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cronicas-->Entrevista suspensa -- 27/12/2012 - 16:13 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

 

Portaria do prédio de Kelly. Uma da tarde...

 

--Devo avisar, meu senhor.  Ela mandou dizer que o senhor, hoje, não sobe.

--Mas como? Tenho uma entrevista, ela mesma marcou.

--Se marcou, talvez tenha desmarcado.  Não sei. Hoje, não sobe.

 

Pensei com os meus botões, afinal, o que houvera? Eu não imaginava nada. Sempre estaria fazendo as entrevistas, nunca as publiquei sem a sua devida autorização. Que raio. Mulheres são complicadas. Até no estado interessante são problemáticas. Imagine no estado de lástima. O jeito é dar meia volta, caminhar sozinho chutando as latas. Caminhar sozinho lhe faz bem, seu moço. Você vê os pequenos detalhes que fazem a felicidade dos outros e o quanto isto custa. Anote: Cinco bitucas de cigarros, papéis amassados. Uma lata de lixo com um saco esparramado, aberto por gatos? Cachorros? O Natal deu as caras nas latas de lixo. Todos os presentes foram trocados. Famílias inteiras se abraçaram, perus consumidos às toneladas...Daí os ataques dos gatos, cachorros, ratos...Anote: Uma camisinha usada, jogada ao léu, no canto da calçada. Não se tem respeito mesmo, nem nessa data. Dois lápis, um rímel, papéis diversos. Garrafas, garrafas e mais garrafas, latas de cerveja, champanhes, espumantes. Só passa um guarda, solitário, digitando mensagens no celular. Silêncio constrangedor. Só o vento nas árvores... Farfalhando o resto da felicidade que modorra dentro dos lares, embalados pelos especiais de Natal. Ah não, que me perdoem, mas eu dava um braço para estar vendo o especial de Roberto Carlos!  Não há ninguém que se compare a esse moço, não! Eu ouço uns acordes: "Eu sou o cara ", e aí vai.

 

Na esquina, um velhinho com rádio de pilha, pendurado no ouvido. Lembro de meu pai, com seu rádio Sony multifaixas explorando as frequências do planeta, como se quisesse ouvir a sua própria, este pobre ser que trabalhou até ser freado pela súbita natureza. O tempo não para, não. Lembro de um filme, Contato, em que a filha procura seu pai através radioastronomia. Como se por encanto, ela recebe uma mensagem de volta, só que não é de seu pai. É de algo maior. Eu gostaria muito de ter esta mensagem de meu velho, que deve lá estar explorando as faixas de seu multi faixas no Infinito, para um dia poder lhe dizer que o que eu mais queria é que ele estivesse assim, como o velhinho, bem ali, emoldurado, ouvindo os sibilos da Rússia, de Stalingrado, da Dinamarca. E eu contando o saldo da festa, vejam vocês. Anotem: Milhares de esqueletos de cerejas. Deus do céu, fruta divina. Cerejas, com creme ou elas mesmas, tenras, brilhantes, geladas, acompanhadas de um bom vinho, ou sem nada, só sua maciez absurda e seu sabor picante. E as roupas manchadas e os ralhos da mãe: Olha a roupa! Essa mancha não sai! Cacilda, você salivando pela fruta deliciosa e sua mãe preocupada com a mancha no raio da camisa. Natal, ah Natal. Périplo do ano novo. Estertores de um ano que foi promissor, anotem aí: Caixas e mais caixas de videogames, consoles, televisões de 70 polegadas. Lá dentro, nas casas, os pais, avós e tios modorram e as crianças vivem a magia dos brinquedos, brincam sozinhas com suas ferramentas do futuro. Fechadas em casa, cercadas de seguranças, isoladas do mundo. Esse é o mundo. Sobe, lento, um catador de papel e recicláveis, farejando uma boa colheita hoje.

Andar sozinho faz um bem danado, anotem aí. O velhinho me cumprimenta:

 

--Feliz Natal, filho.

 

Queria poder dizer isso em pessoa. Mas o mundo me tirou isso, então eu o cumprimento, pois agora seu rádio sintonizou algo estranho:

"Krishpova kransovia kraskova trattskaya"

 

--Virgem, meu senhor, o que é isso?

Ele, confuso, olha o painel.

--Presente de meu filho. Diz que sintoniza até a Sibéria. Deve ser um siberiano dando notícias.

--Que tipo de notícia haveria na Sibéria?

--Olhe, meu filho, mesmo com a minha idade, não tenho a mínima ideia.

 

A risada dele enche a esquina, me faz esquecer da entrevista de Kelly e sua furada, me faz esquecer de contar as guimbas; anotem aí! Uma fantasia de Papai Noel esvoaçando numa árvore; um pipoco de um rojão sobressalente. Talvez uma nova esperança que nasça, o velhinho sorri para mim, ouve as incompreensíveis notícias da Sibéria ou sabe-se lá de onde venha. Kelly que se dane. A entrevista? Agora, só se ela ligar. Se não ligar mais, eu entrevisto o velhinho. Afinal, não sou repórter, Kelly tem histórias demais e o velhinho pelo menos entende siberiano. Talvez seja o próprio bom velhinho disfarçado de siberiano, ouvindo um rádio que diz:

"Krashpova Krasnoiarsk tarancova"

--Já imaginou um jogo de futebol na Sibéria, meu senhor?

--Eles não iam conseguir irradiar. Primeiro que a língua congelaria. Nem Osmar Santos conseguiria irradiar !! Outra coisa, a bola correria mais rápido que as palavras em russo. Língua estranha!!!

Os velhos são sempre sábios.

"Pimbova na Gorduchkaya, Golovskaya"

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