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Cronicas-->A Difícil Arte de Cuidar -- 06/02/2013 - 19:24 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

 

Atendo dona Janaína, 74 anos, aqui na triagem do HU. Ela é uma senhora muito simpática, tem os olhos castanho-claros e deve ter sido muito bonita quando jovem. No entanto, ela se queixa de insônia. Queixa-se de que não consegue conciliar o sono. Quando dorme cedo, acorda sobressaltada às três da manhã.  Nada aconteceu, ela apenas acorda!

--Simplesmente acordo. O gato dorme no sofazinho que tenho no quarto. O relógio tiquetaqueia no aparador, grande, luminoso. Mas meus olhos abrem. +

-A senhora acorda sem motivo algum?

Como nos melhores textos que se lê de um bom autor, sempre há um subtexto na fala dos pacientes. Por mais divertidos que queiram parecer, sempre há algo mais. Algo que a gente deve atentar. O sintoma se esconde através de máscaras, que o bom paciente consegue às vezes impor ao médico. Mas atenção! Nem todos são tão disfarçados assim.

--A senhora dorme aonde?

--Na cama de meu quarto, que dividia com meu marido.

Notar um certo brilho é comovente. Mas ainda prosseguir, quando você mesmo está triste por algo, certas vezes pode ser doloroso. Tudo numa relação médico-paciente é projeção e contra-projeção. Há os que perguntam: "Tudo bem? " e a raiva de tudo desaba sobre si. Foi você quem pediu e vem, "tudo ótimo, estou aqui com um câncer, mas tudo ótimo!" e pronto, lá se foi a relação entre você e aquele determinado indivíduo. Por isso pergunto agora: "Como vai?", "Há algo que posso fazer por você?" e mesmo assim de vez em quando ouço uma resposta atravessada.

--Seu marido...Não está mais com a senhora?

 A luz nos olhos de dona Janaína reflete uma lágrima. E eu, óbvio, e quem é que não sente? Sinto o clássico nó na garganta.

--...Não, seu doutor. Ele tinha Mal de Alzheimer. Vivemos juntos por 47 anos. Nos últimos três anos de sua vida, já não se alimentava, era agressivo e dava um trabalhão.

--E quem cuidava dele?

--Eu e meu filho, doutor. Seu Francisco, meu marido, morreu aqui mesmo, lá no quinto andar; já não tinha mais resistência para as infecções que pegou. Mas nós, eu e meu filho, só o trouxemos para cá quando estava no finalzinho. Demorou o quê, uns quatro, cinco dias. Mas foi em paz. Eu estava no quarto.Isso foi há quatro meses.

Alguém se lembra de cuidar de um cuidador? Alguém tem ideia do que é cuidar de um paciente totalmente dependente, que não se alimenta, que não toma banho, que tem de ser trocado, virado; que arranha e bate em todos os que se aproximam e que, de quebra , tem episódios de agitação, controlados com remédios cada vez mais ineficazes? Vou até citar em minha crônica aqui uma aluna, a Olívia Patatas. Ela e seu grupo, de maneira muito bonita, deu a ideia e nós organizamos, junto com Gustavo Kerr lá no UBS Vila Dalva, um evento de muito sucesso: O Dia do Cuidador. Descobrimos, entre outras coisas, que geralmente os cuidadores são mulheres de meia-idade, geralmente depressivas, com queixas de dores nas costas pelo excesso de peso nas tarefas, que pouco têm de perspectiva de vida; São pessoas amargas por conta da própria condição de vida: Eles fazem coisas que os outros se negam a fazer, ou fogem. São os clássicos carregadores de piano das famílias! Pois bem, neste dia, vieram muitas destas mulheres, que fizeram Tai Chi Chuan, que foram examinadas, registrando-se peso e pressão arterial. Que foram tratadas por um instituto de beleza...Foi comovente ver a luz nos olhos delas e a satisfação nos rostos dos alunos, vendo o resultado de sua atuação competente.

Dona Janaína não teve a sorte de cruzar com Olivia e Gustavo. Teve de se haver com a finitude dela própria e a decrepitude de um companheiro de 47 anos de vida em comum, com seu filho ao lado. Pelo menos não ficou sozinha neste processo todo!!!

--Sua insônia tem uma razão, Dona Janaína. A senhora sente falta dele, mas não acha que está na hora de se cuidar?

--Nunca tive tempo para isso, não.

--Agora vai ter. A senhora é hipertensa...

Temos em nosso hospital um ambulatório que acolhe doentes da região. Ela saiu com um aceno e pôs a mão no coração. Fechei a porta. Sentei e pensei: Fiz o meu Dia do Cuidador, mas sinto falta da turminha que bolou o outro!!!!

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