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Infanto_Juvenil-->MENINOS DA ROÇA -- 03/05/2007 - 12:20 (Hull de la Fuente) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

MENINOS DA ROÇA


Quando siá Doninha finalmente permitiu que os netos fossem ver o terreno que estava sendo preparado para o plantio da mandioca, foi uma alegria só. Menino de roça se diverte é com a natureza, com a bicharada e com as lendas e fantasias de suas próprias cabeças. Menina e Zico não fugiam a essa regra. Cada hora do dia era vivida uma “aventura” diferente. Nos primeiros passos sobre o terreno recentemente queimado, foi gostoso pisar na terra fofa e lambuzar as botinas na cinza. Descobriram grandes tocas de tatus canastra, cujos ocupantes já não moravam ali.

A visão das tocas vazias aguçou a fantasia de Menina, que gostava de pensar que os tatus cavavam túneis gigantescos, para, através deles, chegar ao Japão e destelhar as casa dos japoneses. Desde que Dom Mozart, seu pai, contara que o Japão e a China eram países que ficavam do outro lado do mundo, sob os pés dos ocidentais, a garota vivia imaginando como seria aquele mundo. Agora diante do buraco de tatu, cujo fundo ela não conseguia ver, a fantasia a fez pensar em voz alta:

_Bem que eu queria ver a hora em que o tatu canastra chega lá no Japão...

_Por que, moço? – perguntou entre surpreso e curioso, Zico.

_ Ora! Pra ver a cara deles...

_ De quem? Do tatu ou do japonês?

_Acho que dos dois. No Japão não tem tatu, eu acho. Ou será que tatu é japonês? Vai ver que é por isto que ele cava buracos, pra poder voltar pra casa dele.

_ O papai não falou nada de tatu no Japão – lembrou Zico.

_ Se lá não tem tatu, mesmo assim eu queria ver o japonês quando ele vir o tatu entrando pelo telhado da casa dele. O japonês vai sair correndo quando olhar a cara de rato, do tatu canastra...

_ Tatu tem cara de rato? Onde você viu um tatu?

_ Tem sim! Até o bigode de rato ele tem. Tatu é um rato grande com um casco que parece uma sanfona nas costas.

Zico ficava de queixo caído diante da sabedoria de Menina. Mas, por outro lado, às vezes, ele também duvidava de tanto conhecimento e, quando isto ocorria, a pergunta surgia na ponta da língua.

_ Onde você viu o tatu canastra? Quem disse que ele fura a casa do japonês? Você já viu um japonês?

Duvidar de suas estórias era coisa que Menina não admitia. Dando asas a imaginação, a garota respondia tudo, nada ficava sem resposta.

_ Você é pequeno, Zico! Gente pequena não sabe de nada. Eu já vi tatu canastra, sim. Foi lá na casa do “seu” João, o caçador. E ninguém nunca viu um japonês, por que eles moram em baixo do chão. Mas eles existem, o papai falou que vai trazer uma revista que tem fotografia de gente japonesa.

Zico ouviu a explicação da irmã e continuou protestando:

_ “Moço”! Você também é pequeno como eu. A gente nem pode ainda ir pra escola.

_ Tá bom, Zico! Eu sou pequena, mas você é menor do que eu.

A garota resolveu dar por encerrada a questão e voltou sua atenção para o outro lado do terreno. Avistou uma carcaça de porco espinho, que só foi reconhecida por causa dos espinhos em volta da ossada. Ela e Zico olharam os restos da ossada e penalizados se entreolharam em silêncio.

Um pouco adiante avistou várias Flores do Fogo. Siá Doninha dizia que aquela era a “flor do diabo”, só por que nascia das cinzas. O vermelho das flores era vibrante, e elas lembravam brasas suspensas. Menina olhou-as receosa. Se a flor era do diabo, melhor seria manter distância. Vai que o capeta estivesse por ali, invisível, olhando quem se aproximasse da flor. Era melhor se afastar logo. Com medo, ela fez sinal de silêncio para o irmão, depois apontou as flores e sussurrou no ouvido dele:

_ Zico! Vamos sair daqui! O capeta deve estar olhando as flores dele, não diz nada não, ele pode escutar...

O garoto sacudiu a cabeça em sinal de obediência e silenciosamente se afastaram das flores. O terreno parecia não ter fim. Os pequenos continuaram andando até o momento em que Zico avistou algo e chamou a atenção da irmã:

_ Olha! Lá no canto, uma baleia! Vamos ver de perto?

Menina virou-se pra direção apontada. Viu um enorme tronco preto e cinza que jazia nos limites do terreno, era próximo da cerca. Curiosos, correram até lá. Ao chegarem perto, diminuíram o passo e Menina disse:

- É só um tronco queimado. Parece mesmo a baleia dos desenhos do papai. Vamos dar a volta pra ver o que tem atrás dele?

Os garotos contornaram o tronco. Descobriram que no interior dele ainda havia fogo. Zico preocupou-se:

- Moço, a gente não pode ficar aqui. Está vendo? Ainda tá queimando.

A garota olhou por onde o fogo já havia passado. Parecia um túnel. Concluiu que aquele era o jequitibá que fora desprezado pelos lenhadores por causa das brocas. Agora o fogo estava se encarregando de comer o mal que fatalmente ia matar a pobre árvore centenária.

_ Sabe, Zico? Esta árvore é aquela que os cortadores disseram que não prestava. Ela ia morrer de qualquer jeito. Quando o fogo acabar, aí dentro vai ficar um buraco grande. Vai ser bom de brincar!

_ Coitada! Mas mesmo com o fogo aí dentro, ela parece uma baleia.

_ É mesmo. Só que agora a gente tem que voltar. Nós estamos perto da casa do polonês.
Ao ouvir o nome “polonês”, Zico ficou apreensivo e concordou de imediato com a irmã.

_ Tá bom! Vamos voltar! Mas a gente não achou nada de bom pra levar pra casa - lamentou Zico.

_ É claro que não! Ninguém pode aproveitar nada de um lugar onde o fogo passou. Só ficam cinzas – e olhando para o campo à sua frente, acrescentou - e aquelas flores ali, as flores do capeta.

Meses depois eles voltaram ao local, agora um grande mandiocal, rodeado por exuberante mata virgem. Dentre às espécies que existiam ali, destacavam-se as umbaúbas gigantescas, que chamavam a atenção das crianças porque das pontas dos galhos altíssimos, pendiam diversos ninhos de xexéus. Ao vê-los, Menina exclamou radiante:

_ Veja Zico! Os ninhos gigantes! Vamos ver o que tem dentro?

Para irritá-la, o garoto disse:

_ Todo mundo sabe que dentro de ninho só tem ovo!

Menina não gostou do comentário e argumentou que dentro de ninhos também tinha coisas diferentes. Pois além de passarinhos, podia ter até os homenzinhos da floresta. Ao ouvir isto, Zico mais uma vez rebateu:

_ Cadê a escada pra ele subir? Você tá inventando, “moço”!

Ainda assim a garota não se deu por vencida. Disse que os homenzinhos da floresta eram mágicos. Eles podiam fazer qualquer coisa. Até voar. Suas orelhas eram feitas de propósito, muito grandes. Com elas, eles voavam pelo mundo. Zico acreditou na estória e quis saber:

_ Eles são anjos?

Menina vibrou com a pergunta. Tudo o que ela dizia, o irmão acreditava. Então continuou fantasiando:

_ Eles não são anjos. Eles são feitos de pau. – e aproximando-se do tronco da umbaúba, viu uma orelha de pau, já bem desenvolvida. Aproveitou e mostrou pra ele – Olha! Ta vendo esta orelha aqui?

_ É claro que estou vendo!

_ Pois é daí que nascem os homenzinhos da floresta...

Zico olhou de novo a orelha de pau e perguntou:

_ Este que está nascendo aí, vai ser vermelho?

_ Acho que sim! Mas eles podem mudar de cor, quando ficam grandes. Tem homenzinho de toda cor.

Zico ouviu que os homenzinhos ficavam grandes e quis saber até que ponto eles cresciam.

_ Ora! Crescer é só jeito de falar. Os homenzinhos da floresta já nascem do tamanho que vão ficar. Eles ficam do mesmo tamanho, toda vida.

_ Ah! Eu queria ver um homenzinho da floresta. Você já viu um?

_ Eu já! Eles são engraçados. Só que eles ficam bêbados. E quando estão bêbados, eles mordem a gente. Mordida de homenzinho da floresta é perigosa. Só sara se uma fada mandar. Se não tiver fada, o braço fica seco.

_ Mesmo assim eu queria ver um. Por que só você vê as coisas, moço? Por que eu não vejo?

_ Ora! Eu sou mais velha. Quando você tiver seis anos, como eu, você vai ver tudo. Você também vai crescer... – Menina já estava preocupada com o grau da conversa dele e tentou mudar de assunto – Acho que o meu gato está com fome.

_ Moço! Você é quase do meu tamanho. Falta muito pra eu ficar do seu tamanho? Você acha que lá naquele ninho tem um homenzinho? Você pode fazer um aparecer?

Menina ficou sem saída. Ele perguntava muito. Por um pouco, ficou calada, depois se lembrou do estilingue que levava no bolso e falou com ele:

_ Vamos derrubar um ninho. Lá dentro pode ter um homenzinho dormindo.

_ Eu não trouxe o meu estilingue! - Lamentou-se o garoto.

_Não faz mal! Eu trouxe o meu. Vamos deixar os gatos no chão e vamos procurar pedras pra atirar.

_Eu pego as pedras pra você. - Ofereceu Zico.

Menina viu o cuidado com que ele deixou a gata no chão. Ele era muito carinhoso. Ao se verem soltos, os gatos se espreguiçaram longamente e foram sentar-se sob os pés de mandiocas. De lá ficaram olhando preguiçosamente, os pequenos.

Menina começou a atirar pedras no maior dos ninhos. Com a primeira pedrada, as aves que estavam dentro voaram pra longe. Ela aproveitou para dizer que naquele ninho não tinha nenhum homenzinho. Então escolheu outro. Quando atirou a pedra nenhuma ave saiu de dentro. Zico exultou. Naquele certamente haveria um homenzinho da floresta. A pontaria certeira da garota logo surtiu o efeito esperado. Quando o ninho caiu, até os gatos chegaram pra perto para olhar. Dentro estavam três filhotes de xexéu, mortos, quase secos e fedorentos. Havia alguns vermes perto deles. Provavelmente os pais abandonaram os coitadinhos e eles morreram de fome. O mau cheiro afugentou os gatos. Os dois irmãos sentiram náuseas. Zico ficou decepcionado por não ter encontrado o homenzinho da floresta. Afastou-se do ninho, tapando o nariz com os dedos. Preocupado perguntou:

_ E agora, moço? O que você vai fazer com os passarinhos mortos?

Ainda com o estômago embrulhado, Menina pegou o ninho comprido e encardido como um saco de estopa. Procurou um lugar onde pudesse pendurá-lo. Terminou pendurando-o no arame farpado da cerca. Tinha esperança de que os pais das criaturinhas mortas viessem ali, visita-los. Enquanto se afastavam do ninho, ela disse para o irmão:

_ Tomara que a fada que protege os passarinhos, encontre a mãe deles e diga que eles morreram.

Depois, cada um pegou seu gato e prosseguiram tagarelando animadamente, até o final da cerca.

(Trechos do episódio “O POLONÊS E O MANDIOCAL”, da série de contos “A Menina da Chácara” )

(Hull de La Fuente)



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