado com aquele toc-toc na porta.




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