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Cronicas-->Entre Dois Amores -- 19/01/2011 - 15:20 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eu era casada. Sempre tive muito amor pelo meu marido, até quando pude aguentar. Aquele crápula, aquele canalha... Eu era casada, ele era um belo homem. Tinha belos dotes, o danado, só que se esforçava muito para usá-los noutra freguesia e mentia descaradamente, inventando desculpas para suas ausências repentinas, pelos seus silêncios ao telefone, pelos dias que ficava a trabalho fora de casa... Eu já sabia, ou tinha uma leve noção, toda mulher o sabe. Toda mulher sente que o comportamento muda, outros cheiros povoam a pele de quem te acompanha como se fosse outro suor, outra essência misturada a ele. Não há perfume que disfarce a sensação de que algo esteja fora do eixo. Mulheres são como gatos, sentimos à distància a noção do perigo que ronda; a sombra se amortece mas suas pegadas são indeléveis e o que mais fazemos é investigar.

Pois foi numa destas ausências que eu conheci minha cara-metade. Sabe quando você está solta, num estado de consciência que beira o absoluto torpor, entretida com as compras que acabou de fazer, ansiosa por chegar em casa e abrir os pacotes que você só dividirá consigo mesma? Pois sim: Um olhar firme e agradável, tenso e profundo congelou minhas mais profundas emoções e detonou os meus mais estranhos temores, porque aceitar de meu marido uma suposta traição é uma coisa e ver-me em meio a um furacão como esses é completamente diferente. Tudo bem estava carente, raivosa de um telefone que jamais atendia quando eu ligava... Como saber se aquele olhar eu não o tinha pedido, implorado e agora que se tornara real eu não queria, nem ousava enfrentar? Ele estava ali. Alto, forte, braços bem torneados. Uma franja sobre os olhos e uma tatuagem no ombro direito. Não havia como não olhar; inicialmente pensei não, não pode ser comigo, deve ser minha vizinha de compra, uma adolescentezinha que ouvia o som a tal altura que não sei se notaria qualquer coisa que não fosse seu chiclete ou o cheiro de seus cabelos que todo o momento punha em suas narinas. Vai que fumasse, devia estar pensando nisso. Mas o olhar, ah não: Novamente o fluido vital me inspirando, aquele cálido alvorecer de hormónios. O alvo da pele cedendo lugar a um rubor discreto, o calor das orelhas denunciando cada vez mais que a situação me agradava. Sim, porque entre nós, as mulheres, nada há de melhor que um belo olhar, de preferência que nos meça da cabeça aos pés, ainda mais se medirem nossa...

Calma, vamos com calma. Tenho de pagar as compras. Para variar, enrolo-me com o cartão e ele, oh, ele está bem ao meu lado... Nota meu embaraço, até porque o olhar, ele o sustenta cada vez que eu finjo desviar o que agora jamais poderei esquecer. Não é que cai a bolsa, caem as moedas, o troco que eu iria dar ao manobrista deixou de existir e sempre tem um toque de miséria esta história de andar com moedinhas na bolsa; o que é que ele iria pensar de mim, que além de tímida, seria uma pobre senhora fazendo economias para comprar meias baratas? O mistério sempre está ao nosso lado quando nossas mãos se encontram ao meio do caminho, no momento exato em que eu desço para apanhar o que me corrói de vergonha e ele, num gesto, já apanhou e estende para mim, num sorriso triunfante de quem já fez o que devia. Pronto! Agora, ele se vira e pega suas coisas e vai embora. Descobriu minha essência, meu àmago de muquirana. Pronto, lá se vai o olhar mais lindo que recebi...

--Precisa de ajuda?
--Eu?

Sabe-se lá o que se passa em minha cabeça, eu me vejo ruborizada, linda de desejo, eu me vejo nos espelhos em sua companhia; eu me vejo fazendo coisas que eu jamais fiz com meu marido e que ele deve fazer com as outras, aquele safado. Pensando bem, que seja, pois que sou também com esse deus grego. Eu me olho e nos reflexos do espelho passo as mãos em seus cabelos e vejo no arco-íris de seus cachos mil cores de um prazer que jamais tive; nas suas orelhas eu vejo gotículas de um brilho que só pode ser mesmo um milagre. Como uma árvore de Natal, eu vejo mil faces de uma mesma moeda, todas espalhadas em mil recantos do quarto, perfumado de nossos corpos, cheio de nossas virtudes, pleno de meus amores por ele e dos amores dele por mim. Não que eu não goste de meu marido, sim, eu gosto. As carícias dele, os dotes dele, tudo misturado, ah não sei. Sei que as compras caíram no estacionamento enquanto nos beijávamos sofregamente e ele me convidava a ir ao seu apartamento. Sei que tudo ficou ali mesmo, espero que tenham feito bom proveito. Porque eu fiz, aí telefonei para meu marido, que atendeu milagrosamente com sua voz aveludada que eu sabia que ele usava para disfarçar o indisfarçável; porque eu sabia que ali perto havia outra, e mais outra, e mais outra, que escarneciam de mim às costas, que me falavam mal às avessas. Liguei dali mesmo, enquanto meu anjo dormia, ressonando lindamente depois de me levar à loucura.

--Aló!
--Aló, querida? Como você está?
--Ah, muito bem. E você?
--Trabalho e mais trabalho. Temos de fechar o mês, de modo que...

...Blábláblá... Uma secretária trilíngue, era o que ele tinha; pois sim. Eu disse que estava olhando por um espelho, disse o que eu via dali mesmo, detalhe por detalhe; disse das gotículas, da árvore de Natal, das mil partes de minha imagem. Ele não entendeu a princípio; pouco depois bufava ao telefone; percebi que havia movimento onde estava e uma voz feminina se fizera ouvir. Talvez ele se sentisse mal, talvez ele houvesse caído ao lado dela. Talvez já não conseguisse mais erguer a mão direita, fulminado por um derrame. Talvez sua alma se fosse e saísse agora pelo nariz e sua amantezinha vagabunda o massageasse enquanto chamava a emergência do Motel de quinta. Não sei, sei que desliguei o telefone, voltei-me ao meu companheiro, virei-me de costas para ele e dormi.

Foi a melhor noite de minha vida.
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