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Cartas-->ROCK É POESIA E POESIA É ROCK -- 02/07/2006 - 11:33 (Jayro Luna) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ROCK É POESIA E POESIA É ROCK
Roberto de Campos (1)

Acabo de receber pelo correio o livrote de poemas, Ópium, da autoria de Jairo Jhade Galahade [pseudônimo poético de Jayro Luna na década de 80]. Não conheço o autor, nem tenho informações biográficas a seu respeito. Sei apenas, pelo endereço do remetente que ele é de São Paulo, zona leste de São Paulo mais precisamente. Já por si, indicativo de uma postura mais marginalizada em relação ao contexto social e cultural dessa grande metrópole.
O poeta desfila pelos 33 poemas do livro as mais variadas formas (soneto, verso livre, experimentos visuais, trova) tudo girando em torno do tema da contracultura e do rock. Referências aos Beatles, aos Rolling Stones, Bob Dylan, Deep Purple David Bowie, Jimi Hendrix, The Who e Mutantes passam pelos poemas. Referências ao cinema underground e cult também: a ópera-rock Tommy, Laranja Mecânica, Rock Horror Show estão lá. O poeta demonstra um domínio singular da sonoridade em versos como: “Briluze físsil e cintila um som / Friccionadas as cordas de metal / Retilantes sibilissivos, Com / cactenassilvos ri-fis-fis-fa-tal!” (“Rock’n’Roll Circus”). No exemplo, as assonâncias e aliterações se fundem de tal forma que as palavras parecem se deformar e se justapor para compor novos vocábulos, que por si no contexto se explicam, como se fosse mesmo um solo - não mais de guitarra elétrica - mas um solo de palavras, livre, criativo sobre a escala dos fonemas.
Em “Festivaia” temos mais uma amostra desse trabalho de sonoridade: “Woodstock tupiniquim / fracasso fantástico / a vigília da polícia / Pasárgada? Não! / Guarapari”. O substantivo “Woodstock” tem uma sonoridade que se opõe à “Guarapari”, os sons fechados ante os abertos, mas “Pasárgada” - como signo da idealização - também tem sons vocálicos abertos, mas a expressão “fracasso fantástico” se interpõe entre “Guarapari” e “Pasárgada”, de forma que o “i” no final do nome da cidade capixaba que sediou um concerto de rock tupiniquim na década de 70, imitando o evento californiano dos anos 60, não teve nem a repercussão nem o dinamismo deste, de forma que entre a sociedade alternativa, preconizada pela contracultura que teve seu auge naquele evento, se vê minimizada e estigmatizada no evento sul-americano. Assim o “i” do final de “Guarapari é o resultado de algo que vinha perpassando os versos da estrofe, já na definição do verso primeiro (“woodstock tupiniquim”) e no terceiro verso: “a vigília da polícia”, conotando todo o clima de censura e de ditadura que dominava o Brasil.
Na estrofe seguinte, o festival de Saquarema, faz referência ao casuísmo e a improvisação dos eventos artísticos no país: “tudo confuso Confúcio em saquarema”, valorizando a garra dos artistas, que apesar das adversidades lutam para colocar sua obra à mostra: “mas a música... sem problemas! / sonho de nausícaa”. Na estrofe final de “Festivaia”, o recente festival de Iacanga na assonância “entre mangas, pitangas e tangas”, e mais suavemente no antepenúltimo verso: “deu saudades de torquato, o pirado”.
Em “OM”, o mantra se apresenta vinculado ao vocabulário de tal forma que quase todo o poema se funde na sonoridade da palavra sagrada dos vedas: “Balança o candelabro ao som de suaves címbalos / Com um bombom na boca à alquimia me lanço / Derretido o campanil dos sinos eu danço / Como um arlequim no camarim de seus tímpanos” Os “am”, “im” e “om” criam uma progressão melódica que não temos outro termo para defini-la em poesia do que o conceito de melopéia poundiano.
Em “Haxixe” a experimentação sensorial se concretiza também no som das palavras: “Ó louco ser que experiência / Com um milhão de orelhas & olhos! / Quando com Luzbel negocia / Qual o herege Allen não me tolho”. Aqui, orelhas - olhos - Allen - tolho sugerem uma relação harmônica de tal forma que os dois personagens citados (Luzbel e Allen) tem uma continuidade, eu diria, metonímica. Os dois LL de Allen, unidos no centro da palavra, aparecem separados, em oposição ao início e ao final do nome demoníaco. Vejo, pois, nos dígrafos “LH” a relação entre Luzbel (o Demônio) e Allen Ginsberg (o Homem). Os sentidos (visão e audição) devem ser assim aguçados para se compreender essa sonoridade poética. A epifania não está na referência ao experimentalismo com alucinógenos ou drogas, mas na articulação envolvente com as palavras, essa me parece ser a lição do poema: “Para ter visões apocalípticas / Tu entregas tua alma estertora / De cadente rota elíptica / Por uma poesia transgressora”.
No caligrama ao modo de Apollinaire que é o poema “Fendrix”, sonoridade e forma se interpenetram e as notas musicais transformam-se em signos no poema: “O / s/om/da/musa/toca-/da:/mi/fá/sus/sol/jus/lá/pus/si/dó/
nus/ré/luz/mi/fá/mus/sol!” Essa é a seqüência de sons que formam o braço da guitarra.
Assim a poesia de Jairo Jhade Galahade se apresenta como uma das mais gratas revelações entre os jovens poetas marginais, não tanto pela temática ou pela habilidade de se utilizar das diferentes fôrmas poéticas, mas pelo trabalho com as palavras, pela riqueza sonora com que transforma seus versos em cantos melódicos de grande riqueza sonora.

Publicado originalmente no jornal literário Gazeta Poética, Ribeirão Preto-SP, em dez./1986, p. 2-3.
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Notas:
1.Poeta, professor e editor do Jornal Literário Gazeta Poética.
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