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Artigos-->A Coluna do Chefe - por Claudio Lampert - Veirano Advogados -- 03/07/2003 - 17:41 (Linda Cidade) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Coluna do Chefe

Por Claudio Lampert, da Veirano Advogados - Rio



Vou fazer uma confissão. Sai lá do fundo das entranhas, como um gemido de dor aguda: eu detesto advogados. Sim, isso mesmo. Tenho horror aos meus semelhantes. São quase vinte anos de convivência, desde aquele distante seis de agosto de oitenta em quatro - no meio dos jogos olímpicos de LA -, quando ingressei na faculdade de direito da UERJ (mesmo banco pelo qual, dez anos depois, passou nossa amiga Foschia). E foi tempo suficiente para que eu pegasse pavor à minha própria classe - donde se conclui, por óbvio, que eu me odeio. Um dos principais pilares dessa aversão - só um advogado usa uma expressão cafona como essa - é o fato incontestável de que advogados escrevem muito mal. Mas isso, por si só, talvez só fosse motivo de compaixão. A aversão aparece, na verdade, quando textos medíocres se juntam à plena convicção de excelência nas letras, à empáfia e à crença de que o doutorfulanodetal é um verdadeiro azougue na sua redação. E assim se consolidam os monstros.



>Há muito tempo venho querendo fazer esse desabafo. Epinion é cheio de leitores advogados que vão se identificar com minha aflição - aliás, acho que um pouco dos poucos espécimes que escrevem bem deixam suas anotações por aqui... Mas sempre priorizo outro tema ou outra idéia. Hoje isso ia acontecer de novo. Mas acabei de ler um texto de um cara que tem certeza absoluta que é a reencarnação de MA. Não há um errinho sequer no texto. Mas tudo é muito ruim. Assustadoramente ruim. Empolado, obscuro, indireto, transverso, mesoclítico, latínico: tudo que condeno em matéria de estilo está dentro do texto. Pois então resolvi largar um tema metafísico que ocupa meu coração - é, a metafísica nunca ocupa minha mente, só o meu sentimento - e transcrever, aqui, uma nota de desabafo que eu redigi no início do ano para uma estagiária do nosso escritório intergalático. A moça havia me mandado um email singelo, por recomendação da sua própria chefa - o que me deixou bastante orgu lhoso de mim mesmo, como dizem os gauleses -, pedindo cópia de pareceres e petições para que ela observasse o meu "texto jurídico". Abaixo, vai a minha resposta: (antes, um disclaimer: sei lá se posso ser referência de concisão e estilo e correção gramatical, mas vocês podem ter certeza que me esforço bastante para (i) não ser cafona e (ii) ser caprichoso e bonitinho - ainda que, no meio do caminho, escape um "alvoroço" ou coisa parecida...)

>

"Letícia:

Que responsabilidade! Mas seguindo a técnica do Farah Farah, aquele cirurgião plástico de SP, vamos por partes:

1. estilo não se imita (nenhuma crítica ao verbo usado pela Dahia). Cada um tem o seu e se afastar dele é a melhor maneira de piorar a situação. Mudar estilo é como tentar mudar personalidade: não dá certo; todo mundo nota; fica feio.



2. escrever bem e ter estilo aprumado demandam tempo e dedicação. Dois fatores são essenciais nesse propósito: (i) conhecimento do idioma no qual se escreve e (ii) muita -- mas muita, muita mesmo -- leitura. Ambos os fatores demandam tempo e investimentos pessoais polpudos. Pode soar estranho, mas até hoje estudo português quando tenho um tempo vago -- seja por meio de uma simples ida à gramática para entender períodos subordinados, seja pelo fichamento de palavras para serem pesquisadas no dicionário, seja por meio da leitura das colunas dos especialistas (muito antes de o Pasquale ter se tornado um astro na mídia, eu já assistia o programa dele na TV Cultura; advinha a que horas ele ia ao ar? Sábado, 8:30 da manhã...).

3. escrever bem demanda paixão. Sem amor pelo texto você vai, quando muito, ser uma boa produtora de linhas jurídicas. Não desanime se você não for uma apaixonada pela escrita. Isso é normal, sobretudo nessa profissão. Mas faça das tripas coração para se enquadrar em alguma das sugestões que vou dar a seguir. Se você conseguir, no todo ou em parte, já terá dado passo significativo para melhorar seu estilo. Vamos lá:



- Advogados escrevem mal. Escrevem mal porque são pretensiosos. E o mal vem se consolidando há mais de cem anos e deriva de juristas e magistrados, que desde a época do império usavam linguagem oblíqua e rebuscada em seus documentos. Essas pessoas eram, supostamente, parte da elite intelectual desse país e, por isso, viraram, para leigos e ignorantes de toda a sorte, referência de boa escrita. E a mediocridade se cristalizou através dos tempos. Hoje você vê um estudante de direito se sentir no topo do mundo porque escreve: "Claudio Lampert, já qualificado nos autos supra-referidos, da Ação que lhe move Letícia Andrade, vem, por seu Advogado infra-assinado, com fulcro nos arts. 1.220 e 2.009 do CPC, requerer vênia a esse MM. Juízo para expor, ponderar, e, ao final, requerer, como de fato requer, tudo o quanto se segue:" Ele mostra a petição para os pais e avós, que se sentem orgulhosos da cria. Na faculdade, é elogiado por colegas e professores. Os vizinhos invejam o filho mais novo do Pessanha, que virou doutor na faculdade Estácio de Sá e escreve muito bem. Mas o filho mais novo do Pessanha é semi-analfabeto e escreve mal pra caralho. Uma petição bem escrita teria, somente, o seguinte: "Claudio Lampert, nos autos da ação movida por Letícia Andrade, requer a esse juízo o seguinte:" Pronto. Encerrado o festival de ordem indireta, palavras obscuras, retros, infras, susos, fulcros, próclises e mesóclises, termos capitalizados, termos em latim;

- escrever bem é escrever de forma clara. Simplifique sempre. Quando não for possível simplificar, duvide do seu julgamento e continue simplificando;



- escreva pouco e critique seu texto. Advogados escrevem muito e se acham o máximo. Escreva pouco e sempre ache tudo o que você escreveu muito ruim, ainda que os outros ao seu redor lhe aplaudam (nunca confie no julgamento de quem te rodeia, porque invariavelmente são piores do que você);



- use a ordem direta sempre. Sujeito, verbo, predicado, ponto. Nova idéia. Sujeito, verbo, predicado, ponto. Nova idéia. E assim por diante. O seu estilo vai nascer da sua capacidade de criar a energia para a conexão das suas idéias: milhões de neurônios perdidos querendo trocar informação: o estilo é a sinapse que vai unir as gelatinas; é a goma que vai juntar as peças do seu texto;



- evite orações subordinadas explicativas no meio do texto. Use apostos só para dar ênfase ao seu raciocínio e nunca para incluir uma idéia nova;

- use vocabulário simples e objetivo;



- preste atenção para a simetria verbal do texto. Defina o tempo da narrativa e vá com ele até o final. Texto jurídico não é romance proustiano, onde Albertine tem que ficar indo e vindo no tempo (aliás, em busca do tempo);

- aprenda a pontuar. Descubra o valor do ponto e vírgula, do travessão, do parêntesis e do colchete;



- tenha extremo cuidado com os pronomes que intoxicam o texto (esse, este, essas, esses, aqueles, aquelas, umas, uns, uma, um). Isso é recurso de quem não escreve na ordem direta e emenda idéia com idéia com idéia. Quem escreve na ordem direta e com períodos curtos precisa muito pouco desse grupo de palavras;

- cuidado com a colocação pronominal. Use a próclise com muita reserva. Nunca use a mesóclise;



- errar crase é o oitavo pecado capital;

- reveja seu texto até a vista embaralhar. Salve. Guarde. Durma. Acorde de manhã e reveja uma última vez. Mude tudo se for necessário e comece de novo. Se você perder seu emprego por causa disso, terá sido demitida por uma causa justa;



- em anexo não existe. Anexo deve ser usado como adjetivo e não se presta à formação de uma locução adverbial que indica lugar. Aliás, pare de usar essa referência. Quando você diz "prezado Claudio, estou encaminhando [em anexo] para a sua revisão minuta de contrato...", tenha certeza que o tal Claudio só poderá encontrar a tal minuta anexa à carta. Em que outro lugar poderia estar a tal minuta?

- compre o manual de redação e estilo do Estado de São Paulo. A gramática do Ceslo Cunha. O Aurélio de mesa. Os dicionários de regência e sinônimos do Luft;



- leia Machado de Assis;

- leia Nelson Rodrigues;

- leia Ruben Fonseca.



Cheguei ao fim. Posso enviar coisas que escrevi para você ler. Mas já adianto que não há diferença qualquer entre meu texto jurídico (ah, como eu odeio essa classificação pernóstica) e o texto de um bilhete meu para a empregada da minha casa. Portanto, sugiro que você leia as colunas que escrevo toda terça-feira no Epinion (http://epinion.bolgspot.com). Esse trabalho, apesar de ser feito em forma de crônica, reflete bem minha forma de escrever.



Escolha, agora, o encerramento desse email:



(A) Fico, também, à disposição para quaisquer esclarecimentos que porventura se fizerem necessários, bem como para auxiliá-la na revisão de quaisquer dos seus textos, subscrevendo-me,



Atenciosamente,



OU



(B) Fico à disposição para rever seu trabalho,



Um abraço"
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