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Discursos-->ELOGIO DO FRAGMENTO -- 01/08/2001 - 21:02 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Uma compilação de excertos do romance "Alte Meister" [Mestres Antigos], de Thomas Bernhard. A obra continua inédita entre nós. A minha tradução foi publicada pela revista de tradução Modelo 19, UNESP/Araraquara.

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Elogio do Fragmento

[A cada dois dias, o filósofo Reger estuda um único e mesmo quadro de Tintoretto. No museu, foi-lhe reservado um banco. Ele vai e vem como o dia e a noite; disso pode-se ter certeza. Às vezes, também, fica ali sentado, mergulhado em leituras, e lê atentamente Montaigne, Pascal, Voltaire...]

[...] eu nunca li um livro inteiro em toda a minha vida, a minha maneira de ler é a de um folheador altamente talentoso, portanto, de um homem que prefere folhear a ler, que, portanto, costuma folhear dúzias, em determinadas circunstâncias centenas de páginas, antes de ler uma única que seja; mas quando esse homem lê uma página, ele o faz tão a fundo como ninguém e com a maior paixão pela leitura que se possa pensar. Eu sou mais folheador do que leitor, isso o senhor tem de saber, milhões de vezes mais folheei do que li em minha vida, mas sempre, ao folhear, tive ao menos tanta alegria e efetivo prazer intelectual quanto à leitura. Em suma, na verdade é melhor a gente ler tão-somente três das quatrocentas páginas de um livro, mil vezes mais minuciosamente do que o leitor normal, que tudo lê, mas nem uma única página em profundidade, ele disse. Na verdade, de um livro é melhor que se leiam doze linhas com a máxima intensidade e, desse modo, ganhar acesso ao todo, como se poderia dizer, do que lermos o livro inteiro como o leitor normal, que ao fim e ao cabo conhece o livro lido exatamente tão pouco quanto um passageiro de avião a paisagem que ele sobrevoa. Ele, na verdade, nem sequer chega a perceber os contornos. Assim, é de revôo que as pessoas lêem hoje tudo, todas; elas lêem tudo e não sabem nada.

[...] Quem lê tudo, não entendeu nada, ele disse. Não é preciso ler o Goethe inteiro, o Kant inteiro, tampouco o Schopenhauer inteiro é necessário; algumas páginas do "Werther", algumas das "Afinidades Eletivas" e, ao final, sabemos mais sobre ambos os livros do que se os tivéssemos lido da primeira à última linha, o que, em todo o caso, nos proporcionaria o mais puro dos prazeres. Porém, a esta drástica auto-restrição corresponde tanta coragem e tanta energia intelectual, que ela mui raramente apenas pode ser alcançada, e nós mesmos esporadicamente apenas logramos consegui-la; o homem que lê, como o carnívoro, é voraz, de uma voracidade em sua forma a mais repulsiva e, como o carnívoro com o estômago e com a saúde do resto do seu organismo, acaba com a cabeça e arruina por completo sua inteira existência intelectual.

[...] Acontece que a nossa época, como um todo, há muito tempo já deixou de poder ser tolerada, ele disse, apenas onde vemos o fragmento é que ela nos parece suportável.

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Thomas Bernhard nasceu em 9 de fevereiro de 1931 na cidade holandesa de Heerlen e morreu em fevereiro de 1989 na cidade de Gmunden, na Áustria. De sua extensa e polêmica obra, com a qual conquistou de seus contemporâneos o respeito como um dos maiores prosadores em língua alemã deste século, podem-se ler em português: "Árvores Abatidas" (Holzfällen), traduzida por Lya Luft para a Editora Rocco do Rio de Janeiro em 1991; "O Náufrago" (Der Untergeher), traduzido por Sérgio Telarolli para a Cia. das Letras; e seu último romance, "Extinção" (Verlöschung), na tradução de José Marcos Mariani de Macedo, também para a Cia. das Letras, ano 2000.

O texto, cuja tradução fazemos chegar ao leitor, é uma compilação de três fragmentos de "Alte Meister" [Antigos mestres] (Suhrkamp 1988, pág. 39-41), que Bernhard denomina “uma comédia”. Sob o título "Elogio do Fragmento" [Lob des Fragments], o suplemento dominical do jornal Die Zeit, de Hamburgo, apresentou ao seu leitor uma espécie de primeira leitura da obra, então, em lançamento.

Com sua fina ironia, seu ceticismo mordaz quanto às possibilidades do ser humano em sua fase dita pós-moderna, Thomas Bernhard nos arrasta, inapelavelmente, para o centro mesmo do debate literário deste final de século.
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