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Cronicas-->Grace, Kelly para os íntimos -- 09/11/2012 - 18:58 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Vou contar uma história a vocês. A personagem e força motriz desta história é uma trabalhadora, uma operária do amor. Sim, ela é uma operária, constrói os muros de sua casa com a argamassa que saiu de suas noites de luxúria controlada. Calor temperado, olhos agudos, fria dureza de sílex, mãos em luva de prata. Garras afiadas, ela trabalhou muito na causa do prazer;pensou até em se candidatar! Veio uma italiana e lhe roubou o lugar, lá se foi seu sonho pioneiro de abrir um alcouce na Capital federal. Não deu. Ah, os olhos desta moça, você tem de ver. Tem olhos em que a raiva cega de um destino inexorável se transformou em determinação de uma outra coisa absoluta; ela se deu de si mesma mais aos outros, foi a doação em pessoa. Como uma usina nuclear, teve de lutar para que seu núcleo não se fundisse e ela, em destemperança, saísse espalhando o caos, a destruição. Seu centro de ferro persistiu e ela venceu. Com pulso firme, arrebanhou as amigas de quarto primeiro, depois em sociedade, inaugurou uma casa que se transformou em sucesso mas, por força do hábito, virou uma zona. Bagunça mesmo. Ela desistiu, vendeu a sua parte e com o dinheiro, viajou por plagas desconhecidas. Diz ela que conheceu um gajo no México que lhe propós o casamento. Se fez de desentendida, ele a perseguiu. Bom, foi ele quem quis, ela disse, então, vá lá, minha fama não chegou tão longe ainda, casou com o mexicano. Ele mal podia se conter e na noite de núpcias, devido à sua idade algo avantajada (ela declinou o nome e a idade dele, em deferência especial) e a um certo excesso de estimulantes, bateu com as botas. Partiu para as Caraíbas, como ela mesma disse. Enfim, depois do escàndalo todo, depois do silêncio do velório, ainda condoída de ter-lhe causado tanto dano (de certa forma irreversível) a madalena arrependida ficou sabendo, entre suas pares mexicanas, que ela tinha dinheiro, um bocado. O seu ex futuro marido, agora hirto no caixão que ela velava, era dono de táxis e lhe deixara alguma herança.
Voltou ao Brasil. Vive aqui na zona Oeste. Não exerce mais a profissão que a fatalidade lhe trouxe ( embora, às vezes, sinta certo fraco, como vou detalhar depois). Vive das rendas do que ficou com ela. Tem uma boa gerente de banco que lhe faz crescerem as economias. Ela tem uns trinta e sete anos, agora. Apresento a todos e todas, agora, nossa personagem.
--Como é seu nome?
--Meu nome é Gracykelle Nunes da Silva. Anotou aí?
--Belo nome. Um nome fora de moda! Seus pais gostavam de cinema?
--Meu pai era um danado. Nem me lembro de sua digníssima pessoa. Tinha um quê de vagabundo, embuchou minha mãe ainda na rodoviária. Nove meses se passaram, aqui estou eu. Agora, minha mãe e eu ficamos sozinhas, porque ela viera do Norte e fora morar em Goiás. O velho sumiu no mundo e ela dava um duro danado para me criar.
--Mas afinal, este nome veio de quê?
--...Pois é. Ela admirava essa moça, que depois teve as princesinhas e morreu de desastre de automóvel, no auge da vida e despencou de uma montanha. Não foi?
--Mais ou menos.
--Então. Ela sonhava que eu fosse estrela de cinema. Daí me deu este nome. Na escola era um problema, porque viviam me chamando de princesa pra lá, rainha pra cá...
--Bom, você podia se chamar Babalu, ou Antígona, sabe-se lá. Nomes são nomes!
--Pois é. Mamãe me deu este. Eu sempre fui ligada em fazer artes!
--Antes de fazer artes, o que você fazia?
O cigarro queima um pouco,ela fuma um mentolado que diz que perfuma o ar. Pelo menos não empesteia. Ela me olha comprido, às vezes volta aos seus olhos a profissional, a cínica que mede de cima a baixo, mas ela se desarma com a pergunta.
--Fui de tudo um pouco. Cresci na rua, ela trabalhava e eu me tocando. Engraçado não? A mulher, em tudo é mais romàntica. Ela se toca, o homem toca uma. Tinha uma moça que ficava comigo, que me ajudou a criar mas teve uma época em que tive de ficar só. Me virar mesmo, era chegar da escola e coisa, e tal. E a rua me chamava. O melhor liceu de artes é a rua.Você vê passar o afiador de facas, o garrafeiro, o jornaleiro que joga os jornais nas casas de portões abertos...Goiània sempre foi bonita. Quente e bonita.
--E sua mãe?
--Danada de forte. Sobrevivia, nunca mais teve caso com algum outro, que era para aprender com ela que se confiar demais em homem, dá no que deu. E ela me olhava com ternura, estamos sós mas eu lhe quero muito. Desse jeito vou chorar, bandido.
Olhos marejados. O copo de gin vai à boca. Ela me concede esta entrevista em sua casa, um apartamento da zona Oeste, bem arrumado, três quartos, cozinha, televisão três D e cachorro na varanda. Maltês. Ela pega a pequena Brenda e coça sua cabeça. Ela tem belas pernas, um belo corpo malhado em academia próxima, que ela se concede duas vezes por semana. Ela se cuida, quem sabe para o próximo equatoriano?
--É mexicano, se bobo.
--Desculpe, Grace.
--Olhe, vamos nos acertar. Este é meu nome de guerra. Para os íntimos, sou Kelly, certo?
Se há algo que a enfurece é ser chamada de Grace. Era assim que ela vendia suas qualidades, antes de se tornar mais exigente. Agora, nem pensar, de maneira que Grace, não, só Kelly. Certo? Ela se ajeita na poltrona, inquieta para continuar a conversa. Mas antes de continuar, vamos a mais uma luz sobre Grace, Kelly para os íntimos. Ela gosta de escrever, adora ler diversos autores. De Rimbaud a Baudelaire, de Crichton a Maquiavel, acreditem ou não. Podem acreditar, ela leu um poema de Rimbaud com fogo nos olhos!
--O Absinto era a cinquenta e um deles. Ele se daria bem no Brasil, ia ficar de boca aberta para sugar as gotas que vinham do teto das cachaçarias! Maluco, o menino. Que flores do mal! E olhe, influenciou tanta gente do Brasil, Renato Russo e Cazuza, veja bem!
--Fale mais sobre os seus textos.
--Eles vêm de dentro, sabe? Não acredito em nada disto. sou mais materialista mesmo, porque o bom do capitalismo é ser capitalista (bate no bolso três vezes) sabe? Mas eles vêm de dentro. Sento para escrever, Brenda me pula no colo, eu fumo um cigarro--normal, veja bem--e estas coisas me vêm.
--Sorte a minha poder ler o que escreve!
--Você acha?
--Sem dúvida. A vida escreveu suas páginas.
--E as páginas me reescrevem dia a dia.
Em resumo: Kelly, para os íntimos, é uma obreira do amor que se rendeu aos encantos da literatura. E além de ler, ela se despe de sua fantasia de deusa do amor e se vai entre seus textos, e se deixa lamber pela fera de suas lágrimas, e exorciza sua canalhice pelo amor.
Em breve, os textos de Gracykelle.
Kelly, para os íntimos.
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