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Cronicas-->São Paulo, nem tudo mudou... -- 10/07/2011 - 03:19 (Joel Ribeiro do Prado) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Olho a foto em preto e branco e de página inteira, estampada numa edição da revista Manchete de lá pelos idos de 1953. O tema: os festejos do quarto centenário da cidade de São Paulo. Acodem-me lembranças de uma terra adolescente. Terra rica, garbosa, mas ainda adolescente na sua predestinação metropolitana. A página, assim composta, diante de mim, funciona como um retrovisor. Um retrovisor do tempo, tendo, em primeiro plano, a imagem de minha mãe e a de minha irmã de cinco anos. Inteiramente esquecidas de uma sacola deixada encostada no poste do ponto de ónibus; ponto inicial da linha 103, cujo destino era Santo Amaro, via Washington Luiz, passando pelo Brooklin onde morávamos. Sobre a sacola, uma boneca repousava.

O ponto inicial ficava sob o Viaduto do Chá. Naquela hora de meio de tarde, como parte dos festejos do quarto centenário da cidade, ali se exibiam equilibristas alemães, atravessando o Vale do Anhangabaú, passo a passo, num cabo de aço que se estendia lá no alto - talvez a trinta ou quarenta metros de altura - preso a dois arranha-céus ladeiros. Era natural aquele espasmo produzido pelo espetáculo. Aqueles homens estavam inteiramente soltos no ar! Carregavam, presa a ambas as mãos, uma vara de talvez cinco metros, possivelmente de aço, que os auxiliava no equilíbrio.

Que saudade! Entre tanta coisa boa que, na esteira das lembranças despertadas pela foto, eu recordei, há o momento apoteótico dos festejos: aquela chuva de prata, feita com folhetinhos triangulares de papel alumínio que aludiam ao IV centenário e traziam o emblema criado para assinalá-lo. Quantos e quantos! Derramados por aviões e tremeluzindo sob o céu vespertino pelo reflexo do sol e, depois, já à noite, pelo dos fachos de potentíssimos holofotes assestados para as alturas.

Que festa! Eu, mais do que espectador, tinha sido privilegiado protagonista, cantando São Paulo Quatrocentão, no cinema do bairro, num show em que também cantaram Moacir Franco e Germano Matias.

É, mas esta foto... ela traz no seu bojo uma coisa mais importante do que a recordação mais particular, mais restrita a minha pessoa. Ela traz com muita força um contraste imenso. Tão grande, que parece ser obra não apenas do tempo, mas de algo que o supera de longe na construção deste contraste de realidades. Algo muito mais operante que o tempo, no patrocínio da metamorfose. Sim! Eu me dou conta agora de que mudamos de mundo. Este, o atual, não pode ser aquele mesmo... Não, não pode! Neste, a sacola com a boneca estaria bem segura nas mãos de minha mãe, pouco se importando ela, então, com os equilibristas. Equilibristas? Que bobagem! Coisa sem graça, sem poder de atrair muitas atenções. Afinal, todos nós, os transeuntes atuais destas ruas, vivemos emoções muito mais fortes do que a de ver alguém se equilibrando nas alturas. Todo o arsenal de impactos está agora ao rés do chão. Até equilibristas nos sentimos mais do que aqueles que ficam lá no alto. Os grandes desafios estão aqui embaixo...

Ah! E aquele fotógrafo? É, aquele! O que capturou a cena de cinquenta anos atrás. Se ele passasse agora, caminhando pelo Vale, vindo da Praça da Sé, talvez até nem estivesse mais com a sua máquina... Mas, supondo que ele a tivesse à mão, o que haveria de tão singelo para merecer uma página inteira de uma grande revista?

São Paulo, levaram-lhe a garoa, a neblina a deixou... Calaram-se os pregões que alertavam os nossos ouvidos logo cedo: Ropa velha! Ropa velha! Compra ropa velha! No lugar do Salada Paulista, está um Mc Donald`s; no da Leiteria Campo Belo, está a Loja Marisa. Ah, a Campo Belo!, da geléia de mocotó em copinhos de vidro - o meu alimento principal nos tempos de lactente - e das gorjetas polpudas de papai, que eu, após ele levantar-se e virar as costas, apanhava quase toda, enfiando as moedas grandonas no bolso e deixando só poucas, pequenininhas, para o pobre do garçom, que devia achar o meu pai um baita pão duro... As moedas eu pegava para, depois, em casa, ficar brincado de embocar cada uma numa frestinha do rodapé do hall, onde elas entravam para sempre.

Outro dia, passando pela Lacerda Franco (Cambuci), vi a casa em que eu morei sendo reformada. Não tive dúvidas, entrei, pra ver se estariam ali as tais moedas. Qual! O assoalho da sala de jantar tinha sido removido e o que havia era um monte de terra. As moedas deviam estar lá no meio, mas fiquei sem jeito de procurar. Conversei um pouco com os pedreiros e me fui, com uma baita vontade de ficar...

Pois é, minha querida São Paulo... Emudeceu a matraca do biju: tac-tac-tac-tac-tac, que fazia brotar água na nossa boca. Cessaram para sempre os acordes do realejo, passando nas tardes, a bulir com a nossa ansiedade mais romàntica, à qual o piriquitinho lançava pitadas de ingênua esperança. O quase silêncio noturno das suas ruas só quebrado de quando em quando pelo grito férrico dos bondes em aceleração, não existe mais. Não há mais geleia de mocotó com o sabor daquela, nem na Colombo lá no Rio. E as moedas que eu "roubava" do garçom desapareceram.

Quase nem se vê boneca nos braços das meninas...

Oh, São Paulo! Tudo está tão diferente...

Tudo? Tudo, não! Porque eu amo você do mesmo jeito.

e-mail do autor: joelprado@columbiamarcas.com.br
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:: COMENTÁRIOS ::



Na verdade, os realejos ainda existem, Joel. Podem ser encontrados em todas nossas festas de rua. E, de vez quando, ainda passa algum por aquele bairro afastado, onde feliz eu vivia...abraço.

[ Enviado em 30/7/2009 por Luiz Simões - saidenberg@ajato.com.br ]




Eu fui formanda (ginasial) do quarto centenário.Foi um ano festivo. Era ginasta e nós nos apresentamos no Pacaembu em um espetáculo muito bonito.Assisti os equilibristas, a chuva de prata.Desfilamos em homenagem ao quarto centenário,cantamos S.Paulo Quatrocentão.Como diz Caetano, "...a força da grana que ergue e destroi coisas belas, a feia fumaça que sobe apagando as estrelas...". Tem nome, chama-se progresso, cujo slogan nos enchia de orgulho, "...a cidade que mais cresce no mundo..." Foi isso

[ Enviado em 28/7/2009 por trini pantiga - trinesp@ig.com.br ]




Eu me lembro perfeitamente daqueles equilibristas na praça da bandeira, que ia de um predio a outro, se equibrando num cabo de aço, com aquela vara. Foi foto de primeira pagina de todos os jornais.Era uma São Paulo mais romantica e suave sem tanta violencia.

[ Enviado em 28/7/2009 por Mario Lopomo - mlopomo@uol.com.br ]




Sr.Prado, se ficou o amor então ficou tudo. Na memória ficou gravado o lapso de tempo da felicidade. Parabéns pelo texto. Bernardi.

[ Enviado em 27/7/2009 por Ernesto Bernardi - ernestob1144@gmail.com ]

Caro Joel Ribeiro, nostálgico o seu relato sobre São Paulo no liimiar do 4º centenário. Posso dizer que até o inicio dos ano 70, a gente encontrava esta São Paulo de que voce fala. Parece que depois que fizeram a (horrenda) passarela sob o viaduto do chá, o minhocao, a concretosa Pça.Roosevelt, tudo desmoronou e cedeu lugar a uma cidade por nós desconhecida.Ficaram as lembrança, como a suas que são compartilhadas conosco. Abraços, Marco Antonio (marcolino)

[ Enviado em 24/7/2009 por Marco Antonio (Marcolino) - advancedtop@uol.com.br ]


EU JA COMENTEI QUE O PROGRESSO E MARAVILHOSO, MAS ONDE ELE PASSA, ELE DESTROI E CONSTROI. ENFIM E A VIDA.

[ Enviado em 23/7/2009 por joao claudio capasso - jccapasso@hotmail.com ]

Joel, estou com você palavra por palavra nessa declaração de amor pela nossa cidade! Bela homenagem, muito bem escrito, texto fascinante... Parabéns!

[ Enviado em 23/7/2009 por PAULO FÁBIO ROBERTO - fabbito@uol.com.br ]


Benvindo Joel. Belíssimo texto, cheio de saudosismo e amor pela nossa Pauliceia. Tudo o que você relatou eu presenciei com meus 13 anos de vida, e, guardo até hoje dentro de um livro,uma estrela de alumínio que foi produzida pela Indústria Pignatari "Wolf". Um abraço, Rossi.

[ Enviado em 23/7/2009 por antonio rossi dos santos - rossi@valoneadv.com.br ]

Tambem escrevi sobre o realejo,que tambem me traz tantas saudades . Na verdade,vi um realejo no ano passado, na feirinha da Liberdade, até tirei foto.

[ Enviado em 23/7/2009 por Lygia - lymms7@hotmail.com ]


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