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Contos-->Ares de Buenos Aires -- 16/09/2001 - 14:34 (Felipe Cerquize) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era um dia chuvoso. Eu estava vestido no melhor estilo Carlos Gardel, em pleno centro de Buenos Aires. Entrei no hotel Cambremon, na Suipacha, e segui em direção ao restaurante, onde começava a acontecer o “happy hour” daquela tarde-noite. Sentei-me à mesa que ficava mais próxima do quarteto de músicos que ali estava para entreter os hóspedes. Pedi um vinho Found de Cave e “mollejas” como aperitivo. O quarteto tocava alguns clássicos do tango, os quais incrementavam o sabor do vinho que havia selecionado. Fui deixando-me levar pela bebida e pela música. Já passava das nove horas da noite, quando começaram a tocar Astor Piazzolla. Pedi a segunda “botella”, um “bife de lomo” e uma “ensalada de radicheta”, que me foram servidos quase que imperceptivelmente. Estava sonhando no meio das melodias de Fuga y Misterio e de Hace Veinte Años. Ao final da segunda garrafa, percebi a presença de um senhor, aparentando uns sessenta anos, de barba e com uma calvície parcial, que também assistia àquele show especial e parecia entregar-se completamente às músicas que ouvia. O som de Adiós Nonino pareceu ser a senha para que ele baixasse a cabeça e começasse a verter algumas lágrimas silenciosas. Levantei-me, fui até a mesa onde estava e, com a solidariedade dos bêbados, perguntei se poderia ajudá-lo. O portenho pediu para que eu me sentasse ao seu lado e ofereceu-me uma taça do vinho que bebia. Começou a falar que aquelas músicas eram tudo para ele. Que a noite era tudo para ele. Que se sentia o próprio “bandoneón”. Num palco reservado, apareceu um casal, que começou a dançar os tangos que o quarteto tocava. A combinação da dança com a interpretação do clássico Libertango fez com que o homem se levantasse e fosse até o músico do “bandoneón”. Falou qualquer coisa no seu ouvido e pegou o instrumento para tocar. Um show à parte, que atraiu hóspedes e despertou a curiosidade de transeuntes que passavam pela calçada do hotel. Tocou várias canções de Piazzolla, as quais foram dançadas magnificamente pelo casal. A última música, Reminiscencia, foi interpretada de tal maneira, que podia se ver a alma do nosso amigo desprendendo-se do corpo e regendo o quarteto eufórico. Terminado o show, largou o instrumento no chão e saiu pelas ruas vizinhas ao hotel, provavelmente em busca de um café onde pudesse se sentar para refletir um pouco. Fui atrás do sujeito, elogiando-o, dizendo que aquilo havia sido sobre-humano, que, se Piazzolla estivesse vivo e visse aquilo, certamente o contrataria para fazer parte do seu grupo. “Mas ele não morreu!!”, disse o homem com a voz arrastada, os olhos vermelhos e as mãos trêmulas. Passamos uma noite boêmia em Buenos Aires, pulando de café em café, assistindo a vários shows de tango feitos para turista ver. No final, estávamos cambaleando, tomando cerveja Quilmes e escutando milongas em Palermo Viejo, uma região da cidade onde os turistas normalmente não são vistos.

O dia seguinte era sábado, dia de voltar para casa. Acordei tarde, com uma ressaca terrível. Tomei um banho, arrumei a mala e desci para a recepção do hotel, a fim de pagar a conta e pedir um táxi. Enquanto esperava pelos cálculos da recepcionista, comentei com o gerente sobre o maravilhoso espetáculo que havia acontecido, na noite anterior, no restaurante do hotel. O gerente olhou-me com um olhar de incógnita que só os argentinos sabem fazer. “Ontem, não abrimos o restaurante, senhor”. Pensei que fosse um tipo de brincadeira dos portenhos, com o qual não estava acostumado. “Faz uma semana que o nosso restaurante está em reforma”. O gerente estava falando sério. Pedi, então, para que a atendente tomasse conta da minha bagagem, fui para o andar térreo, abri a porta do restaurante e vi as mesas cobertas com toalhas plásticas, paredes quebradas e muita poeira no ar. Já ia fechando a porta, quando olhei um enorme quadro, jogado num canto, sem nenhum cuidado no ambiente em que estava. Entrei, cheguei bem perto e pude ver que era a pintura do retrato de uma pessoa bastante parecida com o colega de copo com quem estivera na noite anterior. Mais jovem, com um “bandoneón” nas mãos e um sorriso no rosto. Retornei ao gerente e perguntei-lhe de quem era o retrato naquele quadro. “De um hóspede ilustre, que havia freqüentado o Cambremon por muitos anos e que, antes de morrer, doara o quadro para o hotel”.

A chuva havia parado e o sol brilhava, mansamente. Com a cabeça em polvorosa e um horário de vôo a cumprir, a mim não restava mais nada a fazer, senão pegar um táxi, o avião e curar o mais rápido possível a maldita ressaca que fazia doer todos os ossos do meu crânio.

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Buenos Aires, si querido, no lo siento...
Andanzas por sus calles
Nocherniego adentro de la ciudad: - ¡ Más vino !
Dueños de la luz lunar, siempre solos
Otrora el amigo, los ultrajes
Nadie más a compartir el tinto
En su mosaico demasiado colorido
Óyeme , espíritu vivaz
No morriste: vives y viverás


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