O Estado de S. Paulo - 21/01/2013
EDITORIAL
QUILOMBOS IMAGINÁRIOS
A Base Naval de Aratu, na Bahia, é famosa por recepcionar presidentes da República
,que precisam descansar. Mas é também uma das muitas áreas que há algum tempo
estão no centro de disputas fundiárias entre os detentores legais das terras e
pretensos quilombolas, incentivados por ONGs anticapitalistas financiadas por grupos
estrangeiros e que são craques da propaganda. Graças a um decreto de 2003, da
lavra do então presidente Lula, "quilombos", com as necessárias aspas, multiplicamse
pelo País, debilitando o direito à propriedade da terra, que é um dos alicerces do
regime capitalista. No caso de Aratu, some-se ainda a questão da importância
estratégica da base e tem-se um quadro completo de irresponsabilidade, que nada
tem de acidental: o objetivo é transformar pessoas pobres, que se apresentam como
remanescentes de quilombos, em "novos sujeitos políticos", eufemismo acadêmico
para massa de manobra.
No começo do ano, quando a presidente Dilma Rousseff estava hospedada em Aratu,
moradores de uma comunidade que se diz "quilombola", localizada a 500 metros da
base naval, fizeram um protesto no local para denunciar ações de violência por parte
da Marinha. Segundo os líderes dos moradores, a intimidação tinha o objetivo de
forçá-los a deixar o local. A Marinha pretende expandir a base e entrou na Justiça
para exigir a desocupação da área em que se encontra a comunidade, de cerca de
500 habitantes. Em agosto do ano passado, a Justiça Federal ordenou o despejo
desses moradores, mas houve recurso por parte da Defensoria Pública. O Incra
reconheceu o local como pertencente aos "quilombolas", atribuindo-lhes 300 hectares.
A Marinha, porém, alega que a área foi desaproplhdâ na década de 50, "mediante
prévia indenização", e que os documentos levantados evidenciam que as pessoas
que ocupam o local não seriam remanescentes de quilombos".
Essa absurda situação só é possível porque o decreto de Lula diz que "a
caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada
mediante autodefmição da própria comunidade". Ou seja: basta dizer-se quilombola
para se tornar um, com direito a um pedaço de terra, onde quer que seja. A
arbitrariedade se concretiza no parágrafo 3º do decreto, que estabelece que a
medição e a demarcação dessas terras levarão em conta "critérios de territorialidade
indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos".
O decreto tem o objetivo de regulamentar o artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. Nem é o caso, aqui, de lembrar que as disposições
transitórias têm de ser tratadas por lei complementar, e não por decreto. O problema
maior é que o tal decreto ignora o que diz o artigo 68 "Aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a
propriedade definitiva". O texto, portanto, diz respeito a quilombos que existiram de
fato, e não aos que só existem como pretensão a conferir. É este o caso de Aratu. A
tal comunidade "quilombola" reúne pessoas que não são dali, mas do interior da
Bahia e de outros Estados, e que se definiram cdSp.Q "quilombolas" somente 2011,
quando o processo aberto pela Marinha encaminhava-se para um desfecho
desfavoráveí aos moradores.
Situações semelhantes de confronto com comunidades que se dizem quilombolas
ocorrem na Ilha de Marambaia (RJ), onde fica uma base de fuzileiros navais; e em
Alcântara (MA), onde a Aeronáutica mantém seu centro de lançamento de foguetes.
Houve ainda um caso em que a Venerável Ordem Terceira de São Francisco da
Penitência perdeu a propriedade sobre uma área na zona portuária do Rio de Janeiro
porque famílias que moram no local se disseram remanescentes de um quilombo. A
Ordem tem documentos provando que é dona do local desde o século 17, mas isso
parece não ter importância. Assim, se nem as Forças Armadas e a Igreja são
obstáculo real para essa "reforma fundiária" com base em elásticos critérios raciais e
históricos, é improvável que os cidadãos comuns consigam defender sua propriedade
caso se decida que ela pertence a algum "quilombola".
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