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Artigos-->O Fantasma do Medo -- 10/08/2003 - 08:32 (Domingos Oliveira Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O Fantasma e o Medo

(para não dizer que perdi todas as esperanças)

(por Domingos Oliveira Medeiros)



Ele já andava desiludido há tempos. Perdera alguns quilos. Emagrecera bastante. Barba sempre por fazer. Passava quase todas as manhãs buscando o que fazer. Ou onde trabalhar. Há dois anos que sua rotina era esta. Acordar cedo. Tomar um banho apressado. Dois goles de café puro. Acender um cigarro. Pegar o trem. Balançar no trem. Apertar-se no trem. Trocar olhares com a multidão assustada. Ele tinha medo. Muito medo. Todos ao seu redor estavam com medo. Desconfiados. Apreensivos. Mal humorados. Desmotivados.



Mistura de cheiros nos vagões superlotados. Suor frio, vez por outra. Sinais de fome. Horas intermináveis. Horas de muitas horas. Que se passavam dentro de quarenta minutos; o tempo da viagem. Até a estação final. Através das janelas o filme de sempre. Passando apressado pelas janelas de vidros quebrados. Postes de luz corriam, numa seqüência de árvores, prédios, ruas, pessoas, pipas, caminhão, carroças, viaturas da polícia, folhas de jornal, que voavam, um ou outro estudante fardado. Este era o seu filme diário. Que ele assistia em pé, apertado entre a multidão que se espremia dentro do trem.



Chegada do trem. Portas abertas. Uma multidão de farrapos humanos saia de cada vagão. Silêncio geral. Só se ouviam as passadas. Apressadas. Para não perder tempo. E tempo era o que mais eles tinham. Todos, ou a grande maioria, pelo menos, estavam desempregados ou subempregados. Hora de concentração. Para a eventual entrevista. O que dizer? O que esconder? Mentir? Ou não mentir? Eis a questão. Mais uma conferida no pequeno anúncio. O endereço está correto.



A fila é enorme. Gente de todas as cores e todas as idades. De todas as esperanças e todas as necessidades. Duas vagas. Apenas duas vagas. Muita coisa para quem precisava apenas de uma vaga. Mas pouquíssimas vagas, quando ele olhava para o tamanho da fila. Recebeu a senha. Entre agachar-se e ficar encostado, de pé, na parede, assim ele avançava com a fila. Uma dor estômago avisava que o dia já passava do meio dia. O frio da manhã fora embora, e ninguém notara. O sol aparecera quente. A sede disputava com a fome a exigência de uma atitude imediata. A sede, talvez por ser mais barata, sempre acabava vencendo. E ele botava a mão no bolso, pegava algumas moedas e comprava um copo de suco, mais um gole de café, e mais um cigarrinho. A tragada era grande, a ponto de lhe deixar uma leve tontura.



Finalmente é chegada a sua vez. Mãos suadas. Recebera instruções para o preenchimento da ficha. Deixou fotos. E recebeu a informação de que aguardasse um comunicado. Fez o trajeto de volta para casa. E foi descansar. Amanhã seria domingo. Dia de eleições. E ele lembrou-se de que era cidadão. Que tinha um Título de Eleitor que valia muita coisa. Desde que fosse bem usado. E ele lembrou do seu colega de fábrica. Do torneiro mecânico. E deu um pulo da cama. Era a chance que estava faltando. O sonho não acabara.



Amanheceu satisfeito. Ele, a mulher, o filho e sua mãe, a dona da casa. Com quem estava morando desde que ficou desempregado. E foram votar. Apostaram suas últimas moedas de esperanças. E voltaram para casa. À noite soube da notícia. Lula era o novo presidente do Brasil. Abraçaram-se na sala. A auto-estima tinha voltado de repente. A esperança voltou a fazer-lhe companhia. Já fazia planos.



Sabia que no início ainda teria que ter paciência. Afinal, esperou oito anos por esta chance. Mas valia a pena esperar. Tinha a certeza, no entanto, de que seriam criadas as oportunidades que tanto sonhava. Voltar aos bancos do aprendizado. Terminar o segundo grau ou ingressar num curso profissionalizante. A economia iria, finalmente, voltar a crescer . Os empregos surgiriam naturalmente. Era uma questão de tempo. Com rigor na aplicação dos recursos, sobraria mais dinheiro para investimentos nas necessidades básicas do trabalhador. Mais de duas vagas, com certeza, iriam ser criadas. E ele voltaria a ter dignidade. A ver o seu filho sorrir. A acreditar, de novo, nas pessoas honestas e bem intencionadas.



Acreditar no seu país. Acreditar no presente. Sem medo de ser feliz. E o sonho apenas começara.



Domingos Oliveira Medeiros

20 de março de 2003

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