Homo Erectus, Homo Sapiens, Homo Automobile. Após as várias fases de desenvolvimento humano, chegou o Homo Automobile que daqui a alguns milénios, irá ser encontrado fossilizado dentro duma carapaça de chapa donde durante toda uma vida raramente saía. É esta a conclusão a que vão chegar os antropólogos do futuro quando estudarem os hábitos desta espécie humana.
O homem sem carro sente-se despido, sente-se nu e entra em pânico, em depressão profunda quando não pode dispor dele. Para que serve um dia sem carros se os dias seguintes passam logo a ser com carros? É como o dia contra a Droga, contra a SIDA, contra a Pobreza: passa e fica tudo na mesma. Não há coragem para contrariar esta tendência, esta fase da evolução do homem. Quando anda enlatado, o seu comportamento altera-se completamente. Passa a ser arrogante, impaciente, cheio de stress, de mau humor, pouco sociável, esquizofrénico, só vendo inimigos por todos os lados. Continua a fazer o mundo à medida do recipiente rolante em que se desloca e que tudo vai destruindo e alterando mas dá comodidade e “status”. Como poderia o Homo Vulgaris, aquele que passa despercebido, fazer-se notar, no meio da multidão, sem o invólucro metálico reluzente que não larga?
Nunca se viu nada escravizar tanto os hominídeos como o automóvel. A ele tudo sacrificam tanto o ambiente do planeta em que habitam como até a própria vida que vão perdendo diariamente em brutais acidentes. Isto, porque o bicho-homem não quer viver onde vive, quer estar sempre onde não está, quer vaguear constantemente dum lado para outro e organizou a sua forma de vida, o seu habitat em função do pópó. Não é por causa do transporte para o trabalho que é longe de casa, porque no dia de descanso, ninguém pára, é o mesmo.
Aqueles mais previdentes ou mais esclarecidos que prefiram andar a calcantes, de bicicleta, ou outro meio de locomoção mais saudável e menos poluente, como o poderão fazer? Onde estão as infra-estruturas para tal como em certos países onde é usada frequentemente a bicicleta? As cidades, as estradas estão a ser concebidas para ser utilizadas apenas pelo arrogante Homo Automobile que olha com desdém para o “humilde” pedestre e qualquer ciclista ou pedestriano sem preconceitos elitistas que se atreva a circular em tais sítios sem a protecção do recipiente metálico, sente-se logo o ser mais vulnerável, menos protegido do planeta! O seu instinto avisa-o logo que terá grandes probabilidades de regressar comodamente instalado numa carapaça branca com uma grande cruz vermelha, a piscar e a guinchar todo o caminho, a grande velocidade.
19/09/2001
Reinaldo Beça
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