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Cronicas-->Amor Proibido -- 01/05/2013 - 00:50 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

 

Como não lhes possa dizer o nome, sou como um apresentador falso; sinto minha fraqueza ao admitir a ideia de não poder lhes dizer de quem se tratam os personagens. Já também não sei se eles já não fazem parte de minha mitologia pessoal. Talvez sim, talvez como os reflexos de Borges ou as infinitas possibilidades de Cortázar ou o enigma proposto pelas esfinges de todas as épocas e gostos de nossa humanidade, eu lhes diga: Está bem, procurei os nomes deles nas escadarias de todas as bibliotecas do mundo, e não os encontrei em nenhuma. Nenhum rosto se pareceria com o rosto dela, a suave menina que morava em humilde casa, num bairro longínquo de qual cidade, não importa: Seus olhos tinham a cor do mel e num deles se divisava uma discreta verde chama, de tal forma que se  a olhasse de perto, o espanto pelas duas cores de seus luminosos sorrisos se esfumaçasse, tal a graça com que ela remexia os cabelos em cachos, com as lindas orelhas mínimas ocultas e, de quando em quando, um brilho se divisasse por conta do brinco de pérola, presente de um aniversário especial.

Ousaria dizer uma coisa, que se não fosse uma personagem, talvez ela saltasse daqui e se lançasse ao espaço, para ganhar os contornos de sua cintura adorada, de seu corpo bem feito, de suas mãos macias e , fazendo um gesto brejeiro, dançasse com todos do bairro aos seus pés. Talvez ela assim sonhasse, nas suas horas mais íntimas (que toda mulher tem) e assim pudesse saber que a vida é breve e mais vale ser vivida a pleno poder. No entanto, ela tinha os pais severos. Ela costumava dizer, aos amigos da escola que a desejavam, às amigas que lhe invejavam ou ao dono da padaria, que "toda donzela tem um pai que é uma fera"; nunca ninguém duvidou da severidade de seu pai nem da astúcia em desarmar seus segredos de menina-moça  que sua mãe possuía. Saber-se assim vigiada cria hábitos seguros, de modo que o que ela menos desejava era dar motivos a eles de se envergonharem dela.

--Onde vai com esse brinco, menina?

--Vou passear por aí. Vou viver meu sonho, afinal, e descer de uma carruagem de nuvens, até a padaria.

--Você ouviu isso?

--Deixe estar, meu querido. Coisas de menina. Ela volta, você sabe, ela sempre volta.

Lá ia a moça, toda encantos, com seu andar recatado e seu vestido de louça, como ela costumava escrever em seu livro que um dia ela iria ver publicado; eles ainda se orgulhariam dela, ah se iam. E se chegasse em boa hora, quem sabe ainda estivesse lá o menino de lábios grossos por quem ela arrastava uma asa, quem sabe. Um torvelinho se avizinhava dela, ela não sabia bem o quê. Sonhos confusos a colocavam perto de um lindo rapaz de rosto turvo. Suas feições se adivinhavam, até porque ele era mais alto que ela. Tinha vontade de perguntar à sua mãe o que era aquilo e só de pensar, tremia ao imaginar a resposta.

--O que queres, linda menina?

--Seu Bartolomeu, quero quatro pães. E um litro de leite.

O português se derretia com sua resposta, já de cabelos prateados mas com um certo encanto que se adivinhava de sua juventude. Ela remexia os cabelos, enquanto ele a olhava com deleite. E tome os pães, leve um de graça, que tudo o que tens me faz bem, ora pois. Ela se ia, em sua carruagem de nuvens, com seus tênis de cristal (que toda mulher tem) e pousava embevecida em seu jardim de rosas podadas e bem conservadas pela laboriosa mãe, ciosa de que ali, mesmo sendo um lugar humilde, não podia faltar a beleza.

Pois foi ali, oh Deus, que um certo moço passava. Ela decerto sentiu a picada de uma invisível seta e nem sequer ouviu a pequena risada de lábios aéreos como o que ela imaginava nos lábios de seu sonhado amigo imaginário. Não deixou de notar que ele entrara em uma casa que ficava ao lado da sua. Quem era ele que morava ali e jamais se fizera notar? Envolta nas brumas, passou pela sala como se pisasse em algodão doce.

--Que acontece com você?

--Nada!

--Venha comer.

O menino que entrara ao lado de sua casa acabara de se mudar para o bairro. Tinha só a mãe, porque o pai tinha sido um policial e morrera em um acidente; ela o cercava de esmero, carinho e cuidados. Ele se sentia sufocado e  procurava seu espaço sem jamais desrespeitar aquela que compensara a dura ausência de seu pai com um esforço enorme, fazendo-o estudar e fugir da fácil vida que os meninos de sua idade procuravam, fruto da violência e desamor de lares desfeitos. Ele  jamais imaginaria que o pequeno vulto que vira de longe pudesse lhe trazer tanto alvoroço, pois nem a conhecia. Perguntou à mãe se conhecia os vizinhos. Ela disse que não ainda, mas sabia serem simpáticos e que tinham uma filha. No entanto, ela já lhe preveniu, primeiro os estudos, depois o amor, já lhe dando o limite que tanto temia.

Então era ela! A moça de lindos cachos, olhos luminosos, aquela que ele vira subindo a calçada com os pães nas mãos, de ar sonhador, era ela!

Acontece que seus quartos estavam um ao lado do outro. Suas casas humildes eram grudadas, de tal sorte que o que um fazia, o outro escutava. O primeiro a descobrir a fenda na parede foi ele, ao ver uma réstia de luz desenhar um vulto na parede de seu quarto. Imaginou que fosse sua princesa envolta num manto, imaginou que fosse um cavalo alado; imaginou que estalava talvez um seu calcanhar, ao esticar seu corpo antes de dormir. Imaginou que poria tudo a perder se ela descobrisse, deixou vir o sono e sonhou com as tais nuvens de cristal e em sua fantasia, imaginou-a despida, nua como viera ao mundo, a olhar embevecida para ele, sem nenhuma malícia, porque o que os envolvia era a magia de um amor desenhado há milênios no mais alto dos montes. Ah, quimeras, esfinges, fontes do Paraíso, porque assim tratam a nós, mortais? Suas pegadas já não nos fazem sofrer tanto com os martírios da velhice, porque é na mocidade que concentram suas mais sábias energias?

Ambos sabiam que, desde aquele momento, se amavam, mesmo que só fossem silêncios que escutassem;A música que os tocava vinha das flautas de campos perfeitos, onde os regatos corriam céleres, onde os juncos sussurravam seus segredos a quem quisesse ouvir mesmo proibidos pelos que os tinham confessado. Nos rios miríades de peixes se enrodilhavam aos seus pés, em doces danças; ninfas lhes afagavam os cabelos, tanto os dele como os dela e de um certo recanto mais oculto, vinha o riso de um pequeno  deus, o mais poderoso de todos( porque move o mundo).

Depois dele, veio a descoberta dela. Procurou ver com seus próprios olhos o que imaginava, porque toda mulher no fundo é curiosa, mas nada conseguia ver. Ouvir, ela ouvia e mais de uma vez o surpreendeu ressonando e o imaginou ao seu lado, suspenso por um tal milagre que o tivesse feito passar pela fenda, ah como sonham as moças; mas o que via era talvez o reflexo de uma imagem invertida, imaginando um divertido efeito de lente. Um dia, talvez já farta de estudar, talvez porque não mais aguentasse esperar, deu uma pequena batida. Com o coração suspenso, esperou a resposta. Qual não foi a surpresa quando ouviu a própria voz dele do outro lado...

--Não acredito em fantasmas.

E foi assim o início de conversas intermináveis, que varavam as madrugadas. Ela lhe contou de todos os sonhos que tinha; ele os incluiu nos dele e ambos já sabiam que eram feitos um para o outro, mesmo sem se tocarem. A mãe dele só notara que ele ficava mais no quarto que na sala. Claro que ela atribuiu isto ao seu esforço em ser bom aluno. Já os pais dela a viram magra, como se algo a fizesse ser mais sonhadora que o costume. Ela continuava assim um caminho já trilhado por tantos e tantos amantes quantos são os passos de toda a humanidade.

Ele aprendeu com ela quais as fantasias que lhe apeteciam mais; aprendeu que toda mulher é bela, mesmo que não vista, porque se lhe vai na alma o que o homem esqueceu com o passar das eras, a suavidade do amor inocente ou, talvez, a beleza de saber contemplar uma aurora sem o compromisso de se saber seu início, seu meio, seu fim. Ela sempre ralhava com ele:

--Sim, já vem a aurora. Mas, veja, surge no horizonte a sombra do sol. Aquecem-se as ocultas estrelas. A lua aguarda nas nuvens seu eterno parceiro. Enfim, porque não pensar em um eterno recomeço?

--...É que com ela, vem o dia, em que me afasto de ti!

Ambos deveriam seguir os ritmos que lhes demandava o mundo. Ele, às voltas com os livros, ela às voltas com as notas que infelizmente despencaram. As dele, nem se fala.

E de noite, ao altear o brilho de prata da rainha dos poetas e das musas, veio a indefectível pergunta que partiu dos dois, entre risos dele e lágrimas dela. Coube a ele formular:

--Quando, mas quando nos encontraremos para selar nosso encanto, afinal?

Ela, mais do que curiosa, no ardente degredo de sua torre perfumada, também quis saber. Partiu dele a sugestão, porque afinal alguém tinha de fazê-la. Espera-se isso do homem, assim como se espera da mulher um certo enlevo em seguir os passos do herói.

--Você conhece o Lago do Parque de Nino?

--Sim!

--Vamos marcar para amanhã de noite!

--Esperemos todos dormirem!

--Então nos veremos finalmente!

--Não vejo a hora!

E se confessaram amantes; e se disseram futilidades. E se souberam   maravilhosos, porque os que se amam se tornam em deuses, protegidos pela luz etérea da deusa do amor e da beleza. Porque se sentissem eternos, sem pensarem nas possíveis implicações e riscos, ela se ofereceu para ir antes, aguardando-o perto do lago. Ele pensou um pouco, achou melhor que fosse ele o primeiro a ir. Ela estudaria o terreno e veria as marcas que ele lhe deixaria, e seriam as peças de um jogo de damas que ele tinha há anos; assim, ela identificaria os seus passos.

Acontece que o destino nos prega peças. Quando menos esperamos, as peças do tabuleiro foram mexidas. No labirinto que é nossa existência, o Minotauro sempre nos espreita. No caso dele, quando saiu furtivo, confundiu-se com a noite, num caminhar cuidadoso. Àquela hora, caminhar pelo bairro era perigoso e ele sentiu uma ponta de medo e uma urgência de voltar. No entanto, a escolhas foram feitas e as Parcas já remexiam em suas ferramentas. Ele escolheu as peças e as deixou caídas no caminho que sabia que ela trilharia e no instante em que a imaginou como no sonho que tivera, evaporou-se todo o temor. A força de um amor como este, o deles, diviniza todo o esforço e não se surpreendeu chegando veloz ao local combinado; lá ao longe, um poste de mercúrio iluminava com sua luz vermelha a superfície do Lago de Nino (ninguém sabe a razão do nome) e ele ficou ali a espera. Talvez não fosse melhor voltar? Ele a imaginava tensa, pequenina na escuridão, saindo sorrateira de sua casa, àquela altura com o coração aos pulos: E se meu pai acorda? Ele tem o sono leve! Mas...E ele, como estará? Sozinho, naquele ermo, quem sabe que feras enfrentará só para me...ver? E ela, como ele, voou sobre nuvens, como fazia pela manhã de todos os dias, quando ia à padaria de seu Bartolomeu; ia toda encantada, cheia de luzes nos olhos e o sorriso pleno de flores.

Não, nada havia a temer. Porque lá estava ele, ao pé da árvore. Com a roupa que ela sempre quisera ver nele: Jeans, camiseta, um estranho boné. E ela com sua calça justa, com seu tênis de cristal(que toda mulher tem) e uma camiseta em que se lia Amor, chegou ao encontro que selaria o fim de uma longa espera e um eterno recomeço.

Seu Bartolomeu sentiu a falta dela em sua padaria, nos dias que se seguiram.

Hoje, quando os namorados vão à Lagoa do Nino, costumam olhar para o céu. Lá, perto da Ursa Maior, duas novas estrelas cintilam.

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