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Artigos-->Passando em Revista: Blitz c/ Ramon Maia -- 06/08/2003 - 12:47 (Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Passando em Revista: Blitz

Questões para Ramon Maia, por Lúcio Jr.





1. Ramon, você acha que um estímulo negativo pode fazer a pessoa criar, como por exemplo, a perversão do Sade, ou aquela experiência do Polanski, de perder a família em campo de concentração?

Essa questão me remete ao início de meu curso de Filosofia, às aulas da professora Telma Birchal em que líamos um livro de Gerd Borheim - recém falecido – intitulada Introdução ao Filosofar. Nela, Gerd Borheim acentua a importância da admiração do mundo na experiência aristotélica para, em seguida, concluir o livro afirmando que a experiência do negativo é a experiência radical para o filosofar.

No que tange à arte, não acredito que só se possa criar a partir da experiência do negativo, de experiências radicais, como você citou, a perversão de Sade, a experiência de ter a família em campo de concentração no caso de Polanski. Mas acredito, por outro lado, que a experiência de situações-limite pode oferecer um manancial rico e fértil para a criação artística; o que não significa dizer que basta passar estas situações que a obra “brotará” ou “fluirá”, para usar uma expressão do irracionalismo da moda. Penso que para o nascimento de uma obra de arte nessas circunstâncias são necessários trabalhos de conformações e enformações estéticas dessas experiências de situações-limite para que o trabalho venha a obter o estatuto de obra de arte, para que venha minimamente ganhar relativo, que seja, poder comunicacional.

2. Como se dá a sua militância política? O intelectual pode militar politicamente sem virar mero tarefeiro e sem ser "centralizado" pelos líderes de uma tendência ou partido?

A cultura política no Brasil ainda é refém do gesto, da palavra e do comportamento das lideranças políticas. Um partido tem sua hierarquia para o concurso e sucesso de seus objetivos, se eu os respeito é porque li e aceitei o estatuto do partido, e se aceito a autoridade de outrem no partido é pela função que ela ocupa na hierarquia do partido e a função que eu ocupo de acordo com os estatutos. No entanto, meu partido - PT - tem instâncias de decisões as mais democráticas, além do que, a possibilidade de os militantes de se organizarem em tendências é um canal aberto para a liberdade de pensamento, sem contar que eu elejo o presidente do meu partido diretamente. Só em partidos de talhe stalinistas e leninistas diferenças não viriam à tona.



3. O que você teria para dizer para um jovem que estivesse acabando de entrar num curso como direito ou filosofia? A universidade forma ou deforma? Ou deveria fazer, para citar um autor que vc cita, José Chasin, "ensino, pesquisa e revolução"?

Eu vou me deter no caso da Filosofia. Não há como deformar o que não existe. Quem entra na universidade dominando conteúdos não precisa da universidade. Então como a universidade vai deformar? Eu penso que quem quer fazer um curso como Filosofia deve entrar com profunda humildade, disposto a assimilar um máximo de informações. Além disso, acho importante uma coisa: se você não entender o outro, primeiro não duvide do outro, duvide de você mesmo.

Para mim, universidade é ensino, pesquisa e extensão. Revolução é conjunto da sociedade civil quem a fará, não o setor “esclarecido”.



4. Como você pode ser marxista, na sociedade capitalista? Tenho visto na Internet artigos a respeito de Stálin, sua vida particular, etc, inclusive um de um escritor britânico famoso, Koba O Terrível, de Martin Amis.. Como você se coloca diante deste personagem, uma vez que Lukács, um autor que você gosta, assumidamente participou do stalinismo?

Ser marxista na sociedade capitalista é como ser burguês numa sociedade feudal, abolicionista numa sociedade escravocrata, republicano num regime monárquico, é antever o futuro.

Eu penso que é ser bastante positivista tomar Marx pela história do marxismo. As atrocidades que Stalin cometeu em nome de Marx atestam a compreensão que ele teve do que Marx realmente escreveu? Ou então tudo que se fizer na face da terra em nome de Marx estará de acordo com o que Marx escreveu?

Lukács equivocou-se a apoiar Stalin, mas levou uma vida inteira para caminhar na senda correta da compreensão do que Marx escreveu até publicar sua Ontologia do Ser Social. Obra concluída muito tempo depois da morte de Stalin que certamente o desagradaria, mesmo partidos comunistas como os brasileiros não a adotam, talvez pela incapacidade espiritual de compreendê-la.

5. No seu perfil publicado pela revista, você citou um filme baseado num livro de Chico Buarque, Estorvo. Ele não faria a tal música de raiz, ou seja, Chico não teria algo de "leguminosa cultural"?

Em primeiro lugar, citei o filme, citei Ruy Guerra. O livro não é pai do filme. Não há uma relação de filiação. Há uma anterioridade temporal, não lógica.

Falando de Chico. Chico não faz a tal música de “raiz”. Os partidários dessa música talvez nem o saibam, tamanho o irracionalismo que os habita,mas, esse tipo de música é habitada pela idéia da simplicidade, simplicidade harmônica, simplicidade melódica, simplicidade nas letras. Chico Buarque, por outro, trabalha com a simultaneidade – para usar um termo de José Miguel Wisnik – da simplicidade e da complexidade. Ele é capaz de utilizar uma harmonia cara à bossa nova, um arranjo com percussão de samba e letras complexas – riqueza imagética, aliterações, assonâncias, metáforas, neologismos. É de se registar a canção “A Ostra e o Vento” cuja estrutura melódico-harmônica é releitura de “Prelude sur la mer” de Claude Debussy. Definitivamente, Chico não é de “raiz”.



6. Ramon, você já publicou dois livros de poesia, Pluriverso e Quiasmin, mas trabalha também com vídeo e adora cinema, Bergman, por exemplo. Você faz vídeo para tentar traduzir sua poesia num outro veículo ou é outra coisa totalmente diferente? Ou melhor: você teria vários eus, heterônimos, o Ramon cineasta, o Ramon poeta, o Ramon político?

Publiquei dois livros. Estou com o terceiro pronto. Estou compondo o quarto. Fiz três vídeos. Estou finalizando um quarto. E não sei dizer o que uma coisa tem a ver com a outro. Pluriverso e Quiasmim tem uma linhagem semelhante, vêm da mesma dor. Mas os outros não sei. Se eu tenho vários eus...deixo para a psicologia ou psiquiatria a resposta.

7. Neste cenário político de guerra, qual a sua posição? Sabemos que Marx defendia a luta de classes, e que Lênin e Trotsky fizeram presos políticos e execuções como a do Czar. Existe algum caso em que você defenderia a guerra e a violência?

Luta de classes para Marx não é uma coisa do tipo: “vamos fazer a luta de classes”. Ela acontece quer queiramos ou não, de modo mais ameno ou mais rude no sistema capitalista.

Não defendo a violência em qualquer caso, só em legítima defesa. Mas acredito na paz, acredito no progesso humano, acredito que valores como a cooperação venham a superar a competição e a avareza, de modo que a violência seja desnecessária. Mas é óbvio que não vivo num conto de fadas, contra alguém que ameace a vida de outrem é preciso o uso da força. No caso do Iraque, Saddam não ameaçava a paz no mundo, Bush é um perigo para paz mundial.



8. Outro dia a gente estava batendo um papo sobre música. Poderíamos afirmar que Marina Machado e Zeca Baleiro, por exemplo, estariam representando uma nova geração na música brasileira? Suas letras de música teriam valor como poesias? E nas gerações anteriores, qual sua opinião a respeito de nomes consagrados como Caetano Veloso e Renato Russo?

Estamos sempre em busca de uma nova geração na música brasileira. Mas Marina Machado é muito pouco perto de nosso passado musical, ela pode vir a fazer sucesso, mas sucesso não é índice de qualidade. Como intérprete, em termos de técnica e alma, de escolha de repertório, acho que a grande promessa é a Mônica Salmaso

Zeca Baleiro é fraude musical, melodias pobres, rimas fáceis, sucesso não é índice de qualidade. Como pensar numa nova geração se um dia tivemos como nova geração um Toninho Horta, um Edu Lobo, um Francis Hime? E olha que não falei dos demais. Como comparar Zeca Baleiro?

Caetano Veloso é genial, pena que a soma de tropicalismo e vaidade pessoal produza a necessidade de se vender esporadicamente à indústria fonográfica. Caetano tem ultimamente gravado o “fino do brega”, mas, tem feito coisas geniais ainda do ponto vista musical e de letras.

Quanto a Renato Russo, digo apenas que do ponto vista musical nunca ouvi nada, absolutamente nada de qualidade. Ele presta um favor à indústria fonográfica por atender à parcela do mercado que era rebelde nos anos 80 e “envelheceu”. Do ponto de vista de letras, Renato Russo é, para mim, boa literatura para quem nunca leu boa literatura.



9. O governo Lula disse que tem um projeto democrático e popular. Ramon, o que significa ser popular e democrático hoje em dia? Um poema seu, por exemplo, dedicado ao Amílcar de Castro, seria cultura popular, de massa ou elitista?

Sou petista mas nunca entendi o que quer dizer projeto democrático-popular. Sob esse signo, cabe qualquer coisa.

Não tenho um poema dedicado ao Amílcar de Castro, tenho um livro, que não publiquei: Quadrilíneas. Não escrevo pensando no meu leitor. Mas, obviamente, meu leitor em potencial deve dominar os mesmo signos que eu domino, então, o leitor de Quadrilíneas deve se perfilar comigo, para bem ou para mal. Faltou vc responder à segunda pergunta; se quiser, eu a retiro ou reformulo.



10. Você já teve a revista apoiada por um clube bíblico. Qual a sua opinião sobre a Bíblia? E sobre a psiquiatria?

Sou ateu. Vejo a Bíblia como um livro, não como um livro sagrado. Alguns livros da Bíblia me interessam, particularmente, o Cântico dos Cânticos pela sua poeticidade. O apoio que a revista recebeu do CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos) se deveu à nossa opção por divulgar o trabalho de uma entidade de efetua análises bíblicas relevando-se os contextos históricos da produção textual e a relativização da sacralidade da palavra divina. Apesar de eu não crer, valorizo esse tipo de atitude concorre para o combate das múltiplas formas de irracionalismo na sociedade. Faltou a resposta sobre a psiquiatria. Se quiser, eu a retiro. Ela se refere indiretamente ao apoio da Clínica Gente.

11. Marcelo Dolabela, num de seus livros, compara o rock e o futebol, dizendo que o rock estaria incorporado na cultura brasileira da mesma forma que o futebol. Você concorda?

O rock pode até estar incorporado na cultura brasileira, mas, de uma forma lastimável. Tem-se a idéia de que o rock é divergência, é oposição, e é mesmo, lá na Inglaterra. Aqui, na década de 80 foi produto de ponto da indústria fonográfica. Para mim, associar rock com rebeldia é tentar eternizar a adolescência. E o que o rock realizou de grande contribuição para a cultura brasileira? O ruído? Dois acordes numa canção?



12. Você trabalhou com os músicos do Tambolelê, e o lançamento do seu livro Pluriverso também foi acompanhado de música. Posteriormente, sua relação com a música não teve continuidade. Citando Nietzsche, a dialética expulsou a música?

Não trabalhei com os músicos do Tambolelê. Não me lembro de música no lançamento do Pluriverso. Acho que foi no lançamento do Quiasmim, mas, acho que foi uma intervenção com percussão. Fiz umas intervenções poéticas com o Geovane Sassá na Fafich. Posteriormente, compus uma canção com o Pablo do Sgt. Peppers. Mas foi só isso. Nunca entendi de música, meus conhecimentos de música são parcos, minha grande paixão, fora a literatura, sempre foram as arte visuais. Mas não acho que a dialética expulsou a música. A música nunca esteve em mim.



13. Você é a estética da fome ou a cosmética da fome? Ou seja, Glauber Rocha ou Fernando Meirelles?

Nenhum nem outro. Sou mais Ruy Guerra, ontem e hoje. Glauber é excessivamente confuso, o que me agrada parcialmente. Fernando Meirelles e seu patético, cosmético Cidade de Deus é feitor de videoclipe; como diria Luiz Fernando Carvalho em entrevista à Bravo, aquilo não pode ser chamado de linguagem, não leva à reflexão.

Mas é sintomático não é? Lavoura Arcaica não é lembrado para o Oscar, Cidade de Deus, sim. Por que? Cidade de Deus é bang-bang, é filme de ação, não de reflexão. Planos longos como os de Lavoura Arcaica seriam enfadonhos, o roteiro não é linear. Cidade de Deus não, é sentar e ver, mais nada.

14. Queria que você comparasse dois filmes que afirmou ter visto recentemente: Uma mente Brilhante e As Horas. Outra comparação que te sugiro: Uma Onda No Ar e Cidade de Deus.

Uma Mente Brilhante é terrível. O roteiro não me agrada, é linear demais. É um típico filme roliudiano para ser consumido sem nenhuma perplexidade ou aprendizado humano. Além do que, pinta um quadro inexistente de um paciente esquizóide.

As Horas me agradou imensamente pela estrutura do roteiro e também pelo fato de tratar de um tema tabu: a morte. Sem dizer que o problema porque passou Virginia Woolf era o mesmo porque passo, o transtorno bipolar. O filme é inteligente, e saí do cinema com a sensação de que aprendi algo para minha vida. (Pensar se vale a pena publicar essa fala sobre o transtorno. Vc poderia manter uma reserva, dizendo algo como: “Sem dizer que o problema porque passou Virgínia Woolf me é familiar.”)

Já falei de Cidade de Deus acima. Resta dizer que ele é muita mais bem produzido do Uma Onda no Ar que é terrível. Atores mal preparados, roteiro patético, dá sensação de alguns diretores no Brasil pensam que basta um bom argumento que filme o milagrosamente será bom.

15. Ramon, você atualmente é, na prática, um jornalista. Existe alguém nesta área que te influenciou? Eu sei o nome de pelo menos duas figuras que, ligadas direta ou indiretamente ao jornalismo, te marcaram: Laerte Braga e Adriana Seixas. Se eu estiver correto, quero que a fale um pouco a respeito deste "pluriverso" jornalístico.

Uma questão gostaria de tocar. Os jornalistas formados pela universidade gostam de se dizer “jornalistas por formação”. Mas eu me pergunto: são formados em quê? Eles falam de política, sem nunca terem estudado sociologia, ciência política ou filosofia política; eles falam de cultura, sem nunca terem nunca terem estudado belas-artes, letras, artes cênicas; eles falam de saúde, sem nunca terem estudado medicina, biologia, enfermagem. Esse diploma vale só pelo título?

Sem falar que a exigência do título de Comunicação Social foi uma portaria baixada durante a ditadura militar justamente para impedir aqueles que tinham formação em outras áreas e que eram especialistas em política, filosofia, saúde, cultura de atuarem no jornais. Fica registrado meu depoimento.

Laerte Braga e Adriana Seixas não me influenciaram em meu trabalho. Eu os admiro mais pela dívida de afeto que eu tenho para com eles. Laerte Braga me recebeu e tratou com carinho durante o período em que estive em Juiz de Fora em 95. Ouvi-lo sempre era um prazer, era uma espécie conselheiro de nossas articulações políticas – que incluíam sua filha Stael Braga – para vencer o Encontro Nacional de Estudantes de Filosofia. Adriana Seixas tem sido meu porto seguro diante do mar agitado da minha existência, companheira de tantas horas.











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