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Cronicas-->A ERA DAS COMUNICAÇÕES- O RETORNO. -- 26/09/2012 - 15:22 (Aldo Votto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Há trinta e sete anos, um menino, melhor seria dizer "um guri", do sul do país incursionava arriscadamente pelo gênero da crónica, talvez estimulado pela professora de português e pelo prestígio de autores como Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino, celebridades das letras àquela época e, desde então, grandes referências literárias do país.
E outro dia, um senhor cinquentão, remexendo gavetas encontrou o texto escrito a lápis numa sobra de caderno espiral escolar. Sem se impressionar com correção gramatical e ortográfica - até porque essa muda de quando em quando -, tampouco com o estilo, o leitor do século XXI se surpreendeu com a atualidade do tema da croniqueta. E entendeu que valia a pena tentar reeditá-la com comentários:

Ainda ontem, ao sair do trabalho resolvi parar numa lancheria e pedir um cafezinho.
Sentei-me num desses bancos altos de balcão e notei ao meu lado um homem calvo, com certa saliência no abdómen. Pareceu-me alto e estava com um chapéu cinzento, o qual lhe tornava a aparência mais sóbria.

O rapazote sulista chamava lanchonete pelo nome que lhe é dado nas latitudes brasileiras que se encaminham para a Antártica e parecia descrever o seu leitor desconhecido do futuro.

Parecia bastante interessado num jornal que mantinha muito perto do rosto. Devia ter esquecido os óculos ou talvez simplesmente fosse um míope desavisado.
Resolvi iniciar uma conversa desinteressada, pois não tinha pressa e realmente o homem me chamou a atenção, talvez por ser o tipo físico que correspondia ao do homem comum, justo, trabalhador e honesto.

O leitor do futuro imediatamente transportou os personagens para a sala de espera de um aeroporto, paisagem muito frequente no seu dia-a-dia profissional. E se viu repetindo a intenção do personagem da crónica. Só que no seu tempo, o leitor de jornal da crónica antiga, mexia num computador portátil do tamanho de uma prancheta e aparentava ler o que parecia ser um jornal.

- O senhor tem fósforo?
Sem mesmo um piscar de olhos, me respondeu fria e indiferentemente:
- Não.
Depois de ter conseguido fósforos, arrisquei:
- Aceita um cigarro?
- Não.

Impossível! Num aeroporto, na segunda década de um século pleno de conhecimento sobre os malefícios do tabaco e cheio de restrições ao ato de fumar em locais públicos e fechados, a aproximação seria mais que politicamente incorreta, seria ilegal. Mas a rejeição ao contato poderia vir na resposta a um pedido de informação sobre o número do portão ou do vóo, por exemplo.

Não desisti e arrisquei novamente:
- Está muito ruim esta situação de crise geral em todo o mundo - olhando discretamente o jornal do homem.
Veio-me a resposta:
- É.


Nesse sentido, a pequena crónica juvenil permanece muito atual. Nada a reparar. Nem mesmo na resposta do personagem renitente.


Realmente meu amigo não estava disposto a dialogar. Notei que deixara o jornal e agora olhava atentamente a televisão colocada ao alto, numa posição estratégica do bar.
Um locutor apresentava os fatos que há pouco meu amigo lera no jornal. Aproveitei a oportunidade e insisti:
- A televisão tem um volume maior de anúncios do que propriamente programas.
Dessa vez meu amigo apenas assentiu com um leve movimento de cabeça.
Pedi um outro café, pois estava disposto a arrancar uma resposta de pelo menos duas palavras daquele homem que não sei quem era, onde morava ou mesmo o que fazia na vida.

Neste trecho, por razões mercadológicas e publicitárias, no ambiente da nova crónica mental do leitor do futuro presente, os aparelhos de televisão de tubo catódico deram lugar a monitores de cristal líquido que veiculam programação enlatada, enquanto algumas notícias correm em pequenos letreiros movediços, da esquerda para a direita, no mesmo lugar das legendas dos filmes de cinema. Mas o homem arredio do futuro atual da crónica de ontem reeditada, estaria olhando para eles. Sem dúvidas. E o personagem que pedia café, pediria outro expresso. O que, convenhamos, talvez não carecesse de revisão num texto atual. Felizmente.

Enquanto meu amigo continuava de olhos pregados na tevê, resolvi fazer minha última investida:
- O senhor trabalha por perto?
- Sim.
Vi-o então apanhar o jornal sobre o balcão, dar uma última olhada na tevê e se encaminhar à cabine telefónica.


Agora sim. Este parágrafo não pressupõe de modo algum o admirável mundo novo da invenção de Graham Bell. Cada cidadão que quer fazer uso do telefone no futuro do pretérito do jovem autor, hoje, tem sua própria cabine telefónica. Infelizmente, aberta e localizada em qualquer lugar: numa cabine do banheiro; no balcão do bar, na fila de embarque, na poltrona ao lado no avião e, enfim, em qualquer espaço em que o vizinho pode ouvir pelo menos um lado da conversa, em geral aos gritos, aparentando visar à informação de todos no entorno.

Não foram necessários quinze segundos para que eu concluísse que realmente estamos na Era das Comunicações.

E com esse final a crónica do garoto de quatorze anos fez o homem de cinquenta parar para pensar e concluir sobre o aparente paradoxo apontado pelo adolescente que ele próprio foi: a era das comunicações continua em pleno desenvolvimento e cada vez mais parece mais simples o contato à distància com quer que seja e muito mais difícil trocar uma palavra com o ser humano ao lado.
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