Numa daquelas chuvas que cantarola sobre o telhado, na rede me sentia só...
Me dava um frio, que parecia não passar. Vinha a mamãe, deitava a vovó, contavam estorinhas, mas ficava sempre vazio e eu nãp sabia explicar. Em casa a luz parecia estar sempre escura, o meu peito parecia pesado e a garganta sempre apertada. O dia inteirinho era assim. Até que pela tardinha já começava a sentir um certo alívio e quando um carro vermelho encostava junto a janela do meu quarto. Ah meu Deus! Meu coração só faltava sair pela janela!...
E com o sorriso nos lábios ele abraçava minha irmã e me acolhia nos seus braços de formas que nem sentia mais medo, nem saudade... Era só alegria. Queria poder dizer a ele o quanto ficava feliz, mas não sabia ainda dar nomes a minha emoção. Na verdade não sabia ainda dar nó em meus sapatos, nem escovar os dentes direito, mas o levava no quarto e junto com minha irmãzinha apresentávamos os nossos trabalhos de escola e de toda obra que durante a semana ficamos inventando, ao pensar nele.
Ao redor o tempo passava; não nos importava, até certo ponto, pois procurávamos consumir toda a sua energia e ele tão meigo e atencioso, brincava com a gente de casinha, de cachorro, de esconde-esconde, de trem, de amarelinhas e de rodas. Contava estórias e eu pedia que ele as repetisse sempre, pois as vezes tinha a impressão que ele iria embora... Meu coraçãozinho começava a bater todas as vezes que ele olhava o seu relógio.
E quando a mãe nos chamava pra tomar banho, era o fim. Entrava em pânico, dobrava o beicinho e começava a chorar... Ele ia saindo de fininho e eu me agarrava em sua camisa, com os olhos em tempestade, pedia pra ele ficar. Quase sempre ele metomava no braço, me dava o banho e me fazia deitar, meu coração batia em desarmonia, ora em pesâdelo, ora em agonia; como um animalzinho que a mãe prepara com carinho pra depois matar.
As luzes apagavam. Eu e minha irmã no calor do seu corpo... Ele contava estórias e tentava nos ensinar a rezar e quando ele pensava que dormíamos, de mansinho ia sair, eu abria os olhos e dizia perguntando: Pai...Pai! Porque tu tens que todas as vezes ir embora?
No silêncio sentia a dor mover-lhe o peito, em seus olhos a resposta contradizia a boca, mas eu fingia entender pra não deixá-lo embaraçado.
Na ocasião ele beijava minha fronte e de minha irmã, dizendo baixinho: Filha amanhã será um novo dia, vocês precisam ir à escola, durmam com Deus, que corre mais depressa a semana, e eu poderei vir vê-las outra vez. |