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Contos-->SEDUÇÃO -- 17/08/2001 - 20:46 (Carlos Higgie) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

SEDUÇÃO

Nesta idade, tudo parece primavera e sorrisos. A vida insinua que será eterna e mágica, apesar do presente ser um pouco cinza e muito preocupante. Cresce da alma uma borbulhante sensação, sensual e agradável, que lubrifica a pele e ilumina os olhos.
- Tens a pele de pêssego –elogiava tio Umberto, alongando o carinho, navegando sua mão trêmula pelo braço juvenil, toda a fina penugem e eletricidade. Tio Umberto, que era dolorosamente feio e muito simpático, morria de amores por ela. Todos os meses lhe dava um pouco de dinheiro, “para as tuas pequenas festas”, lhe dizia; presenteava-a com objetos que lhe seriam de suma utilidade em seu dia a dia. Também a abraçava com ternura e a envolvia com sua proteção, muitas vezes confusa.
Uma ou duas vezes por mês a levava a jan-tar. Iam a restaurantes elegantes e caros. Ele lhe ensinava os segredos da etiqueta e dos bons modos à mesa. Descrevia-lhe com luxo de detalhes os pratos que solicitava ao maitre. Alongava-se citando diferentes maneiras de preparar a mesma carne e quais eram as guarnições mais indicadas.
Às vezes detinha-se em prolongadas dis-sertações sobre culinária. Era um “expert” em bebidas e comidas, pelo menos para Cândida, tão jovem e tão inexperiente. A adolescente deleita-va-se com aquelas noitadas. Ele a fazia sentir-se maior. Mais madura. Mais mulher. Eram noites agradáveis e divertidas, plenas de emoções e descobertas. Apesar da alegria, não deixava de perceber os sorrisos irônicos e os olhares censores que, em mais de uma ocasião, os rodeavam. Como podiam pensar em tio Umberto e ela ...?
As vezes sentia a mão, quase senil, trans-mitindo uma vibração diferente, um calor preocu-pante, uma umidade que lhe agitava e a obrigava a retrair-se. Mais tarde, tranqüilizava-se e voltava a ser receptiva aos carinhos do tio e padrinho. Ele era casado, em segundas núpcias, com uma velha gorda e desconfiada, que parecia odiar até o nome de Cândida. Por essa razão, a moça ia pouco a casa do tio, preferia encontrá-lo nos restaurantes e , em alguns entardeceres, nos barzinhos informais, que unem a tarde com a noite, entre risos divertidos, choques de copos e fumaça de cigarro.
Sua amiga Malu, mais experiente nos as-suntos da vida, tratava de convencê-la, de que ha-via algo de estranho naquela relação. Cândida afastava as suspeitas e insinuações, com um ar-gumento que considerava inatacável: “além de ser irmão de meu pai, é meu padrinho”.
Tio Umberto não era rico. Desfrutava, no entanto, de uma posição bastante folgada. Havia viajado três vezes à Europa, e uma vez aos Esta-dos Unidos. Tinha um apartamento no centro da cidade e uma casa na praia próxima. Amava os bons vinhos, as boas bebidas em geral, a comida preparada com certa sofisticação; e podia dar-se a alguns pequenos luxos gastronômicos. Cândida, que quase o idolatrava, somente lhe reprovava sua obstinação em conservar seu velho carro, um mo-delo de trinta anos atrás.
- Os objetos, as máquinas que usamos –explicava ele com muita paciência -, são como a gente: tem alma. São animais sensíveis que se apega a nós e desfrutam de nossas presenças. Como poderia deixar meu automóvel num depósito de carros usados? Não sobreviveria longe dele. Meu prazer é seu prazer, somente se consuma quando estamos juntos.
Assim Cândida ficou sabendo da primeira relação sexual do seu tio, que, como era de supor, aconteceu no banco traseiro do carro. Havia uma estranha comunhão entre o homem e o carro; uma ilógica e mágica compreensão mútua. Isso perturbava muito a garota.
Nas férias de inverno, convidou-a a passar uns dias na praia.
- Na praia ? –surpreendeu-se ela –com esse frio?
- Porque não? Os balneários estão vazios, o ar é puro, a praia pode ser toda nossa.
Foram no carro de tio Umberto. Desde o primeiro momento a menina sentiu a hostilidade da tia. Não se atemorizou e passou rapidamente à ofensiva. Ele parecia divertir-se, presenciando o enfrentamento das duas.
A casa era confortável e bem distribuída. Construída numa elevação, permitia ver, de seus amplos janelões, parte da praia. Cândida estava no que seria o seu quarto, quando entrou o tio.
Começou de rodeios, explicando coisas que não havia necessidade e terminou entregando-lhe uma caixa grande, pedindo-lhe que durante aque-las férias, se vestisse, pelo menos uma vez, com aquelas roupas. Dentro da caixa havia um par de tênis, meias, roupas interiores, uma camisa, uma saia, uma jaqueta de lã e um boné, também de lã. Acompanhando o conjunto, um cachecol colorido. Somente de passar mão pela roupa íntima, incri-velmente sedosa, a garota sentiu-se tomada de fe-licidade.
Passaram os dias sem maiores novidades. Longas e inacabáveis discussões com a tia, presenciadas pela aparente imparcialidade do tio, passeios intermináveis pela praia, noites que se alongavam temperadas pelas histórias fantásticas, narradas pelo tio.
Uma tarde, na hora da sesta, Cândida deci-diu que usaria a roupa que seu anfitrião lhe havia presenteado. Tomou coragem e resolveu enfrentar o banho. Enquanto se ensaboava com esmero, uma sensação de mal estar, como se alguém estivesse a observá-la, entrando em sua intimidade, a dominou. Buscou a fonte de sua inquietação. Somente o olho da fechadura olhava-a insistentemente. Imaginou que do outro lado da porta alguém a observava. Ele, talvez. Não iniciou nenhum gesto de defesa: tapar seus seios e sua vulva ou atirar alguma peça de seu vestuário, ou uma toalha na maçaneta para tapar o buraco da fechadura. A idéia de que alguém a espiava e a desejava, a excitou, despertou nela uma sensualidade, um fogo até então desconhecido ou reprimido. Esmerou-se em poses obscenas, enquanto termi-nava de banhar-se e secar-se.
Envolta na toalha, abriu subitamente a porta: não havia ninguém. Passou pelo quarto dos tios e viu-os: a gorda dormia boca para cima, ron-cando; o homem, na posição fetal, parecia dormir calmamente.
Em seu quarto, depois de pentear-se com muito cuidado, vestiu-se lentamente frente ao espelho como se estivesse representando para alguém. Quando terminou de arrumar-se, três batidas fir-mes a surpreenderam. Abriu a porta. Era ele.
- Vejo que escolhi bem –disse. Ela não respondeu.
- Vamos dar um passeio pela praia –convi-dou ele. - Mas antes quero que veja algo.
Levou-a à garagem. Ali estava o velho carro, olhando-a com aqueles olhos de vidro e, num canto, uma bicicleta rosa.
- É para ti –disse tio Umberto.
Era uma bicicleta como todas, porém o banco a tornava sumamente estranha. Era um as-sento quase cilíndrico, a base alguns centímetros mais longa e uma ponta que se afinava um pouco. Levemente inclinada para cima, parecia uma pequena bazuca.
- É um pouco estranha –comentou ela.
- Foi desenhada para ti.
Cândida passou a mão pelo assento. Es-tremeceu: parecia uma coisa viva. A suavidade a fez recordar sua roupa íntima. O tio percebeu sua perturbação. Pegou a bicicleta pelo guidom, com a outra mão apertou suavemente o braço da sobrinha e saíram da garagem. Entardecia. A praia estava deserta. Cândida tiritava de frio.
Ele aconselhou-a a dar umas voltas de bicicleta, para esquentar os músculos. Comentou que era melhor andar perto da água, pois ali a areia era mais firme. Como hipnotizada, subiu na bicicleta e pedalou com energia, quase tocando na água salgada que ia e vinha, como se quisesse lamber as rodas. Pedalou com desespero, distanciando-se do tio, sentindo que o vento castigava seu rosto e cabelo. Sempre parada sobre os pedais, inclinou a bicicleta para a esquerda e girou. Viu que havia afastado-se muito. O homem perdia-se longe, na penumbra do anoitecer. Sentou-se. O assento pareceu mover-se, enquanto seu traseiro se acomodava sobre ele. Levantou outra vez, pedalando com força e voltou a sentar-se.
Algo mágico e inexplicável estava aconte-cendo. O banco, suave e duro, parecia mover-se de baixo para cima, para frente, de cima para bai-xo, para trás. Ergueu-se novamente, deixou que a bicicleta deslizasse pelo seu próprio impulso. O tio a observava semi oculto por seu sobretudo cin-za e a penumbra do anoitecer.
Girou para a direita e voltou a sentar-se. Não havia dúvida, aquela coisa mexia-se, com vida própria, entre suas pernas. O mais assustador era que o movimento lhe transmitia uma agradável confusão, uma aceleração louca do sangue nas veias. Girou para a esquerda. O homem continuava no mesmo lugar. Observando. Era uma coisa louca. O movimento, que havia começado com certo vagar, acelerava-se cada vez mais, a medida que ela pedalava com mais vibração, com mais força, com mais paixão. No momento culminante, úmida e transtornada, Cândida sentiu-se livre e despojada, abrindo a boca num grito de medo e de prazer. Soltou a direção. Sentiu-se projetada para a frente, aterrizou de rosto, na areia.
Por um instante, ou por um século, naufragou na inconsciência. Quando voltou a realidade, o rosto feio e amassado de tio Umberto, estava muito próximo dela. Então, o abraçou com desespero e o beijou, buscando a sua língua.


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